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Divulgação de grampo incendeia crise política

Jean-Philip Struck17 de março de 2016

Áudio de conversa entre Dilma e Lula, sugerindo tentativa de interferência na Lava Jato, pega governo e classe política de surpresa, abre fase explosiva da crise e já força ex-presidente a lutar por cargo de ministro.

O protesto em Brasília, realizado de forma espontânea, reuniu cerca de 5 mil pessoasFoto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A crise política brasileira ganhou mais um componente explosivo na noite de quarta-feira (16/03), com a divulgação do conteúdo de interceptações telefônicas envolvendo diálogos telefônicos entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e diversos interlocutores, incluindo a própria presidente Dilma Rousseff.

A divulgação, determinada pelo juiz Sérgio Moro, ocorreu justamente no momento em que o Planalto começava a colocar em prática uma nova estratégia para tentar estancar a crise, que tinha como espinha dorsal a entrada oficial de Lula no governo Dilma e sua nomeação como ministro-chefe da Casa Civil. Logo em seu primeiro dia, o ministro Lula já passou a lutar para permanecer na cadeira.

Pouco menos de uma hora depois da divulgação da gravação, protestos já programados em Brasília e em São Paulo contra a nomeação de Lula ganharam força após a imprensa publicar o teor das conversas. Em São Paulo, cerca de cinco mil pessoas protestaram na Avenida Paulista. Em Brasília, outras cinco mil se reuniram em frente ao palácio do Planalto. Panelaços foram registrados em várias capitais.

"Só usa em caso de necessidade"

A publicação do teor dos diálogos – com um conteúdo que parece sugerir tentativas de interferência nas investigações da Operação Lava Jato – pegou o governo e a classe política totalmente de surpresa.

Um dos áudios, que foi gravado ainda na quarta-feira, envolve uma conversa entre Dilma e Lula em que a presidente informa o petista de que um dos seus assessores vai lhe entregar um documento de posse como ministro. "Só usa em caso de necessidade", diz a presidente no telefonema.

Veja imagens dos protestos desta quarta-feira

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Investigadores da Lava Jato sugeriram que o envio do documento seria uma forma de garantir uma espécie de salvo-conduto para Lula, algo que ele pudesse usar no caso de ser alvo de algum novo pedido de condução coercitiva ou de prisão até a sua posse oficial como ministro. Por essa interpretação, a presidente agiu para evitar a prisão de Lula, o que sugere obstrução do trabalho da Justiça.

Mais cedo, o anúncio da nomeação de Lula como ministro já havia levantado acusações de que o convite havia sido feito para blindá-lo com foro privilegiado no Supremo, evitando assim que ele permanecesse na mira da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e continuasse a correr o risco de que um tribunal de primeira instância pudesse ordenar a sua prisão.

Outros diálogos incluem conversas de Lula com ministros do governo, o prefeito do Rio de Janeiro e outros políticos. Neles, Lula afirmou, entre outras coisas, que "os tribunais estão acovardados" com as decisões da Lava Jato, usou palavrões para se referir à atuação do procurador-geral Rodrigo Janot e criticou o juiz Sérgio Moro.

Processo de impeachment

O novo episódio deve influenciar o recomeço da tramitação do processo de impeachment de Dilma, que até esta quarta-feira ainda aguardava análise do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o rito adotado.

Antes mesmo da divulgação dos grampos, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), já havia anunciado que colocaria o processo, que está parado desde dezembro, novamente em marcha nesta quinta-feira (18/03), com a escolha da comissão que vai analisar as acusações contra Dilma.

A oposição aproveitou a divulgação para pedir a renúncia de Dilma e a prisão de Lula,e afirmou que vai preparar uma nova ofensiva para tentar anular a nomeação.

Dilma alega que encaminhou termo de posse pois não sabia se Lula poderia comparecer à cerimôniaFoto: picture-alliance/dpa/F. Bizerra Jr.

Movimentos que pedem a saída da presidente, e que já organizaram os protestos históricos de domingo, estão planejando convocar novos atos. O Movimento Brasil Livre, por exemplo, ameaça a partir de agora organizar atos diários até que a presidente renuncie. Por enquanto, continua de pé a iniciativa de movimentos pró-governo de organizar uma jornada de protestos a favor de Dilma e Lula na sexta-feira.

A divulgação dos grampos ocorreu graças a uma decisão de Moro que determinou o fim do sigilo dos dados da 24° fase da Operação Lava Jato, que teve Lula como alvo. Espera-se que novas provas recolhidas nesta fase da operação sejam divulgadas nas próximas horas. Na noite de quarta-feira, diversos veículos de imprensa brasileiros ainda estavam publicando novas transcrições dos diálogos de Lula.

Questionamentos jurídicos

Moro também deve ser alvo de questionamentos, já que a divulgação ocorreu justamente no momento em que as investigações contra Lula deixariam seu gabinete e previsivelmente seriam remetidas ao STF após a sua posse como ministro. A decisão deve levantar questões sobre a validade da divulgação de áudios.

Segundo o jornal O Globo, a conversa de Lula sobre o documento da nomeação, por exemplo, foi interceptada duas horas depois da ordem do juiz que determinou o fim das interceptações. Também devem ser levantados questionamentos se o juiz não estaria agindo de maneira muito política.

Volta de Lula ao governo ajudou a elevar a tensão no país em meio à crise políticaFoto: Getty Images/AFP/N. Almeida

O Planalto classificou o episódio como uma "afronta aos direitos e garantias" da Presidência da República e argumentou que o termo de posse de Lula como novo ministro-chefe da Casa Civil foi encaminhado para que ele o assinasse caso não pudesse comparecer à cerimônia, marcada para esta quinta-feira.

Todas as medidas judiciais e administrativas cabíveis serão adotadas para a reparação da flagrante violação da lei e da Constituição da República, cometida pelo juiz autor do vazamento", afirmou o governo, em nota.

No despacho que determinou o fim do sigilo, Moro escreveu que a "democracia em uma sociedade livre exige que os governados saibam o que fazem os governantes, mesmo quando estes buscam agir protegidos pelas sombras."

Em meio à polêmica e a novos protestos populares, Lula toma oficialmente posse como ministro-chefe da Casa Civil nesta quinta-feira, em Brasília.

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