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Dinamarca teme perda de prestígio internacional

(sm)8 de fevereiro de 2006

A controvérsia sobre as charges de Maomé publicadas na Dinamarca atingiu dimensões globais. Dentro das fronteiras do país, no entanto, o conflito desencadeia reflexões mais contidas.

Manifestantes queimam bandeira dinamarquesa em frente da embaixada do país em TeerãFoto: AP
Premiê Anders Fogh Rasmussen em programa transmitido pela tevê libanesaFoto: AP

"Estamos diante de uma crescente crise global que tem o potencial de se agravar e escapar ao controle dos governos e de outras autoridades", declarou o premiê dinamarquês, Anders Fogh Rasmussen, reagindo à onda de violência dos últimos dias por parte de manifestantes muçulmanos em diversos países islâmicos.

A publicação de charges com a imagem de Maomé em um pequeno jornal dinamarquês, Jyllands-Posten, em setembro passado, desencadeou, de fato, uma crise internacional, com meses de atraso. Mas o que isso tem a ver com a Dinamarca?

Mais manifestantes que leitores do Jyllands-Posten

Protesto contra a Dinamarca na IndonésiaFoto: AP

Dinamarquês era o canal que caricaturou a imagem de Maomé, cuja representação é um tabu no islamismo. Isso já basta, por exemplo, aos manifestantes que apedrejaram a embaixada dinamarquesa em Teerã ou queimaram a bandeira do país na Nigéria, aos 10 mil muçulmanos que saíram às ruas no norte do Paquistão, ou aos participantes de violentos protestos no Líbano, Somália e Afeganistão, que culminaram até agora na morte de mais de uma dezena de pessoas.

A escalada do conflito dividiu a Dinamarca. O jornal Politiken, de Copenhague, lamentou que o prestígio da Dinamarca como país tolerante e humanitário tenha sido destruído em tantos níveis.

"Não quero viver num país em que o que vem de fora é tratado desta forma", declarou o escritor dinamarquês Carsten Jensen a três mil manifestantes que saíram às ruas de Copenhague para se solidarizar com os muçulmanos e questionar a política de estrangeiros do governo como agravante do conflito.

"Praga além das fronteiras"

Por outro lado, a polícia dinamarquesa teve que intervir num protesto neonazista realizado no fim de semana, em Copenhague, para impedir que os manifestantes queimassem o Alcorão.

O Partido Popular Dinamarquês, uma agremiação populista de direita que garante a maioria parlamentar ao premiê Rasmussen, divulgou uma declaração de protesto: "Vamos dar conta desta praga propagada para além das nossas fronteiras por islamistas e mentirosos que geraram este fatal conflito para a Dinamarca".

Uma das preocupações do governo em Copenhague, que – com um atraso de três meses – mostrou interesse em dialogar com representantes islâmicos, é perseguir certos imãs atuantes no país, acusados de se pronunciar em tom moderado à imprensa local e ao mesmo tempo instigar à discórdia nos países islâmicos. O Partido Popular Dinamarquês já apresentou um projeto de lei que prevê a expulsão dos imãs, líderes religiosos muçulmanos, ativos na escalada do conflito.

Convergência para o diálogo

No entanto, a comunidade islâmica da Dinamarca, que soma 180 mil a 200 mil pessoas, criou uma associação de muçulmanos moderados para evitar que a situação piore ainda mais. Quase um quarto dos muçulmanos residentes no país provém da Turquia e os demais, da antiga Iugoslávia, do Líbano e do Paquistão.

Em todo o país, o número de muçulmanos que se consideram religiosos praticantes oscila de 25 mil a 40 mil, sendo que apenas três mil freqüentam regularmente as três mesquitas do país. Se, por um lado, quatro quintos dos muçulmanos não são praticantes, existe um pequeno agrupamento fundamentalista que soma 5% da comunidade.

De ambos os lados, as pessoas dispostas à radicalização e à violência são uma minoria. Isso não resolve, no entanto, a urgência de discutir até que ponto a liberdade de expressão e de imprensa se choca com a preservação da dignidade de uma minoria religiosa.

Liberdade irrestrita de imprensa?

Theo van Gogh, baleado por um radical muçulmano em 2004Foto: AP

A Dinamarca é considerada o país europeu com o mais estreito vínculo institucional e histórico entre a Igreja (evangélica luterana) e o Estado. Após o assassinato do cineasta holandês Theo van Gogh, os imãs dinamarqueses pediram ao Ministério da Integração a convocação de um debate público sobre religião e liberdade de opinião, advertindo que passariam a apelar à Justiça para questionar o limite da liberdade de imprensa.

Na época, o então ministro da Integração, Bertel Haarder, declarou que todos deveriam entender que liberdade de opinião também pode dar margem à crítica de religiões.

Posteriormente, o premiê Rasmussen se recusaria a dialogar com embaixadores de países islâmicos sobre a publicação das charges, perdendo uma chance de conter a drástica escalada do conflito. Resta saber se a defesa irrestrita e inegociável da liberdade de imprensa será suficiente para estabilizar as animosidades.

Fato é que a liberal legislação dinamarquesa permite até mesmo a publicação de símbolos nazistas e deixa o restante a cargo do bom senso da mídia. De uma forma geral, isso funciona. Ao contrário de certos veículos da imprensa internacional, que republicaram as polêmicas charges de Maomé como gesto internacional de defesa da liberdade de expressão, a mídia dinamarquesa se absteve disso.

Bandeiras abaixo e boicote ao leite

Dentro do país, a polêmica promete manter a moderação. Mas no exterior, a situação se acirra. O governo em Copenhague recomenda à população a evitar viajar a determinados países islâmicos; a lista dos destinos de viagem arriscados aumenta a cada dia. Viajantes, comerciantes, soldados e funcionários de ajuda ao desenvolvimento atuantes no exterior passaram a esconder a bandeira dinamarquesa como forma de proteção.

Presidente afegão Hamid Karzai em visita a Copenhague em 29/01/2006 em companhia do premiê RasmussenFoto: AP

Mas o maior risco parece ser, de fato, o boicote aos produtos dinamarqueses nos países islâmicos. Na Arábia Saudita, mercadorias provenientes do país foram retiradas das prateleiras dos supermercados. O Iraque congelou as relações econômicas e o Irã rompeu as relações comerciais com o país.

Na Arábia Saudita, o segundo maior conglomerado europeu de laticínios, Arla, foi inteiramente excluído do mercado. No Oriente Médio, 50 mil estabelecimentos deixaram de vender produtos da Arla. No entanto, analistas comentam que o boicote não deverá afetar gravemente a Dinamarca, considerando que o volume anual de exportações para estes países e regiões não é significativo. O que poderá deixar marcas a longo prazo é a perda de prestígio do país.

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