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ConflitosSíria

Direita alemã quer retorno de refugiados sírios

10 de dezembro de 2024

Três dias após colapso do regime de Assad, conservadores e ultradireitistas propõem criar "incentivos" para solicitantes de refúgio voltarem à Síria. "Motivo para fugir não existe mais", diz líder da AfD.

Refugiados sírios em Hamburgo comemorando fim do regime de Assad
Refugiados sírios em Hamburgo comemorando fim do regime de Assad. Agora, partidos alemães querem incentivos para deportaçãoFoto: Bodo Marks/dpa/picture alliance

Dias após o colapso do regime do ditador Bashar al-Assad na Síria, partidos políticos alemães já começaram a propor políticas que incentivem o retorno de imigrantes sírios e solicitantes de refúgio para sua terra natal.

O debate é puxado pelas siglas de direita, como a oposição conservadora  União Democrata Cristã (CDU) e a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), mas também é endossado pela sigla populista de esquerda Aliança Sahra Wagenknecht (BSW).

Outras vozes mais à esquerda, como o Partido Social Democrata (SPD) e o Partido Verde, as duas siglas restantes na coalizão governamental do chanceler federal Olaf Scholz, alertam contra ações drásticas.

Alemanha recebe quase 1 milhão de sírios

Atualmente há 974.136 cidadãos sírios vivendo na Alemanha, de acordo com o Ministério do Interior alemão. Cerca de 712 mil deles receberam o status de refugiado, que inclui solicitantes com pedidos pendentes e aqueles cujos pedidos foram rejeitados, mas receberam proteção temporária por motivos humanitários.

A grande maioria chegou à Alemanha entre 2015 e 2016, quando o país era comandado pela ex-chanceler Angela Merkel, que cunhou a famosa frase "Wir schaffen das", ou "vamos conseguir", como slogan para a missão de acolhida das centenas de milhares de refugiados.

Políticos afirmam que sírios que comemoram "Síria livre" devem deixar a AlemanhaFoto: Julius-Christian Schreiner/dpa/picture-alliance

Incentivo para ir embora

Na segunda-feira, o Departamento Federal para Migração e Refugiados (BAMF, na sigla em alemão) anunciou que vai congelar temporariamente as decisões sobre pedidos de refúgio de cidadãos sírios. O mesmo foi feito por autoridades da Áustria, Itália, Noruega, Holanda, Suíça, França, Bélgica e Reino Unido. A suspensão se aplica a mais de 47 mil pedidos de refúgio de sírios na Alemanha.

Após a fuga de Assad da Síria, a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser (SPD), afirmou que muitos refugiados que encontram proteção na Alemanha agora têm esperança de retornar à sua terra natal. "O fim da tirania brutal do ditador sírio Assad é um grande alívio para muitas pessoas que sofreram com as torturas, os assassinatos e o terror", disse.

Para o ex-ministro da Saúde Jens Spahn, figura sênior da CDU, a fala de Faeser foi um convite para criar incentivos aos cidadãos sírios deixarem a Alemanha voluntariamente.  A CDU lidera as pesquisas para a eleição federal alemã, esperada para fevereiro de 2025.

"Como primeiro passo, eu diria para fazermos uma oferta", afirmou ele à emissora RTL na segunda-feira. "Que tal o governo alemão dizer: qualquer um que queira voltar para a Síria, nós vamos fretar aviões para eles e dar um pagamento inicial de 1.000 euros [R$ 6.052]?"

O governador do estado da Baviera, Markus Söder, presidente do partido conservador bávaro, a União Social Cristã (CSU), afirmou que até mesmo os sírios com status oficial de refúgio reconhecido deveriam receber "incentivos" para deixar o país.

Em 2015, a Alemanha chegou a receber 10 mil refugiados todos os dias, a maior parte do Oriente MédioFoto: Reuters/F. Bensch

"A Alemanha ofereceu refúgio a muitas pessoas necessitadas", disse ele ao podcast Table Briefings na terça-feira. "Quando a situação muda, e a razão para o asilo efetivamente deixa de existir, então não há motivo legal para permanecer no país", completou.

Já o secretário do Interior do estado da Baviera, Joachim Herrmann, que também é filiado à CSU, adotou uma postura mais suave. "Aqueles que se integraram bem aqui são cordialmente convidados a ficar", disse à rádio Deutschlandfunk.

Outros partidos endossam a proposta

Os comentários de Söder foram repetidos por Alice Weidel, colíder do partido de ultradireita AfD, que tem diretórios oficialmente classificados como suspeitos de extremismo pelo serviço de inteligência interna da Alemanha.

"Para muitas pessoas da Síria, o motivo para fugir não existe mais", disse ela à revista Stern. "Obviamente essas pessoas devem retornar imediatamente à sua terra natal."

Referindo-se às cenas em que cidadãos sírios que moram na Alemanha comemoraram a derrubada de Assad, Weidel repetiu nas redes sociais: "Qualquer pessoa na Alemanha que comemore a 'Síria livre' evidentemente não tem mais motivo para fugir. Eles devem voltar para a Síria imediatamente."

A líder do partido BSW, Sahra Wagenknecht, concordou com Weidel. "Espero que os sírios que estão comemorando a tomada do poder pelos islamistas retornem ao seu país de origem o mais rápido possível", afirmou. A BSW é uma sigla vista como "populista de esquerda", criada por Wagenknecht neste ano, a partir de uma dissidência do partido A Esquerda.

Ex-chanceler federal Angela Merkel deu boas-vindas a refugiados sírios em 2015Foto: Getty Images/S. Gallup

SPD e Partido Verde pedem moderação

Outros partidos na Alemanha, no entanto, pediram moderação. "Após um dia e meio, considero esse um debate de política interna inadequado", disse Katrin Göring-Eckardt, do Partido Verde, à rádio RBB em Berlim.

O político do SPD, Michael Roth, alertou contra o início desse tipo de discussão, dizendo que é cedo para afirmar o que o futuro reserva para a Síria após 13 anos de guerra civil.

Colega de Roth no SPD, Dirk Wiese, acrescentou que "a situação ainda é incerta" e criticou a proposta de Spahn, da CDU. "Os comentários de Jens Spahn deram a impressão de que ele teria enviado as pessoas de volta anteontem e até pilotado o avião ele mesmo", argumentou.

No estado da Renânia-Palatinado, onde vivem cerca de 50 mil sírios, a secretária de Integração, Katharina Binz, dos verdes, também pediu cautela. "Há muitos [refugiados sírios] que têm filhos na escola aqui, que têm empregos de tempo integral e que ficarão assustados quando discussões de repente surgirem sobre se eles podem ter que deixar o país a qualquer momento – o que é completamente irreal", disse à emissora local SWR.

"Ainda não está claro se os novos governantes conseguirão se estabelecer, como tratarão as minorias e se vão construir um sistema democrático ou autoritário", completou.

Liberais sugerem "conferência sobre a Síria"

Antes parte da coalizão governamental de Olaf Scholz, o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão) também vê uma "chance" para imigrantes voltarem para a Síria. O enviado especial do governo alemão para acordos de migração, Joachim Stamp, afirmou que a queda de Assad "poderia, possivelmente, abrir novas perspectivas para a cooperação em questões de migração", mas defendeu que "ainda é cedo para começar a planejar medidas concretas."

Já o secretário-geral do FDP, Marco Buschmann, foi mais contundente e pediu que a Alemanha convoque uma "conferência internacional sobre a Síria". "Para muitas pessoas que fugiram para cá, isso poderia abrir a chance de um retorno para casa", disse aos jornais do grupo de mídia Funke.

Scholz defende soberania da Síria

Numa conversa por telefone com o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, Scholz defendeu que a queda de Assad é um "desenvolvimento positivo", disse o porta-voz do governo alemão, Steffen Hebestreit. 

Segundo ele, o objetivo agora é tornar a Síria segura para todos os cidadãos. Os dois países também concordaram que a soberania da Síria deve ser respeitada.

Com 3 milhões de refugiados, a Turquia é o país que mais recebeu imigrantes sírios desde o início da guerra civil. Dezenas já retornam à Síria desde domingo, após o governo turco abrir as fronteiras terrestres para permitir o fluxo de refugiados. 

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, também conversou com Erdogan e anunciou que deve viajar para a Turquia no início da próxima semana para conversar sobre a questão síria. 

gq/as (DW, AFP, AP, DPA, Reuters)