Documentário lança novo olhar sobre o artista Joseph Beuys
Jochen Kürten av
19 de maio de 2017
O filme de Andres Veiel dividiu a crítica: em vez de abordar as polêmicas artísticas, políticas e sociais dos anos 60 e 70, cineasta prefere enfocar o humor de um espírito livre.
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"Deixo muita coisa de fora, completude não me interessou", diz o diretor Andres Veiel sobre Beuys. Centrado no artista conceitual Joseph Beuys (1921-1926) seu filme chega agora às salas de exibição alemãs, depois de ter estreado em fevereiro, na Berlinale, e ser convidado para alguns festivais internacionais.
Veiel é prestigiado como excelente documentarista, já tendo abordado temas como o terrorismo de esquerda na República Federal da Alemanha, o suicídio de amigos de juventude seus, ou os desejos e esperanças de jovens atores. Sua produção engloba documentações de longo termo, análises sobre rupturas políticas e sociais, mas também testemunhos muito pessoais sobre amizade e família.
Desta vez, o assunto é uma figura lendária da história da arte contemporânea, talvez um dos mais bem conhecidos artistas alemães de todos os tempos. No entanto o espectador não deve esperar uma biografia artística abrangente do filho da cidade de Krefeld, no sentido clássico.
Opiniões divididas
A alusão de que não visava "completude" indica a original intenção Andres Veiel: seu documentário trata, antes, do homem Joseph Beuys, seu desconcertante humor e suas tiradas em público, menos do artista e sua obra. Isso não agrada a todos, pois para muitos ele é um mito de que se ocupam, até hoje.
Consequentemente, as reações na estreia no Festival de Berlim foram as mais díspares. "Para um artista tão polêmico, o filme resultou surpreendentemente pacífico, o que é um mérito para Veiel", julgou, por exemplo, o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung.
E prossegue: "Beuys se mantém de fora das lutas ideológicas dos anos 60 e 70", fato que, no entanto, "prontamente valeu ao filme em Berlim uma critica maldosa do jornal de esquerda TAZ, incomodado pelo fato de Veiel apresentar o carismático espírito de Beuys um pouco como contraste com a falta de humor da esquerda".
Esse tipo de veredicto demonstra até que ponto o artista e homem Joseph Beuys continua sendo objeto de debates artísticos e político-sociais. Mas esse foi precisamente um dos aspectos que fascinaram o diretor.
Espírito livre, acima de tudo
Em seu documentário, Andres Veiel deixa as imagens falarem. Ele e sua equipe montaram suas quase duas horas de duração a partir de mais de 400 horas de material de vídeo e 300 de áudio, assim como 20 mil fotos. Beuys se compõe, em 90%, de material de arquivo, apenas umas poucas, breves entrevistas com os antigos companheiros de estrada do protagonista complementam as fontes históricas.
Como Veiel observou em Berlim, a intenção não foi rodar uma documentação sobre um artista que, com sua obra, provocou acirradas confrontações dentro da sociedade e do mundo da arte nas décadas de 60 e 70. "O que achei muito mais importante e interessante foi o atual, os espaços políticos de ideias que Beuys explorou."
Para o cineasta, ele não foi compreendido na época, nem mesmo pelo Partido Verde – do qual foi um dos fundadores. Como alguém que "no fim dos anos 1970 refletia sobre questões econômicas", Beuys disse que "quando o dinheiro se multiplica por si mesmo, alienado da produção, isso gera bolhas que não são mais controláveis, aí temos uma crise da democracia". "Na época, riram dele", lembra Andres Veiel.
Um dos trunfos de Beuys é enfocar questionamentos atuais, políticos, mas também filosóficos, mostrar um homem que era, acima de tudo, um espírito livre, cuja mente não conhecia fronteiras. Esse fato perturbava, mas também confundia, muitos – não só os bem comportados cidadãos e os políticos, mas também artistas e críticos, como enfatiza o documentário.
Beuys teria gostado
Andres Veiel tenta esclarecer uma das frases mais famosas do artista alemão: "todo ser humano é um artista". "Ele não queria dizer que 'todo ser humano é um escultor', ele falava de coparticipar." Ele exortava as pessoas a não delegarem a política "a uma casta que então vai ser reeleita a cada quatro anos.
Esse ponto é extremamente importante e atual para o diretor, sobretudo nos dias de hoje. "É, por assim dizer, uma reedição, a qual, justo agora, em 2017, chega num momento absolutamente adequado."
Após a apresentação em Berlim, o periódico inglês Screen Daily comentou: "O fascinante filme de Andres Veiel retira seus meios estilísticos da incansável criatividade de seu protagonista. Talvez a própria vida de Beuys tenha sido sua maior obra de arte: é isso o que faz do filme inteligente, sutilmente articulado um prazer tão grande."
Essa opinião provavelmente não será unânime. Em alguns espectadores, causará perplexidade a constatação de que Joseph Beuys encarava o mundo em torno de si com tamanho humor. Outros certamente se incomodarão como fato de Veiel não dar a palavra a nenhum crítico do artista.
Beuys, de Andres Veiel, é um documentário capaz de causar atrito e que convida à confrontação. O homem que morreu há 31 anos certamente teria gostado.
Documenta completa 60 anos
As intervenções da mostra marcam o espaço público de Kassel desde 1955, como é o caso dos 7 mil carvalhos plantados pelo artista Joseph Beuys em 1982. Relembre alguns momentos e obras impactantes das últimas 60 décadas.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Zucchi
Intervenção artística
Desde seus primórdios, em 1955, a Documenta aposta numa veia de provocação, com a finalidade de instigar o público. Em 2012, por exemplo, o artista francês Pierre Hughes deixou seu cachorro Human correr solto pelo parque de Kassel, como uma obra de arte viva. Ao que parece, uma cansativa tarefa a serviço da arte...
Foto: DW
Paisagismo
A área livre dos parques em torno da Documenta também é utilizada pelos artistas. Em 1977, o grupo Haus-Rucker-Co. criou uma moldura de aço especialmente para esta vista.
Foto: Imago
O retorno da abstração
A estrela da primeira edição da mostra foi o escultor britânico Henry Moore, pouco conhecido na Alemanha até então devido ao isolamento a que foi submetido na época do nazismo. Theodor Heuss (d), primeiro presidente da Alemanha Ocidental, admira esta figura abstrata feita de bronze.
Foto: Ullstein AKG
Pop Art
O ano de 1968 foi marcante para a história da Documenta: happenings selvagens, orgias de sangue do artista performático Nitsch, o ar empacotado de Christo e sobretudo a pop art americana chocaram a provinciana Kassel. Um dos ícones da pop art, Andy Warhol, esteve representado com suas famosas imagens em série, como "Marylin". Banalidades do cotidiano como arte: isso era algo novo para a Documenta.
Foto: picture alliance/AP Images
Hiperrealismo
A quinta edição da Documenta ficou conhecida pela inovação – até demais para 1972. A exposição foi considerada um escândalo: cara demais e incompreensível. A curadoria de Harald Szeemann sofreu severas críticas. Ela levou para Kassel esculturas hiperrealistas, como a que representa uma faxineira, de autoria de Duane Hatson.
Foto: picture-alliance/dpa/empics/L. Hurley
Um quilômetro vertical na Terra
O americano Walter de Maria já havia causado estranhamento em 1972. Na Documenta 6, em 1977, ele foi o autor de uma obra que causou furor: um buraco de um quilômetro de profundidade e 5 centímetros de diâmetro foi perfurado na terra e preenchido com barras de latão. Minimalista e com referências astronômicas, a obra era caracterizada pela ausência e não foi compreendida pela maioria.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Zucchi
Sete mil carvalhos
Joseph Beuys ficou conhecido por criar obras artísticas de teor político e, por meio delas, fomentar intensos debates sociais. Em 1982, na sétima edição da Documenta, ele plantou 7 mil carvalhos na cidade, colocando ao lado de cada árvore uma coluna de basalto. Polêmica no início, a obra se tornou uma parte marcante do espaço público de Kassel.
Foto: picture-alliance/akg-images/N. Stauss
Caminhada para o céu
Jonathan Borofsky empreendeu uma aventura artística na nona edição da Documenta: instalar uma escultura instável bem no meio da cidade, exposta ao vento e à chuva. A obra foi a intervenção mais popular de 1992, tendo sido considerada um dos símbolos da mostra. Ela permanece em Kassel graças a doações e patrocinadores que tornaram a aquisição possível.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Zucchi
Primeira curadora não-alemã
A curadoria de Catherine David já gerava debates em Kassel antes mesmo de começar a décima edição da Documenta, em 1997: francesa, ela era a primeira curadora não alemã da mostra, além de a primeira mulher. Ignorando as críticas, Catherine elaborou uma seleção de artistas que bateu o recorde de visitantes: mais de 630 mil. A internet era, pela primeira vez, uma plataforma de debates sobre arte.
Foto: picture alliance/akg-images/B. Meya
Instalação de arte: 1001 chineses
Numa obra um tanto incomum, Ai Weiwei espalhou mais de mil chineses por Kassel em 2007. Eles caminhavam pela cidade, como parte da instalação "Fairytale". Os dormitórios deles também eram parte da instalação artística e podiam ser admirados pelos visitantes da Documenta. Não foram poucos os que se perguntaram se isso era mesmo arte.
Foto: AP
Arte globalizada
A décima terceira e última edição da Documenta atingiu, em muitos aspectos, recordes mundiais. Quase 300 artistas vindos da América Latina, da África, da Ásia e do Leste Europeu foram convidados pela curadora Carolyn Christov-Bakariev. A globalização foi tema da instalação "Time/Bank", da dupla de artistas Julieta Aranda (México) e Anton Vidokle (Rússia).
Foto: Nils Klinger
O que fica da Documenta...
A cada cinco anos, Kassel é invadida pelos amantes da arte. Mais de 830 mil pessoas estiveram na última edição – o que, apesar de ser ótimo para a arte, nem sempre agrada os moradores. Apenas quando o número de espectadores se reduz é que os moradores têm um tempinho a mais para admirar as obras que, às vezes, acabam ficando por lá pra sempre. É o caso da "Idee di Pietra", de Giuseppe Penone.