Estilo centralizador deve sofrer abalo com a entrada de Lula no governo, marcando uma nova etapa da perda de poder político da presidente. Para especialistas, ela pode virar figura exilada em sua própria administração.
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A nomeação do ex-presidente Lula para a chefia da Casa Civil, marcando sua entrada oficial no governo de Dilma Rousseff, sua protegida política, lança dúvidas sobre o poder que a mandatária vai conservar em sua própria administração.
Ao comentar a nomeação, Dilma, que sofre um desgaste inédito por causa de escândalos políticos e maus resultados econômicos, afirmou que Lula “terá os poderes necessários para ajudar o Brasil”, sinalizando que espera que ele seja mesmo um superministro e uma pessoa-chave do governo.
A oposição se apressou em criticar a medida, acusando o petista de estar assumindo uma espécie de terceiro mandato às custas de Dilma ou de ter virado um “primeiro-ministro”.
É previsível que o estilo centralizador de Dilma deve sofrer um abalo com a entrada de Lula no governo, marcando uma nova etapa da perda de poder político da presidente, que vinha sofrendo ofensivas de rebeldes da base aliada, da oposição, mas também do próprio PT.
Apesar da influência que o ex-presidente teve sobre o governo nos últimos cinco anos, Dilma nem sempre seguiu as orientações do seu padrinho político, tentando em diversas oportunidades imprimir uma identidade própria na sua administração – embora nem sempre os resultados tenham saído como o esperado.
Em junho do ano passado, Lula chegou a se queixar em um encontro com religiosos que a sua sucessora “não ouvia seus conselhos”. “Dilma é uma criação de Lula, foi ele que a moldou, que a incentivou e que puxou os votos. No seu primeiro mandato, Dilma se comportou como tal, mas a partir da sua reeleição ele havia conquistado mais autonomia”, afirma o cientista político Ernani Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
"Ministro da esperança"
A autonomia de Dilma se manifestou ao longo do seu governo em casos em que a presidente bateu o pé e manteve Aloizio Mercadante na Casa Civil e, sobretudo, José Eduardo Dutra no Ministério da Justiça, dois homens da sua confiança. Tudo isso ocorreu mesmo com as queixas de Lula, da maioria do PT e de setores do PMDB ainda alinhados com o Planalto que pediam a saída dos ministros.
Mas aos poucos, conforme seu poder passou a se esfarelar 2015, Dilma foi cedendo, e seus protegidos começaram a cair um a um, sendo em muitos casos substituídos por lulistas. A partir do final de setembro, a presidente começou a ficar cercada de ministros historicamente mais ligados a Lula: o baiano Jaques Wagner foi para a Casa Civil; Ricardo Berzoini assumiu a articulação política na Secretaria de Governo; e Edinho Silva, que permaneceu entrincheirado na Secretaria de Comunicação Social. Mercadante acabou relegado ao Ministério da Educação.
Mas nada disso deve chegar perto dos efeitos provocados pela entrada oficial de Lula no governo. Com sua influência pessoal combinada ao poder conferido pela pasta da Casa Civil, é e se esperar que os holofotes se virem para o ex-presidente e mentor de Dilma. Lula já chega com o objetivo de promover a reconstrução da base aliada do governo, frear o impeachment e poder para influenciar a política econômica – e tudo isso em meio à sensação de que sua nomeação foi também uma forma de blindá-lo momentaneamente com foro privilegiado e tirá-lo da mira da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
O presidente do PT, Rui Falcão, já deu o tom do que se espera de Lula ao chamá-lo de “o ministro da esperança” em sua conta no Twitter.
Segundo o o cientista político Ernani Carvalho, o arranjo deve ter consequências negativas para o poder e Dilma, já que Lula deve concentrar todo o poder de interlocução com os partidos aliados, o PT, os presidentes das Casas do Congresso e até mesmo os movimentos sociais, além de aparentemente ter recebido carta branca na economia.
“Não acredito que nem Lula nem Dilma desejavam inicialmente esse arranjo. Na prática, ela impôs uma autotutela, correndo o risco de virar uma mera rainha da Inglaterra, uma figura decorativa”, afirma Carvalho. “Os americanos tem uma expressão para presidente que estão em fim de mandato e não podem mais se reeleger, o lame duck (pato manco). Parece que Dilma resolveu virar um lame duck apenas um ano depois de assumir o seu segundo mandato”, opina.
O cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, também acredita que a chegada de Lula vai esvaziar o poder de Dilma. “A presidente fez um cálculo político e viu que não tinha a habilidade política para estancar a crise. Com essa nomeação, ela tenta manter o cargo, mas abdicando de exercer o poder que restava. Na prática, ela vai manter a representatividade, mas praticamente vira uma figura exilada em seu próprio governo”, afirma.
“Presidenta, sobe!”
De acordo com a imprensa brasileira, Lula pretende desembarcar no governo levando velhos nomes da sua equipe e exigindo substituições em vários ministérios. Especula-se que Lula tenha ventilado alguns dos antigos ministros o seu governo como Franklin Martins (Comunicação), Celso Amorim (Relações Exteriores), Nelson Jobim (Justiça) e Henrique Meirelles (Banco Central) para que eles voltem aos seus velhos cargos, desalojando outros nomes que haviam sido escolhidos por Dilma.
Também é esperado que Mercadante, figura extremamente próxima da presidente, deixe o governo após ter seu nome envolvido na delação do senador Delcídio Amaral, o que deve deixar a presidente praticamente sem nenhuma pessoa da sua intimidade no núcleo decisório da administração.
“Dilma tentou afastar os lulistas do seu governo no início do ano passando, tentando respirar e sair de debaixo da asa do ex-presidente, mas o problema é que ela nunca gostou de fazer costuras e interlocução política, e também não encontrou pessoas capazes de desempenhar essas tarefas. A chegada de Lula e uma equipe completa é mais um indício de que ele vai passar a comandar o Planalto”, afirma Prando.
De acordo com jornal Folha de S.Paulo, uma piada começou a circular entre petistas em Brasília envolvendo a localização do gabinete da Casa Civil, que fica no quarto andar do Palácio do Planalto, acima do gabinete da Presidência, no terceiro. Segundo a piada, quando Lula era presidente e Dilma comandava a Casa Civil, o ex-mandatário costumava ordenar pelo telefone “ministra, desce!”. Agora, a ordem deve passar a ser “presidenta, sobe!”.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.