Ex-presidente assume papel coadjuvante no PT e exibe estilo de vida modesto entre Rio e Porto Alegre. Petista cumpre agenda de palestras e viagens ao exterior, concedendo entrevistas sobretudo à imprensa estrangeira.
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Há um ano, o Senado decidiu condenar Dilma Rousseff e encerrar o ciclo petista na Presidência. "Condenaram uma inocente e consumaram um golpe parlamentar", declarou ela pouco depois do resultado da votação, em um discurso que ainda seria repetido muitas vezes, especialmente no exterior.
Fora do Planalto após cinco anos e oito meses, Dilma, agora com 69 anos de idade, ainda tenta se reinventar no papel de ex-presidente. Ela tem levado uma vida contrastante em relação a de seus antecessores.
Ao contrário de Lula e Fernando Henrique Cardoso, a participação de Dilma no dia a dia da vida partidária tem sido limitada. Ela também não emitiu sinais de estar disposta a concorrer em um futuro próximo a um novo mandato político, como ocorreu com Itamar Franco, Fernando Collor e José Sarney. "Não que eu descarte integralmente isso, mas agora não estou avaliando essa possibilidade", disse ela em uma entrevista nesta semana.
Ainda assim, Dilma não passou o último ano isolada ou seguiu a trajetória imediata de Collor, outro ex-presidente que sofreu impeachment e que, após perder o cargo no final de 1992, se impôs um longo auto-exílio em Miami. A petista, apesar de ter inicialmente passado alguns dias em reclusão em Porto Alegre, seu domicílio, logo passou a cumprir uma agenda de palestras, entrevistas e participação em atos contra sua destituição, além de viagens ao exterior – nove no total.
Desde que deixou o poder, Dilma concedeu pelo menos 40 entrevistas, mais da metade para veículos estrangeiros, como os jornais Guardian e New York Times e a rede venezuelana Telesur. No Brasil, os únicos veículos de destaque foram os jornais Valor Econômico e Folha de S.Paulo.
Com exceção do Valor, a ex-presidente tem evitado veículos ligados às organizações Globo. No geral, Dilma tem falado no Brasil mais ativamente com blogs e publicações simpáticas ao PT. Ao jornal esquerdista Brasil de Fato, ela afirmou lamentar não ter lutado por uma "lei dos meios" quando estava no poder.
Ao falar com a imprensa estrangeira, ela denunciou continuamente o que classifica de "golpe" contra seu governo, não fugindo da narrativa de outros petistas. Foram poucas as autocríticas nessas entrevistas, como em um caso em que disse se arrepender da sua política de desoneração fiscal.
No Brasil, ela tem evitado falar à televisão. Em um ano, só concedeu entrevistas para a TVE Bahia e a TV alagoana Ponta Verde, duas emissoras regionais. Em dezembro, uma entrevista com a rede Al Jazeera, do Catar, repercutiu mal quando a ex-presidente ficou irritada com uma pergunta sobre a corrupção do seu governo.
Em segundo plano
Apesar do seu papel ativo com parte da imprensa e em palestras, que a coloca em evidência no exterior, internamente ela tem ocupado um papel político coadjuvante sob a sombra de Luiz Inácio Lula da Silva, dividindo cada vez mais suas denúncias ao "golpe" com a pré-campanha à Presidência do seu padrinho político.
Depois do impeachment, coube a Lula assumir no PT o papel de contraponto ao governo de Michel Temer e articular a reação do partido. Ao contrário de todos os outros ex-presidentes desde a redemocratização, Dilma nunca foi uma cacique partidária ou contou com uma base de apoio regional antes de chegar ao Planalto.
Fora da Presidência, seu papel interno dentro do PT tem sido limitado a se portar como um símbolo e porta-voz. Em junho, sua ex-ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, foi eleita para a Presidência do partido. A articulação foi feita por Lula. O papel de Dilma no congresso do partido ficou limitado a criticar o governo Temer.
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Ela também enfrentou dificuldades para exercer influência na última campanha eleitoral. A ex-presidente apoiou oficialmente três candidatos do PT: Raul Pont (PT), em Porto Alegre, Jandira Feghali (PCdoB), no Rio de Janeiro, e Alice Portugal (PCdoB), em Salvador. A regra, no entanto, foi esconder a ex-presidente da maioria das campanhas, como a de Fernando Haddad, em São Paulo. Os três candidatos apoiados por Dilma acabaram perdendo.
Oficialmente, Dilma continua defendendo a realização de "diretas já" para solucionar a crise política, que começou antes mesmo da sua queda. Seu partido, no entanto, já deu exemplos evidentes de não estar empenhado na realização de um novo pleito para presidente antes de 2018, o que tem provocado suspeitas de que Lula e outros caciques do PT prefiram ver Temer "sangrar" até outubro do ano que vem.
Boas notícias na Justiça
A defesa da ex-presidente ainda contesta o impeachment com um mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). O caso está no momento no gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Vai completar aniversário no final de setembro, sem qualquer previsão de análise.
Dilma continua como alvo de dois inquéritos. Um deles trata das pedaladas fiscais do seu governo. Outro é uma investigação que apura suspeita de obstrução da Justiça no caso da nomeação de Lula como ministro.
Na frente judiciária, no entanto, Dilma acumulou algumas boas notícias neste último ano. Sua chapa nas eleições de 2014 acabou sendo absolvida pela Justiça Eleitoral, o que poupou a petista de perder seus direitos políticos – por outro lado, Temer também permaneceu no poder.
A delação da JBS também chegou a levantar suspeitas sobre Dilma. O empresário Joesley Batista afirmou que ela e Lula gerenciavam uma conta de propinas no exterior, mas o MPF não viu elementos que comprovassem a acusação.
Nesta semana, auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) isentaram ainda a ex-presidente no caso que envolve a compra da refinaria de Pasadena, EUA, efetivada quando a petista era membro do conselho de administração da empresa.
Há dez dias, a PF também informou que não viu elementos que comprovassem o crime de obstrução da Justiça no caso da nomeação de um ministro do Superior Tribunal de Justiça por Dilma, uma acusação que havia sido feita pelo ex-senador Delcídio do Amaral.
Vida privada
Após a saída da Presidência, não surgiram contra Dilma acusações de enriquecimento ilícito como no caso de Lula. Ela também exibiu um estilo de vida modesto, ao contrário dos ex-presidentes Sarney e Collor.
A rotina de Dilma é dividida entre o Rio de Janeiro e Porto Alegre. Na capital gaúcha, moram sua filha e os dois netos. Em 12 de agosto, morreu seu ex-marido, Carlos Araújo. Nas ocasiões em que Dilma recebeu a imprensa em seu apartamento, jornalistas apontaram a ex-presidente como uma leitora voraz que leva um estilo de vida simples. Ela ainda continua a pedalar às margens do rio Guaíba.
Sua vida social é discreta no Brasil. É raro vê-la em restaurantes ou eventos sociais que não tenham relação com o antigo papel de presidente. Ela parece mais à vontade no exterior, onde já foi fotografada em jantares e encontros com amigos. Ela ainda viaja uma vez por mês para visitar a mãe em Belo Horizonte. Em outubro, afirmou que a mãe, de 94 anos, que sofre com demência senil, ainda não sabia sobre o impeachment.
A renda vem de uma aposentadoria de 5.500 reais pelo INSS. Ela também recebe o aluguel de três imóveis e uma remuneração não divulgada como presidente do conselho curador da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT.
Propostas potencialmente rentáveis como a cobrança de palestras e um livro de memórias têm sido até o momento descartadas. Sobre as palestras que concedeu no último ano, especialmente em universidades, ela afirmou que não tem cobrado. Só as despesas com a viagem são custeadas pelos organizadores.
Pela lei brasileira, ex-presidentes não tem direito a aposentadoria, mas podem contar com oito assessores – quatro seguranças, dois assessores pessoais e dois motoristas –, além de dois veículos oficiais que são custeados pela Casa Civil.
As passagens destes para acompanhar Dilma em viagens também são pagas pelo governo. Só entre janeiro e junho, os custos com esses assessores alcançaram mais de 500 mil reais. Destes, 292 mil reais correspondem ao pagamento de diárias. Outros 240 mil reais custearam passagens.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.