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Do ruído cósmico à música

Paulo Chagas17 de outubro de 2003

O Festival de Donaueschingen é o mais importante evento de música erudita contemporânea da Alemanha.

O cartaz oficial do evento é assinado pelo artista Georg Baselitz

Desde 1950 a pequena cidade de Donaueschingen, situada em plena Floresta Negra, sul da Alemanha, torna-se por alguns dias a meca da música contemporânea alemã e européia. Renomados compositores do século 20, como Hindemith, Stravinski, Schoenberg, Boulez, Stockhausen, Nono e Xenakis tiveram obras estreadas no Festival de Donaueschingen.

Todos os anos, são encomendadas novas obras a compositores consagrados e jovens talentos. Ao lado dos tradicionais gêneros vocal, instrumental, música de câmara e sinfônica, Donaueschingen tornou-se um verdadeiro laboratório para novas formas: música concreta, eletrônica, peças radiofônicas, música de filme, projetos multimídia e, mais recentemente, instalações sonoras e visuais.

A consciência do ruído

Fiel à sua tradição experimental, o evento de 2003 tematiza o ruído como fonte de tudo o que é criado musicalmente. O ruído é a matéria constitutiva da música, pois todo o universo é constituído de ruído, e a música tem a função de dar formas e estruturas a este ruído que percebemos de forma subliminar.

A tecnologia musical contribuiu também para tornar consciente a função do ruído na música. Todos os aparelhos eletrônicos ­ – como microfones, amplicadores, alto-falantes, etc – funcionam no sentido de otimizar a relação entre ruído e sinal. O computador e a tecnologia digital vão ainda mais longe, transformando o som em informação numérica, que pode ser analisada, transformada e modelada.

Sons de rua acompanhados de orquestra

O projeto Altar, do compositor austríaco Peter Albiner (1959), tematiza a percepção dos ruídos de rua. Em três diferentes pontos da cidade de Donaueschingen, ele instalou colunas dotadas de microfones e fones de ouvidos, onde se pode ouvir o som ambiente, sem nenhuma transformação.

A gravação desses sons é utilizada em duas outras obras, apresentadas em concertos do festival: Estudos complementares, para violoncelo e orquestra, e Três minutos para orquestra. Em ambas as obras, o ouvinte é instigado a se conscientizar da diferença entre o som ambiente e o som “composto”. Segundo o compositor, é a “orquestra que acompanha os ruídos da rua, e não o contrário.”

O gesto e o som

Beyond the Boundary of Silence (Além da fronteira do silêncio) é o título da obra encomendada ao jovem compositor russo Vadim Karassikov (1972), que será estreada em Donaueschingen pelo conjunto Klangforum de Viena. Karassikov considera que o som é apenas parte de um processo que inclui também energia, intenção e movimento. Este processo é representado pelo gesto musical, que seria a essência da música. Karassikov se propõe a amplificar temporalmente a dinâmica dos gestos (como em câmera lenta), a fim de mostrar a parte escondida deste imenso iceberg que é o gesto musical, e do qual o som não é mais do que a ponta sobre a superfície.

Música e vídeo interativos

Uma das principais tendências da música contemporânea, desde o início da década de 90, é a utilização do computador para criar processos interativos, ou seja, elementos que são produzidos por computador mas controlados pelos intérpretes durante a execução. No início, a interatividade limitava-se à produção de sons. Mas, graças ao aumento da capacidade de cálculo dos computadores, os compositores estão utilizando cada vez mais em suas obras imagens e vídeos interativos associados aos sons.

Algumas das peças encomendadas pela Rádio SWF, principal patrocinadora do Festival de Donaueschingen, apontam tendências da música interativa. Por exemplo: Panorama, de Arnulf Herrmann, para conjunto, eletrônica ao vivo, ator e vídeo interativo; Rad, de Enno Pope, para dois teclados; People / Time, de Pierre Jodlowski, para clarinete, trombone, violino, violoncelo, percussão, sistema de difusão sonora em oito canais e vídeo interativo.

Turntable, notebook e orquestra

Luciano Berio sempre foi muito ligado ao Festival de DonaueschingenFoto: dpa

O Festival de Donaueschingen reflete o plurarismo da criação musical contemporânea. O duo formado pelo francês erikm e o austríaco Christian Fennesz utiliza instrumentos como turntables, notebooks guitarras de rock para recriar eletronicamente um universo sonoro de sons concretos e ruídos.

Compositores como o português Emmanuel Nunes, professor do Conservatório de Paris, e o alemão Walter Zimmermann, professor do Conservatório de Berlim, representam influências respectivamente da estética serialista e da música de John Cage, duas referências fundamentais da segunda metade do século 20.

O tradicional concerto de encerramento com a Orquestra Sinfônica da SWR, dirigida pelo maestro Sylvain Cambreling, apresenta, ao lado de estréias de novas composições de Isabel Mundry, Georg Friedrich Haas e do citado Peter Ablinger, uma reexecução da obra Chemins I, para harpa e orquestra, do compositor italiano Luciano Berio. Falecido em maio de 2003, Berio sempre esteve ligado ao Festival de Donaueschingen, que estreou várias de suas peças, inclusive Chemins I, no ano de 1965.

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