Rosa von Praunheim ganha retrospectiva no Brasil
27 de setembro de 2012Política e humor são duas das principais características que permeiam a longa e extensa filmografia do diretor alemão Rosa von Praunheim. Em comemoração aos seus septuagésimo aniversário, o polêmico cineasta ganha extensa retrospectiva em São Paulo e no Rio de Janeiro. "Imagens engajadas – uma homenagem a Rosa von Praunheim" mostra as várias facetas de um artista que transita facilmente entre o documentário e a ficção.
Nascido Holger Mischwitzky em 1942 na prisão central de Riga, durante a ocupação nazista na Letônia, ele foi adotado e passou seus primeiros anos na Alemanha Oriental, fugindo para o lado ocidental em 1953. Na metade da década de 1960, passou a usar o nome artístico Rosa von Praunheim. Rosa é uma referência à cor do triângulo que os homossexuais eram obrigados a usar nos campos de concentração. Praunheim é um bairro em Frankfurt, cidade onde viveu.
Em seus filmes, o diretor promove a diversidade social, retrata mulheres fortes e apresenta diversas formas do homossexualismo. O polêmico Não é o homossexual que é perverso, mas a situação em que ele vive (1971) deu início ao movimento gay na Alemanha Ocidental. Sua produção mais cara, O Einstein do sexo, conta a história de Magnus Hirschfeld, que no século 19 abordou o tema sexualidade de maneira revolucionária e científica.
Ativista fervoroso, Rosa foi um dos primeiros cineastas a se engajar na luta contra a Aids, dedicando vários filmes ao tema, o que o levou a atos polêmicos e controversos. Em conversa com a DW Brasil, o cineasta falou sobre seu método de trabalho, cinema político e um ambicioso projeto em comemoração aos seus 70 anos.
DW Brasil: Você produz diversos filmes por ano…
Rosa von Praunheim: Nem sempre. Produzo um ou dois por ano. Faço filmes de baixo orçamento. Quando você trabalha com mais dinheiro, o controle é maior e você precisa de mais tempo.
É mais fácil fazer cinema hoje?
Com certeza. Comecei a trabalhar com 16mm nos anos 1960. Costumava ter só uma cópia dos meus filmes porque era muito caro fazer outra. Hoje é tudo digital.
Quando começou seu interesse por cinema?
Eu queria escrever e pintar, considerava o cinema uma arte menor. Com 25 anos andava com um grupo de artistas e excêntricos e costumávamos fazer sessões de fotos. Em 1967 alguém roubou algumas latas de filme 16mm e eu fiz meu primeiro curta. Vendi o filme para a televisão e fiz meu segundo filme, uma paródia dos filmes da esquerda. Meu terceiro filme, já em 1969, tinha temática gay, pois a lei havia sido banida naquele ano.
A lei que descriminalizava o homossexualismo?
Sim, nos anos 1950 e 1960 o número de homossexuais presos foi duas vezes maior do que no período nazista. Eu ficava muito bravo, pois as pessoas não lutavam pelos seus direitos. Sentia-me muito sozinho, não encontrava ninguém para lutar contra essa situação de repressão.
Você costuma rever seus filmes?
Não tenho interesse pelos meus filmes. Gosto de realizá-los. No momento estou trabalhando numa história de amor entre Jesus e Hitler. Adoro o processo da pesquisa e também de improvisar com atores. Divirto-me muito, mas, quando acaba, passo para o próximo projeto.
Há uma diferença de processo entre fazer um documentário e uma ficção?
Desenvolvi uma maneira de fazer ficção de uma maneira muito simples. Convido as pessoas para o meu apartamento e fazemos um filme. É assim que desenvolvo minhas histórias. Nunca tenho uma ideia do que eu quero fazer antes de começar, mas geralmente eu já conheço os atores. Não gosto de roteiros.
O que mais te interessa ao mostrar a vida de pessoas reais?
A história de alguém não pode ser inventada. Acho fascinante o processo de pesquisar, fazer entrevistas, ler livros. Não gosto muito de inventar, prefiro descobrir.
Seus filmes são políticos, mas cheios de humor. Como é equilibrar esses dois elementos?
O humor sempre ajuda. Meu primeiro grande filme de temática gay, Não é o homossexual que é perverso, mas a situação em que ele vive (1971), foi um grande escândalo, pois usei o humor para atacar os gays por sua passividade, que eu entendia como masoquismo. Queria criticar a maneira como eles se escondiam e só se interessavam por sexo e glamour. Fui muito atacado pela maioria da comunidade gay, mas com uma pequena parcela de direita formamos o primeiro grupo gay de Berlim Ocidental. Outros 50 grupos foram formados, em diferentes cidades, por causa do filme.
A comunidade gay hoje é pouco politizada?
Não só os gays, mas os heterossexuais também. Vivemos num país rico. Se você é mal acostumado, não tem interesse em lutar. É muito fácil ser gay aqui, mas a situação no Leste Europeu, na China e em outros lugares é difícil. Ainda temos muito pelo que lutar. É muito importante ter orgulho de ser gay e ser aberto às diferenças. Se falássemos de nossa vida como os heterossexuais falam das deles, as pessoas seriam mais familiarizadas com nosso estilo de vida.
O cinema gay perdeu a importância que tinha no passado?
Gays não assistem a filmes gays, eles basicamente assistem a pornografia. Geralmente esses filmes não têm sucesso comercial e são exibidos apenas no circuito de festivais. Como artista, acredito que existe uma estética gay que é muito interessante.
Há algum cineasta gay que você admire?
Um ex-aluno meu, Axel Ranisch, fez um filme muito interessante chamado Dicke Mädchen, que deve estrear em novembro. Gosto muito também de Shortbus, do John Cameron Mitchell, e Tarnation, do Jonathan Caouette.
Você já teve problemas sérios por fazer filmes ou ser tão provocativo?
Tive mais dificuldades com gays poderosos da mídia do que com conservadores. Quem não é assumido tem medo da associação e geralmente tem ideias muito estranhas do que é ser gay. O que é muito triste.
O seu trabalho é sempre tão pessoal?
Como artista é importante olhar para a própria vida e experiências e colocar isso em seu trabalho. Eu já fiz três autobiografias e descobri muitas coisas sobre meu passado no filme Duas mães, no qual fui atrás da minha mãe biológica, que até o ano de 2000 eu não sabia que existia.
Como é comemorar sue aniversário de 70 anos realizando 70 filmes?
Algo incrível. Estou terminando a pós-produção desses pequenos filmes que são retratos de diversas pessoas e diversas fases da minha carreira. São 70 filmes entre 10 e 40 minutos que realizei nos últimos dois anos e que totalizam mais de 20 horas. Entre os filmes há animações com desenhos que eu fiz. Eles serão exibidos na íntegra no festival da cidade de Hof, no dia 23 de outubro. Em novembro, doze horas desses filmes serão exibidos no canal de televisão RBB, e vou lançar um livro com 70 poemas e 70 desenhos meus.
Quais são seus próximos projetos?
Tenho sempre vários projetos. Não faço muito dinheiro com os meus filme, então tenho que continuar filmando para sobreviver. Mas acho isso bom. Se você tem muita segurança, acaba sendo pouco produtivo.
"Imagens Engajadas – Uma Homenagem a Rosa Von Praunheim" está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo até 7 de outubro e no Rio de Janiro de 23 de outubro a 4 de novembro.
Autor: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler