Reunindo entrevistas atuais e material da época, "Eight Days a Week – The Touring Years" foca nos únicos quatro anos de shows dos Beatles, de 1962 a 1966. Direção é do premiado Ron Howard.
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Os Beatles são até hoje a banda mais bem sucedida e, provavelmente, mais famosa do mundo. A fama do quarteto inglês não se restringiu à época ativa da banda e foi crescendo de forma quase imensurável. A banda marcou a história da música rock e pop no século 20.
Muito se sabe sobre os quatro integrantes do grupo: Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr. Quase tudo já foi dito sobre a história do quarteto – ao menos é isso o que muita gente pensa. Mas o documentário autorizado Eight Days a Week – The Touring Years, que tem estreia mundial nesta quinta-feira (15/09), traz novos insights sobre o grupo de Liverpool. Ainda não há data para a estreia do filme nos cinemas brasileiros.
E não é que o diretor Ron Howard, vencedor do Oscar pela direção de Uma Mente Brilhante (2002), tenha reescrito a história dos Beatles ou até mesmo do rock. Provavelmente quase todos os detalhes da trajetória da banda, da forma como Howard conta no filme, já foram documentadas antes em algum lugar.
E também as fotografias e filmes antigos que foram escolhidos e compilados pelo diretor não são novos. O material é todo dos anos 70. As exceções são as entrevistas com os dois remanescentes dos Beatles, Paul MacCartney e Ringo Starr, conhecidos da época e fãs proeminentes da banda.
Efeito de longa duração
Mesmo assim, o Eight Days a Week é um filme cativante. Em parte, porque traz imagens raramente mostradas ou que nunca foram vistas – pelo menos não na telona dos cinemas ou nesse contexto. E principalmente porque ele aflora muitas lembranças.
O espectador ficará surpreendido sobre quão curta foi, de fato, a história da banda. Levados em conta os anos de apresentações públicas, foram apenas quatro. Tudo começou em meados de 1962 e terminou já em 1966 – com o lendário show em São Francisco, nos EUA. Foi a última apresentação da banda diante de um grande público.
Quatro anos de shows – um período impressionantemente curto e que contagiou tanta gente. E este é um dos milagres da banda abordados no Eight Days a Week.
Beatlemania: o nascimento da histeria
O documentário também mostra o entusiasmo dos fãs. A histeria do público entrou para a posterioridade com o nome de Beatlemania. Meninas gritando e desmaiando e um público adolescente completamente desinibido – tudo isso é mostrado no documentário, sugerindo que a histeria em massa não foi inventada na era digital. Pelo contrário.
Na época dos Beatles, o entusiasmo dos fãs tinha algo de imediatismo. E os empresários e descobridores da banda, Brian Epstein e George Martin, foram certamente geniais, engenhosos e inventivos para aqueles tempos. Mas ambos também não souberam bem como lidar com o repentino e enorme sucesso da banda.
Não fosse assim, os Beatles provavelmente teriam se apresentado por muito mais tempo, teriam possivelmente trabalhado juntos na década de 70 e não estariam esgotados tão cedo.
Hoje, as estrelas pop são construídas com cuidado e são acompanhadas por um exército de empresários e produtores no mundo da música. Antigamente, as coisas eram diferentes. E isso o filme mostra nitidamente: os quatro músicos estavam exauridos, a dupla de empresários estava sobrecarregada e as forças de segurança nos estádios e nas salas de concerto não conseguiam dar conta.
Os Beatles estavam à frente de seu tempo
Os Beatles estavam à frente de seu tempo – e esta é uma das afirmações de Eight Days a Week. Musicalmente e artisticamente. Mas com sua popularidade, os quatro músicos de Liverpool desmantelaram diversas estruturas da sociedade. E isso foi o que levou, no final das contas, ao fim da banda.
Nos anos de 1965 e 1966, McCartney, Lennon, Harrison e Starr estavam cada vez mais irritados com as circunstâncias em que tinham de tocar suas músicas. E, em algum ponto, eles perderam a vontade. Eles perderam a alegria no circo musical e se aposentaram dos palcos. Uma atitude – a partir da perspectiva atual de uma sociedade com tendências narcisistas – incrivelmente modesta e centrada.
1966: o ano em que os Beatles sacudiram a Alemanha
Até a turnê-relâmpago do grupo inglês pelo país, em junho de 1966, os alemães só tinham uma vaga ideia do que "Beatlemania" queria dizer. De Munique a Hamburgo, os músicos provocaram uma onda de histeria.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Três dias de estado de exceção
A carreira dos Beatles começou em 1962, no Star-Club de Hamburgo, local de rock em que várias bandas se lançaram. Pouco depois, os quatro jovens de Liverpool já eram superstars, desencadeando ataques de histeria onde quer que se apresentassem. Em 1966, eles retornaram à Alemanha para dar uma amostra de sua magia. Durante os três dias da turnê, a imprensa não falou de outra coisa.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Salve-se quem puder
O avião levando o grupo desembarcou em 23 de junho de 1966 no aeroporto Munique-Riem. A loucura se instaurou já na pista de aterrissagem: 200 policiais tentaram conter os fãs, mas os repórteres invadiram a escada de descida. Enquanto Paul sorria, o agente Brian Epstein gesticulava: "Calma, gente..." John abriu caminho com expressão estressada, e os demais Beatles se perderam na confusão.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Hotel sitiado
Os fãs aguardavam diante do Bayerischer Hof, onde os "Fab Four" se hospedariam. Munique jamais vira tantos "adolescentes de juba comprida e jaqueta de vagabundo" juntos. Os ídolos eram chamados em coro, enquanto no hotel era preciso regularizar as acomodações: por descuido haviam sido reservados quartos duplos, para desagrado dos músicos. O público foi à loucura quando eles apareceram na janela.
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Trajes típicos e perguntas bobas
Como relatou o jornal "Die Welt", "para seu deleite" os "quatro rapazes do coro" foram presenteados com "lederhosen" com botões de chifre de veado e camisas típicas bávaras. Uma coletiva de imprensa no hotel foi marcada por muitas perguntas bobas. Um repórter do "Bild" perguntou a Ringo se a calça de couro não era grande demais: "Pode ser. Então vou esperar até o bebê crescer dentro."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Fabulosos, mas nem tanto
Enquanto a juventude alemã entrava em êxtase naqueles dias de verão, os mais velhos expressavam sua desaprovação com epítetos como "bobalhões" e "macacos". E a imprensa estava atônita com o sucesso dos quatro. O "Münchener Merkur" se concentrou nos "defeitos": "O míope John Lennon, o canhoto Paul McCartney, o orelhudo George Harrison e o narigudo Ringo Starr."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Decibéis incompreendidos
Em 24 de junho os Beatles fizeram dois shows no Circus Krone de Munique, um à tarde e outro à noite. Durante as apresentações, era quase impossível escutá-los, sob a gritaria histérica do público. O "Süddeutsche Zeitung" desaprovou os decibéis: "Quando as guitarras começam com seu ritmo pesado, o barulho é tanto que, por razões médicas, seria melhor ficar bem longe."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Momentos de histeria
Pela primeira vez a Alemanha vivenciava até onde pode ir a histeria das fãs: uivos de prazer, êxtase até o limiar da dor, desmaios. O repórter do "Main-Echo" capturou alguns desses momentos: "18h56: Uma menina de 16 anos salta de seu lugar, desce correndo os degraus até o palco, cai no chão, aos berros. Os paramédico intervêm e levam a menina para fora."
Foto: Rockmuseum München, Foto: Rainer Schwanke/Archiv Herbert Hauke
Felicidade em Essen
Da capital bávara direto para Essen. Por que essa cidade relativamente pequena, na região industrial e carbonífera do Vale do Ruhr? Antes da viagem, Berlim negociara com os agentes do grupo. Mas nessa turnê-relâmpago os Beatles não queriam tocar em locais gigantescos, como a Waldbühne ou o Estádio Olímpico. Em vez disso, apresentaram-se para um público de 8 mil na arena Grugahalle de Essen.
Foto: picture-alliance/Bildarchiv/Hemann
De volta a Hamburgo
O "Hamburger Morgenpost" noticiou: "Por 25 minutos os jovens hamburgueses endoideceram no frenesi dos Beatles. As garotas se contorciam, gemendo e roucas de gritar, ao ritmo fustigante de seus ídolos. Foi a maior loucura já vista nesta casa de shows." O "Bild" foi mais conciso: "Eles gritavam. Eles choravam. Eles caíam." Os dois concertos no Ernst Merck Halle atraíram 5.700 beatlemaníacos.
Foto: picture-alliance/AP Photo/H. Ducklau
Corações partidos
O que era doce se acabou. No aeroporto de Hamburgo, os fãs se despediram dos Fab Four, que partiram para Tóquio, onde começaria sua turnê pela Ásia. O jornalista do "Die Sonne" de Baden-Baden respirou aliviado: "Sobrevivemos aos Beatles sem danos ao corpo ou à mente." Não exatamente: a turnê relâmpago na Alemanha deixou um saldo de nove cadeiras quebradas. E milhares de corações de fãs partidos.