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Do cabaré aos anos 70

As décadas do cabaré foram sufocadas pela 'música degenerada' nazista. Passada a guerra, ouvia-se a influência da música americana, inglesa e francesa, até surgirem o rock alemão e as vanguardas eletrônicas nos anos 70.

Foto: Reuters

O folclore e a música popular sempre foram apreciados nos países de língua alemã. Os compositores clássicos e românticos – como Mozart, Beethoven, Schubert e outros – utilizaram constantemente temas e canções populares como base em suas composições. Foi no fim do século 19, com a implantação de um mercado musical, que se cristalizou uma diferença significativa entre o "clássico" e o "popular".

Este processo se acelerou com as técnicas de reprodução musical – o gramofone e posteriormente o disco – que, no transcorrer do século 20, transformaram a música em produto de massa. Na Alemanha estabeleceu-se uma diferença significativa entre a "E-Musik" (Ernste Musik = música séria) e a "U-Musik" (Unterhaltungsmusik = música de entretenimento).

A E-Musik corresponde ao que no Brasil se chama "música erudita" e a U-Musik define a "música popular". Entretanto, é importante entender que a "música popular brasileira" (MPB) tem conotações distintas da U-Musik. A MPB define uma certa postura estética, ao passo que o termo U-Musik se aplica de forma indistinta a praticamente tudo quanto é música que não se encaixe na tradição da música erudita européia.

As décadas do cabaré

Após a Primeira Guerra Mundial, a Europa e a Alemanha em particular descobriram uma certa liberdade que estava associada aos valores da cultura e ao estilo de vida dos Estados Unidos. Nas grandes cidades alemãs, especialmente Berlim e Munique, proliferaram instituições como clubes, bares, cabarés, salões de bailes e teatros de revista em que se cultivavam gêneros tipicamente americanos, como jazz, swing, big band, music hall etc.

Marlene Dietrich no filme 'O Anjo Azul'Foto: AP

A invenção do cinema falado criou um novo mercado musical, a partir das décadas de 20 e 30, impulsionando novos estilos musicais e o aparecimento das primeiras grandes estrelas. Por exemplo, o sexteto Comedian Harmonists, pioneiro da tradição alemã de música popular a cappela, os cantores das operetas de Kurt Weill (1900–1950) e Bertolt Brecht, e a própria Marlene Dietrich com seu sucesso "Ich bin von Kopf bis Fuss auf Liebe eingestellt" (do filme O Anjo Azul, de 1930).

A "música degenerada"

Com a ascensão de Adolf Hitler e a implantação do Terceiro Reich em 1933, a música popular alemã, assim como a cultura popular de uma forma geral, viveu um período de trevas. O jazz e toda a música de influência americana foram considerados "música degenerada" (em alemão entartete Musik), ao lado da música composta ou interpretada por judeus.

Cartaz nazista sobre 'música degenerada'Foto: DHM

O cartaz da ópera-jazz Johnny spielt auf (1927), do compositor austríaco Ernst Krenek (1900–1991), mostrando um negro de cartola tocando saxofone, foi deturpado pela máquina de propaganda nazista, tornando-se o símbolo da "música degenerada".

Durante o nazismo, os alemães foram bombardeados com canções folclóricas (Volkslieder), canções patrióticas (Heimatlieder), baladas de "caráter alemão", marchas militares, canções do front e tudo o que estimulasse a ideologia nazista. A música-símbolo desta era foi o Horst-Wessel-Lied (1938), uma marcha da SS que se tornou uma espécie de hino nazista.

O rádio tornou-se um poderoso instrumento de propaganda, mas contribuiu também para difundir o lirismo de algumas canções alemãs que resistiram à ânsia de exclusão nazista: por exemplo, "Lili Marleen" (1939), na voz de Lale Anderson, e "Ich weiss, es wird einmal ein Wunder geschehen" (1942), interpretada por Zarah Leander.

As décadas de 50 e 60

Depois da Segunda Guerra Mundial, a música popular alemã retomou do zero. A década de 50 foi marcada pela influência da música americana, inglesa e algumas vezes francesa. O fenômeno mundial do rock entusiasmou também a juventude alemã, que assimilou rapidamente os hits americanos, geralmente em versões cover cantadas em alemão.

Na década de 60, com a invasão das bandas pop americanas e sobretudo inglesas, como os Beatles e os Rolling Stones, as bandas alemãs desapareceram praticamente das paradas de sucesso. Surgiu então um novo estilo de canção popular alemã – o Schlager –, que marcou a música popular até o fim da década de 70.

Durante os anos 60, essas canções eram, em sua grande maioria, de baixa qualidade conceptual, com letras triviais sobre um mundo idealizado, cuja única intenção era permitir aos alemães que curtissem seu milagre econômico sem peso na consciência, ao contrário das canções muitas vezes politizadas e socialmente críticas do universo pop de língua inglesa.

Foi nessa época que se estabeleceram alguns dos mais importantes intérpretes até hoje, como os austríacos Freddy Quinn, certamente um dos mais bem sucedidos cantores de Schlager do pós-guerra, com mais de mil canções gravadas e cerca de 60 milhões de discos vendidos, e Udo Jürgens, que encantou o público com títulos como "Mercie Cherie" e "Siebzehn Jahr, blondes Haar". Na ativa até hoje, Jürgens de certa forma já abria espaço para a abordagem de temas sociais em suas canções.

Udo JürgensFoto: Sony/BMG

Postura crítica

Nos anos 70, quando a Alemanha viveu uma guinada política para a esquerda com a eleição de Willy Brandt, o primeiro chanceler federal social-democrata do pós-guerra, surgiram os primeiros cantores alemães preocupados em tratar de temas da atualidade com letras em alemão, entre eles Reinhard Mey e Udo Lindenberg.

Lindenberg lançou seu disco de estreia em 1971. O sucesso, porém, veio apenas dois anos mais tarde com o segundo álbum, Alles klar auf der Andrea Doria. Em 1980, era considerado o mais importante intérprete do rock alemão por 71% da população e sua popularidade se mantém em parte até os dias de hoje.

Udo LindenbergFoto: AP

No ápice de sua carreira, sua influência ultrapassava as fronteiras da música e chegava até a política, tendo se dedicado abertamente a um fim pacífico do conflito entre as duas Alemanhas.

Disco Music

Mas a explosão da música disco não deixou de contaminar a Europa, nem a Alemanha foi uma exceção. Principalmente o grupo alemão Boney M., criação do produtor Frank Farian, tornou-se um grande sucesso internacional. Em 1976, o single "Daddy Cool" invadiu as paradas e as pistas de dança de todo o continente, seguido por "Sunny", cover de Bobby Hebb.

O single de "Rivers Of Babylon", lançado em 1978 com "Brown Girl In The Ring" no lado B, é tido como um dos mais vendidos da história da música pop. Mesmo assim, o quarteto foi perdendo popularidade juntamente com o estilo já a partir de 1979.

Naquele ano, na esteira do sucesso do Boney M., o produtor Ralph Siegel emplacou o grupo Dschingis Kahn: com um primeiro hit homônimo, os seis artistas com trajes típicos mongóis conquistaram o topo das paradas de vários países, entre eles Japão, Rússia, Austrália e Israel. No Brasil, a popularidade do grupo inspirou inclusive a formação de uma versão homônima e similar, sendo que o Brazilian Gengis Kahn chegou até a emplacar alguns sucessos, como Comer Comer.

Vanguardas eletrônicas e industrial

A década de 70 assistiu também ao aparecimento de uma nova tendência: a música popular de vanguarda, inspirada na música eletrônica erudita, campo em que a Alemanha teve um papel pioneiro. A banda Kraftwerk estourou em 1975 com o álbum Autobahn e tornou-se uma referência internacional, o que permanece até hoje.

Duas outras bandas alemãs de influência decisiva para seu tempo foram Can e Neu!, representantes mais conhecidos do estilo que, identificado internacionalmente como uma tendência alemã, foi carinhosamente apelidado por críticos britâncios como Krautrock, em referência ao Sauerkraut, nome alemão do chucrute.

Os pioneiros do Kraftwerk no palcoFoto: dpa

Formado na cidade de Colônia em 1968, o Can continua sendo idolatrado até hoje por crítica e público por seus visionários experimentos sonoros, que misturavam o rock a equipamentos eletrônicos e sintetizadores. Em 2007, o Museu de Rock e Pop de Gronau chegou ao ponto de transportar integralmente para suas dependências o lendário estúdio da banda.

Os anos 70 também foram os da música industrial. Nascido no Reino Unido, onde foi desenvolvido por pioneiros como Throbbing Gristle e seguido por bandas como Cabaret Voltaire, o gênero foi trazido à Alemanha pelos berlinenses do Einstürzende Neubauten. Desde então, a barulheira dadaísta atende um público fiel, com discos que marcaram época ao longo dos últimos 30 anos, como Halber Mensch (1985), Tabula Rasa (1993) e Ende Neu (1996).

A banda experimental Einstürzende NeubautenFoto: Einstürzende Neubauten

Deutschrock: na esteira dos Rolling Stones

Mas não só de vanguardas vive o ouvido alemão. A década de 70 assistiu também ao sucesso do deutschrock, quando diversos roqueiros alemães que buscavam aproveitar o enorme sucesso de bandas como os Rolling Stones buscavam seduzir o mesmo público cantando em alemão.

Um deles é Peter Maffay, que estourou em 1970 com o hit "Du", permanecendo 30 semanas na parada e o tornando conhecido em todo o país. Nascido na Romênia, o roqueiro de voz rouca e braços musculosos tatuados se mudou para a Alemanha ainda jovem, onde começou a fazer covers de Bob Dylan e Donovan, inspirado por sua atitude pacifista.

Outro que se destacou neste período foi Marius Müller-Westernhagen, que abusou da imagem de roqueiro mulherengo para vender mais de 1,5 milhão de cópias de seu álbum Mit Pfefferminz bin ich dein Prinz.