Em entrevista à DW, Carlo Chatrian diz que convite a Kleber Mendonça Filho para integrar júri serviu para "mandar sinal" para o setor. País tem número recorde de filmes selecionados e vai disputar Urso de Ouro em Berlim.
Anúncio
O cinema brasileiro está mais forte do que nunca. Pelo menos em território alemão. Com 19 filmes, o país terá uma presença recorde no Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale, que começa na próxima quinta-feira (20/02), além de disputar o prêmio máximo, o Urso de Ouro. Mas a turbulência no setor audiovisual brasileiro já chama a atenção dos organizadores.
"Estamos muito preocupados", disse à DW o novo diretor do festival, o italiano Carlo Chatrian, que convidou o cineasta Kleber Mendonça Filho, aclamado por filmes como Bacurau e Aquarius, para integrar o prestigiado Júri Internacional. "Achamos importante mandar um sinal para a indústria internacional de que nos importamos com o cinema brasileiro."
Na avaliação de Chatrian, a boa safra de filmes inscritos no festival pode ser um efeito colateral da política de esvaziamento cultural do governo do presidente Jair Bolsonaro: "Muitos produtores sabiam que se deixassem para o ano seguinte poderiam não ter mais financiamento, porque a Ancine poderia fechar. Por isso, eles correram para terminar seus filmes com o dinheiro disponível."
Segundo Chatrian, a farta seleção se baseou unicamente na qualidade do material inscrito: "Não escolhemos tantos filmes brasileiros para fazer um posicionamento político. Eles foram escolhidos porque são filmes fortes", garante.
O respeito do italiano pelo cinema brasileiro vem de longa data: "Para mim, foi uma fonte de inspiração quando era jovem, com o Cinema Novo e o Cinema Marginal", conta.
Ex-diretor do Festival Internacional de Cinema de Locarno, na Suíça, Chatrian assumiu a direção artística da Berlinale neste ano, em parceria com a diretora executiva Mariette Rissenbeek, no lugar de Dieter Kosslick, que ficou quase 20 anos à frente do festival.
"Diversidade é a melhor resposta"
Entre as novidades introduzidas pela dupla está a nova mostra competitiva Encounters, que visa fomentar trabalhos "esteticamente ousados" e que possam trazer novas abordagens para o cinema. São 15 filmes ao todo, e o Brasil pode levar um prêmio com Los conductos, do diretor Camilo Restrepo, feito em coprodução com França e Colômbia.
Entre os 19 filmes brasileiros selecionados (produções e coproduções), há temas que vão desde o meio ambiente até o universo queer. "Temos uma grande diversidade. É a melhor resposta para quem diz que o cinema brasileiro não está vivo, e não deve ser financiado", afirma Chatrian.
Na mostra principal, o país disputará o Urso de Ouro com Todos os mortos, de Caetano Gotardo e Marco Dutra. Coprodução entre Brasil e França, o longa discute a herança da escravidão na virada do século 19. "A história se passa pouco depois da abolição da escravatura. É um filme muito político, mas também muito interessante, na forma como usa o sincretismo como estrutura para a sua narrativa e estilo", avalia o diretor do festival.
Cinco filmes na mostra Panorama
O Brasil vem forte também, com cinco filmes, na mostra Panorama – a segunda mais importante e a única a ter uma premiação definida pelo público. Uma das obras é Nardjes A., do premiado cineasta Karim Aïnouz, que volta mais uma vez ao festival com um documentário sobre uma jovem ativista que luta pela democracia na Argélia.
Já O reflexo do lago, de Fernando Segtowick, mostra a vida dos que moram, sem energia elétrica, nos arredores de uma das maiores hidrelétricas da Amazônia, sob um olhar ambientalista.
Ainda na Panorama, o diretor Matias Mariani conta em Cidade pássaro a história de um músico que deixa a Nigéria para procurar pelo irmão que desapareceu em São Paulo. E Vento seco, de Daniel Nolasco, apresenta um "queer erótico", nas palavras do diretor italiano. A coprodução Un crimen común, dirigida pelo argentino Francisco Márquez, completa a seleção.
Há também filmes na seção Fórum, mais experimental, e na Generation, dedicada ao público infanto-juvenil, em que o Brasil apresenta mais quatro filmes. Entre eles, Alice Júnior, de Gil Baroni: uma ficção divertida sobre uma youtuber trans que já passou por festivais no Brasil. A obra foi realizada com apoio da Ancine, na era pré-Bolsonaro.
A Berlinale chega a sua 70ª edição com nova direção, novas locações e novas perspectivas. Ao mesmo tempo em que promete inovações, o maior festival de cinema da Alemanha apresentará também clássicos do cinema.
Foto: picture-alliance/Pop-Eye/C. Kratsch
Novos nomes à frente do festival
Após a renúncia de Dieter Kosslick no ano passado, a 70ª edição da Berlinale começa com uma nova dupla de responsáveis: o italiano Carlo Chatrian, diretor artístico, e Marietta Rissenbeek, diretora-executiva. Neste ano, a Berlinale acontece de 20 de fevereiro a 1º de março.
Foto: Reuters/A. Hilse
Novos locais no centro de Berlim
Devido ao fechamento de um grande cinema multiplex na praça Potsdamer Platz, na capital alemã, foi necessário procurar uma nova locação para o Festival de Cinema de Berlim. O Cubix, na Alexanderplatz, antes um local secundário do festival, agora é o principal endereço da Berlinale.
Foto: DW/A. Gollmer
Filme de abertura
O festival abre com o filme canadense-irlandês "My Salinger year". O trabalho do diretor Philippe Falardeau conta a história de uma jovem escritora que trabalha como assistente de uma agente literária de sucesso e que responde a correspondências de fãs de um autor cult. A atriz americana Sigourney Weaver, que interpreta a agente literária, é aguardada em Berlim para a abertura da Berlinale.
Foto: micro-scope
Presidente do júri
O ator britânico Jeremy Irons será o presidente do júri internacional neste ano. Ao fim do festival, ele e sua equipe decidirão quem receberá o cobiçado Urso de Ouro. Oscar de melhor ator em 1990 por "Reverso da fortuna", Irons deu voz ao personagem Scar na versão original de "Rei Leão".
Foto: picture-alliance/dpa/B. Smith
Os brasileiros
O longa "Todos os mortos", dos brasileiros Caetano Gotardo e Marco Dutra, coprodução franco-brasileira, concorrerá na mostra competitiva. Na seção Panorama, estão "Cidade pássaro", de Matias Mariani; "Nardjes A.", de Karim Aïnouz; "O reflexo do lago", de Fernando Segtowick; e "Vento seco", de Daniel Nolasco. Outros 11 filmes do Brasil participam de mostras paralelas do festival.
Foto: Dezenove Som e Imagens/Hélène Louvart
Nova seção competitiva
Além da competição principal pelos ursos, foi criada em 2020 a seção competitiva Encontros. Quinze filmes, incluindo "Gunda" (foto), devem mostrar "a vitalidade do cinema". "Cada filme apresenta um jeito diferente de interpretar a história do cinema: autobiográfico, íntimo, político, social, filosófico, épico, surreal", diz o festival em nota.
Foto: Egil Haskjold Larsen/Sant & Usant
Fora de competição
A nova direção do festival acabou com a categoria "hors concours", que antes integrava a seção competitiva. Os filmes fora de competição passarão a ser mostrados numa seção especial. O primeiro convidado de destaque da Gala Especial da Berlinale será "Pinóquio", de Matteo Garrone, com Roberto Benigni.
Foto: Greta De Lazzaris
Cinema alemão em foco
O cinema alemão continuará desempenhando um papel importante no festival. Entre os diversos filmes apresentados na série Perspectiva Cinema Alemão, está o longa-metragem "Schlaf" (Sono), estrelado por Sandra Hüller.
Foto: Marius von Felbert/Junafilm
Mulheres na direção
Enquanto cresce a quantidade de mulheres por trás das câmeras, como o maior festival de cinema da Alemanha se posiciona no debate sobre gênero? Essa e outras questões relacionadas ao tema são discutidas nas principais mostras internacionais de cinema. A Berlinale mostra, entre outros, "Charlatan", novo filme da cineasta polonesa Agnieszka Holland.
Foto: Marlene Film Production
Homenagem a Helen Mirren
A atriz britânica Helen Mirren receberá o Urso de Ouro honorário pelo conjunto de sua obra. Oriunda do teatro, em que também fez grande sucesso, ela é conhecida pelos seus êxitos em Hollywood. Entre os vários prêmios de sua longa carreira cinematográfica, está o Oscar de melhor atriz em 2007, por sua atuação em "A rainha".
Foto: picture-alliance/newscom/J. Ruymen
King Vidor na Retrospectiva
No centro da seção Retrospectiva está o diretor americano King Vidor (à esq., com Audrey Hepburn e Jeremy Brett durante a filmagem de "Guerra e paz" em 1955). O texano (1894-1982) começou na era do cinema mudo, e em 1928 criou uma obra épica com "A turba". Contudo, também se afirmou no filme sonoro com obras-primas como "Duelo ao sol" (1947) e "Homem sem rumo" (1955).
Foto: picture-alliance/dpa
Clássico de 1924 restaurado
Um ponto alto para os fãs de cinema acontecerá em 21 de fevereiro, quando será apresentado o clássico do cinema mudo alemão "Figuras de cera", de 1924. O famoso filme do diretor Paul Leni foi restaurado digitalmente e será exibido, com música recém-gravada, no Friedrichstadt Palast.