"Do rio ao mar": por que slogan pró-Palestina é controverso
Thomas Latschan
16 de novembro de 2023
Proibido recentemente na Alemanha, mote usado em atos de apoio aos palestinos é criticado como antissemita por alguns e defendido por outros como apelo pela igualdade de direitos.
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O rio Jordão serpenteia desde o extremo nordeste de Israel, passando pelo Mar da Galileia até o Mar Morto. Durante a maior parte do seu percurso de 250 quilômetros, o Jordão marca a fronteira entre Israel e a Cisjordânia, de um lado, e a Jordânia, do outro.
A costa mediterrânea combinada de Israel e da Faixa de Gaza, situada a oeste, é quase tão longa. A faixa de terra limitada pelo rio, a leste, e pelo mar, a oeste, tem apenas 60 quilômetros de largura.
Geograficamente, é perfeitamente claro o que o slogan "Do rio ao mar" delineia: Israel, a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. A mensagem política que emana deste slogan é, portanto, altamente controversa. Na Alemanha, ele foi proibido pelo Ministério do Interior no início deste mês.
Desde o ataque terrorista perpetrado pelo grupo islâmico Hamas em 7 de outubro, no qual, segundo Israel, pelo menos 1,2 mil pessoas foram mortas e cerca de 240 outras foram sequestradas, e a subsequente ofensiva israelense em Gaza, com vários milhares de palestinos mortos, ocorreram diversas manifestações de solidariedade em todo o mundo, realizadas por ambos os lados. Em alguns casos, as passeatas foram criticadas por difundirem propaganda islâmica e antissemita.
Em muitas manifestações pró-Palestina, é entoada, entre outras, a frase "Do rio ao mar, a Palestina será livre". A expressão "do rio ao mar" também circula nas redes sociais e hoje pode até ser vista estampada em velas, bandeiras e moletons que são vendidos online.
É um slogan que tem dado novo vigor a ativistas pró-Israel e pró-Palestina – embora já exista há décadas. Muitos ativistas pró-palestinos dizem que é um apelo à paz e à igualdade, após décadas de ocupação israelense. Outros, porém, veem esse slogan como um apelo claro à destruição de Israel.
Origem na OLP
A expressão "Do rio ao mar" foi usada pela primeira vez em 1964 pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Quando foi fundada, exigia o estabelecimento de um Estado único que se estenderia do Jordão ao Mediterrâneo. A OLP rejeitava firmemente o plano de partilha da Palestina aprovado pela ONU em 1947.
Desde a Guerra dos Seis Dias em 1967, o termo tem sido cada vez mais adotado por outros grupos palestinos e também usado como um apelo à libertação da Palestina da ocupação israelense – tanto por iniciativas pacíficas para promover a independência palestina, como também cada vez mais por organizações radicais, como a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) ou Hamas, este fundado em 1987.
Ambos são classificados como organizações terroristas pela União Europeia (UE), pelos EUA e por outros países. O Hamas reivindicou o slogan para si no mais tardar em 2012, quando o seu líder Khalid Meshal declarou num discurso por ocasião do 25º aniversário da sua fundação: "A Palestina é nossa do rio ao mar e do sul ao norte".
Em 2017, o lema também foi incluído no estatuto da organização terrorista, que defende ainda a o desmantelamento à força do Estado de Israel. E em dezembro de 2022, o Hamas republicou o slogan, juntamente com um mapa da região, mostrando um Estado palestino, mas sem incluir Israel.
Pacífico ou radical?
Na verdade, o slogan deixa em aberto o que "uma Palestina livre do rio ao mar" significaria para o direito de existência de Israel. Dessa forma, pode ser usado tanto por ativistas pacíficos como por aqueles mais radicais.
Em 2021, por exemplo, o cientista político palestino-americano Yousef Munayyer argumentava que a fórmula "do rio ao mar" apenas descreve o espaço em que foram negados aos palestinos numerosos direitos desde a sua expulsão em 1948 – não só nos territórios ocupados como também em Israel –, expressando o desejo de um Estado em que "os palestinos possam viver na sua terra natal como cidadãos livres e iguais, que não sejam dominados nem dominem os outros".
No início deste mês, o pesquisador escreveu nas mídias sociais que não há "um centímetro quadrado de terra entre o rio e o mar onde os palestinos tenham liberdade, justiça e igualdade", acrescentando: "e nunca foi tão importante enfatizar isso como agora".
O slogan é antissemita?
Do lado pró-Israel, esta liberdade de interpretação não é aceita, sendo o slogan amplamente percebido como claramente antissemita e antissionista – e como um apelo mal disfarçado à aniquilação de Israel.
"Não tenham dúvidas de que o Hamas aplaude estes cânticos 'do rio ao mar', porque uma Palestina entre o rio e o mar não deixa um centímetro de espaço para Israel", diz uma carta aberta assinada por 30 meios de comunicação judeus de todo o mundo e publicada na semana passada.
"É claro que não há nada de antissemita em defender que os palestinos devem ter o seu próprio Estado", escreve o Comitê Judaico Americano no seu site. "No entanto, é antissemita exigir a eliminação do Estado judeu; elogiar o Hamas ou outras organizações que defendem à destruição de Israel; ou afirmar que os judeus não têm direito à autodeterminação." A instituição argumenta que o uso do slogan se tornou insustentável no mais tardar a partir do momento em que foi adotado e reivindicado por organizações radicais palestinas.
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Proibição
O principal ponto de discórdia é se o slogan inclui ou exclui a população israelense. Estará ele simplesmente exigindo direitos iguais para os palestinos ou a conquista e aniquilação do Estado de Israel?
Também na Alemanha, as autoridades judiciais discordaram durante muito tempo sobre o assunto. O slogan foi considerado por bastante tempo como algo fundamentalmente aceitável, protegido pela liberdade de expressão. A argumentação era que declarações só são puníveis se incitarem à violência, algo que não pode ser claramente determinado neste slogan.
No entanto, agora houve uma mudança de pensamento quanto à questão, e o Ministério do Interior alemão decidiu proibir o uso do mote, sob o argumento de que constitui um apoio ao Hamas e um apelo à violência contra os judeus e o Estado de Israel.
Seu uso é passível de multa por "incitamento ao ódio racial" e, no pior dos casos, até pena de prisão de até três anos. Alguns estados alemães já iniciaram processos criminais referentes ao uso do slogan após a proibição.
Também houve controvérsias acaloradas em torno do uso do slogan em outros países. Uma manifestação na Áustria foi proibida em outubro por causa disso. No Reino Unido, o Partido Trabalhista impôs uma pena temporária ao deputado Andy McDonald por usar a frase durante uma manifestação pró-palestinos.
E nos EUA, a Câmara dos Representantes repreendeu a deputada democrata Rashida Tlaib – a única representante dos EUA com raízes palestinas. Ela condenou o ataque do Hamas, mas depois fez várias declarações críticas sobre as ações de Israel em Gaza – e usou o controverso slogan.
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.