Dilma tem apoio de brasileiros para vetar Código, diz Marina Silva
11 de maio de 2012Dilma Rousseff tem duas semanas para se posicionar sobre o novo Código Florestal, aprovado em 25 de abril na Câmara dos Deputados. E com a proximidade da Rio+20, a pressão para que a presidente do Brasil vete a lei aumenta a cada dia. Em entrevista à DW Brasil, ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva afirma que Dilma tem o apoio da sociedade brasileira para barrar o Código.
Deutsche Welle: A presidente Dilma Rousseff tem até 25 de maio para vetar ou aprovar o Código Florestal. Na opinião da senhora, o que ela deve fazer?
Marina Silva: A presidente Dilma assumiu um compromisso assinado de seu próprio punho durante o segundo turno da eleição de 2010, que a elegeu presidente da República. Ela disse que vetaria todo e qualquer projeto de lei que significasse a anistia para os que desmataram ilegalmente, a diminuição da proteção e o aumento do desmatamento.
A lei aprovada reduz a proteção das florestas brasileiras, anistia todos aqueles que desmataram ilegalmente até 2008. E a pior consequência de tudo isso será, sem dúvida, o recrudescimento do desmatamento dos biomas mais importantes do Brasil. Então, Dilma está mais do que respaldada para vetar essa lei. Agora há uma grande mobilização da sociedade brasileira para dar respaldo político para que ela exerça o poder de veto.
Um veto parcial resolveria a polêmica?
Ela tem que vetar a lei completamente, não basta vetar algumas partes. A lei é muito ruim. E todos os artigos estão cheios de artimanhas que levam a diminuir a proteção das nascentes, das margens dos rios, a proteção dos manguezais, a diminuir amplamente as Áreas de Preservação Permanente em todos os biomas brasileiros e, ainda, favorecer o aumento da fronteira agrícola.
O Brasil não precisa disso. O país pode duplicar sua produção agrícola sem precisar derrubar nenhuma árvore. Não podemos mudar o "teste" [crescer com sustentabilidade]. Temos que continuar passando no teste. O Brasil, nos últimos anos, conseguiu reduzir a pobreza, ter crescimento econômico, diminuir o desmatamento em mais de 80% [em relação aos últimos 20 anos]. O país tirou 25 milhões de pessoas da linha de pobreza, colocou 31 milhões na classe média, tudo isso reduzindo o desmatamento.
Não existe necessidade nenhuma de mudar a lei para aumentar a produção por expansão da frente predatória. Podemos aumentar nosso poder de produtividade, temos tecnologia, temos conhecimento, basta que tenhamos os incentivos corretos para isso.
Por que, então, os deputados e senadores brasileiros aprovaram uma lei tão complexa e polêmica, criticada também fora do país?
É um paradoxo. O Brasil, nos últimos anos, avançou muito no ponto de vista da governança, do marco legal. E nos últimos dez anos avançou em vários aspectos do ponto de vista da implementação desse marco legal. Enquanto a lei era apenas "decorativa", não era respeitada, esses setores mais atrasados iam deixando as coisas acontecerem. Isso porque, afinal de contas, não eram obrigados a cumprir a lei.
A partir de 2003, quando assumi o Ministério do Meio Ambiente e o presidente Lula assumiu a presidência, começamos a implementar as ações de combate ao desmatamento ilegal. Chegamos a prender 725 pessoas, a desconstituir 1.500 empresas, aplicar 4 bilhões de reais em multas, apreender 1 milhão de metros cúbicos de madeira ilegal, inibir 35 mil propriedades de grilagem.
Já no final da minha gestão, o presidente Lula assinou um decreto que vedava o crédito para todos os que tivessem cometido ilegalidades ambientais. Fizemos uma articulação da lei que levava à punição de todos os que faziam parte da cadeia ilegal: os que desmatavam, os que plantavam, os que transportavam, os que compravam (madeira ilegal).
Diante desses avanços, e também dos esforços que fizemos criando mais de 20 milhões de hectares de conservação nas áreas mais estratégicas para a preservação da biodiversidade, que era de interesse da grilagem e da ação predatória de madeira e de pecuária, houve uma pressão enorme desses setores atrasados que não querem passar no teste, mas que querem mudar o teste.
Esses setores pressionaram para mudar a lei. Mas a sociedade brasileira está muito consciente, e mais de 80% não querem mudar a lei. Eu espero que a sociedade se mobilize para que a presidente se sinta respaldada e vete.
O Código Florestal também é muito debatido fora do Brasil – na Europa, por exemplo, o país foi fortemente criticado. A senhora acha que esse é um assunto que tem que ser discutido apenas por brasileiros ou é uma questão que também deve ser tratada no exterior?
A soberania para cuidar das florestas brasileiras é do Brasil. Os danos que a emissão de CO2 provoca tanto pelo combustível fóssil usado pelos norte-americanos, japoneses e europeus, ou a destruição das florestas do mundo inteiro preocupam todas as pessoas.
A preocupação com os malefícios [provocados pela destruição da Amazônia] é de todo mundo, mas principalmente do Brasil. Diferentemente do passado, hoje a maior mobilização é interna. O Brasil avançou muito na sua consciência ambiental. Nesse momento, os brasileiros se preocupam com a floresta amazônica, se preocupam com as emissões de CO2, com a matriz energética dos europeus e dos norte-americanos.
Do mesmo jeito que nós estamos preocupados em proteger a Amazônia, cada um deve se esforçar para somar positivamente para todo o planeta.
Às vésperas da Rio+20, a presidente e anfitriã do evento tem sobre sua mesa uma lei que, segundo as críticas, não segue o compromisso de construir um futuro sustentável, justamente o lema da conferência. Qual é a pressão que pesa sobre o Brasil neste momento?
Na Rio+20, todos devemos levar essa responsabilidade de liderar pelo exemplo. Eu sempre digo que é muito fácil defender meio ambiente no ambiente dos outros. É muito fácil para os norte-americanos ou para os europeus se preocuparem com a Amazônia e não se preocuparem com suas emissões de combustíveis fósseis. E, às vezes, é muito fácil para os brasileiros se preocuparem com a emissão dos outros sem fazer seu dever de casa.
É preciso que cada um lidere pelo exemplo. Só assim daremos uma chance para o planeta. A nossa responsabilidade, como país anfitrião, se dá em duas direções: manter as nossas conquistas internas e continuar avançando, sem ter uma atitude de complacência com nossos erros em nomes dos acertos que tivemos. E tivemos bons acertos: a redução de 80% do desmatamento significa a redução de mais de 4 bilhões de toneladas de CO2.
Da parte dos países desenvolvidos, faz parte da responsabilidade não permitir que a crise econômica suplante a crise ambiental. É correto resolver a crise econômica, mas é preciso que haja recursos e investimentos para as ações de adaptação e mitigação.
O Brasil precisa se descolar das posições atrasadas do G77 [coalizão de países em desenvolvimento dentro das Nações Unidas] e trabalhar para que o G20 assuma cada vez mais posições nessa agenda do clima, da proteção, da biodiversidade, do desenvolvimento sustentável. Esse grupo representa 80% da população mundial e também 80% do Produto Interno Bruto do mundo.
Outra coisa significativa, é que o Brasil aposte em um modelo de governança que nos leve a ter uma instituição forte para meio ambiente no âmbito das Nações Unidas, da mesma forma que temos a Organização Mundial da Saúde e a FAO, para agricultura.
Entrevista: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer