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Inauguração

Simone de Mello15 de junho de 2007

Ao esboçar alguns referenciais modernos da arte contemporânea e a transformação das formas de um espaço cultural para o outro, a "documenta" 12 cria um labirinto infinito de analogias entre diferentes tempos e espaços.

Plantio de arroz tailandês em KasselFoto: picture-alliance/ dpa

A documenta 12 foi inaugurada em Kassel, mas o suspense não acabou. Para Roger Buergel, diretor artístico deste importante evento internacional de arte contemporânea, uma exposição que se dá por terminada está morta. A mostra ainda deverá se transformar ao longo de cem dias, desde a abertura para o público, 16 de junho, até o encerramento em 23 de setembro.

Um dos motivos de grande especulação até então tinha sido a lista de artistas participantes. Isso foi mantido em sigilo na medida do possível, embora já estivesse claro que esta não seria uma documenta de grandes nomes.

Após a divulgação da lista, Buergel afirmou não se sentir nem um pouco obrigado a justificar sua escolha perante a opinião pública, argumentando que seu interesse era fazer uma exposição para despertar e cultivar o "espírito estético". Se bem que este espírito estético, admitiu ele, evidentemente seja transmitido por indivíduos.

Arte para uns e para todos

Aliás, a documenta 12 revela a interdependência da experiência estética individual e da recepção coletiva de arte, abrindo espaço tanto para a fruição intimista como para a apreciação comunitária das obras expostas.

As peças que exigem uma atenção mais concentrada, seja pelo detalhamento ou sutileza da execução, estão expostas em gabinetes de diferentes cores, sob uma iluminação que insula as obras e permite maior foco na contemplação.

Este é o caso das miniaturas, dos desenhos, das pinturas e dos objetos expostos na Neue Galerie e no Schloss Wilhelmshöhe. O uso de cor como fundo da obra foi algo que exigiu uma certa negociação com os artistas, habituados às superfícies brancas como espaço de suas obras. Mas a direção artística conseguiu se impor com sua máxima "light cube em vez de white cube".

'The Zoo Story', instalação do austríaco Peter FriedlFoto: AP

Já as grandes instalações, os painéis e as esculturas agrupadas no Fridericianum, no Aue-Pavillon ou no documenta-Halle estão dispostos em grandes ágoras, assimilando as massas de visitantes ao seu raio de alcance. Nestes casos, a apreciação das obras necessariamente se torna uma experiência coletiva, gerando um vínculo maior entre os observadores.

Nem tudo se deixa globalizar

"Migração da forma" é um dos princípios centrais da concepção da documenta 12. Ao expor obras modernistas produzidas em algumas partes do mundo nas décadas de 60 e 70, a exposição remete a referenciais locais da arte produzida hoje.

A produtiva tensão entre o local e o global revelada pela exposição de Kassel faz o visitante atinar para o fato de que a globalização não necessariamente dilui especificidades regionais e históricas.

Enquanto há coisas que se deixam transportar de um lugar para o outro, há outras que só podem ser apreciadas in loco. Esta é uma "mensagem" que a documenta 12 transmite com clareza. Como representar a China numa exposição internacional de arte contemporânea, como transladar o contexto de produção das obras para um outro lugar?

Na performance Fairytale, o artista chinês Ai Weiwei resolveu convidar 1.001 chineses a Kassel durante a documenta, 200 de cada vez. A "representação" chinesa na mostra é reforçada com 1001 cadeiras de madeira da dinastia Qing (1644–1911), espalhadas pelos espaços de exposição para os visitantes descansarem.

Ferran AdriàFoto: AP

Já o cozinheiro catalão Ferran Adrià participa da documenta 12 sem nenhuma obra em Kassel. Seu restaurante elBulli, em Cala Montjoi, na Espanha, será território da documenta 12 até setembro.

Além de enviar convidados para lá, a documenta declarou que todas as pessoas a visitarem o renomado restaurante de vanguarda neste período estarão automaticamente visitando a exposição.

Terraced Rice Fields Art Project, Sakarin Krue-OnFoto: documenta GmbH / Sakarin Krue-On

Quanto ao arrozal que o tailandês Sakarin Krue-On tenta plantar nos terraços da Willemshöhe de Kassel, o primeiro jamais cultivado a céu aberto na Alemanha, a transplantação é um experimento que pode perfeitamente dar errado. E os obstáculos locais não são apenas de ordem meteorológica. O plantio foi atrasado pela descoberta de possíveis bombas não detonadas da Segunda Guerra.

Leia mais sobre a inauguração da documenta 12. >>>

Espírito estético a ser despertado

Tanto as cadeiras de Weiwei como as salas do elBulli são esboços de rituais comunitários. No Aue-Pavillon, as cadeiras chinesas estão em parte dispostas em círculo, remetendo a uma imagem que Buergel costuma citar como emblema de aprendizado coletivo: estudantes de uma universidade indiana sentados em círculo no gramado, debaixo de uma árvore.

A educação e formação do público de arte contemporânea é uma das prioridades da documenta 12. Para tal, é amplo o programa de visitas guiadas e das chamadas lunch lectures durante os cem dias de exposição. Mas isso não é tudo.

A formação do "espírito estético" não se faz tanto pela transmissão intencional de saber, mas sobretudo através das descobertas individuais que a exposição permite. Quem percorre a mostra não tarda a perceber o paralelismo estabelecido entre obras contíguas, seja pela recorrência de um motivo ou pelo contraste de abordagens do mesmo objeto, seja pela concomitância histórica ou pela coincidência formal.

Ao justificar este procedimento, Roger Buergel se remete à sua socialização artística em Berlim Ocidental, sobretudo às suas visitas ao Museu Dahlem, quando este ainda abrigava sob o mesmo teto coleções de arte das mais diversas culturas. Ao viajar o mundo para preparar a documenta 12, ele diz ter tido uma sensação semelhante de abrir os olhos para paralelos até então ignorados.

Ao contrário da documenta X, dirigida por Catherine David, cuja proposta era traçar linhas de continuidade histórica ou rupturas relevantes para a arte contemporânea na virada de século, esta edição da mostra de Kassel não pretende apontar influências, mas sim analogias entre produtos de diferentes lugares e épocas.

O que liga as obras confrontadas não é necessariamente um vínculo histórico, mas a demonstração de constantes formais pode levar o observador a indagar e querer investigar o contexto específico em que a obra surgiu.

Na pior das hipóteses, a sedutora rede de analogias da exposição de Roger Buergel e da curadora Ruth Noack pode se reduzir a um efeito "eureca!", levando o observador a se satisfazer com o reconhecimento de uma obra na outra e a considerar isso relevante o suficiente para encerrar sua investigação.

Encenação para confrontar com o inapreensível

Seja como for, a documenta 12 é uma sutil encenação que pode levar o observador inquieto a questionar o pioneirismo de muitos fenômenos da era digital. Embora inclua um número reduzido de obras de arte em mídia digital, a exposição mostra procedimentos fundamentais da produção artística contemporânea em associação com miniaturas indianas do século 14 ou pinturas européias medievais, por exemplo.

O referencial das vanguardas das décadas de 60 e 70 é importante para mostrar que muitas das inquietações da arte permaneceram, passando a ser tratadas com outros recursos e possibidades tecnológicas. Para demonstrar tudo isso através de um cosmo de relações internas, a documenta 12 apela para um nítido gesto de encenação.

"Este ambiente" – escreve Buergel na primeira revista da documenta 12 (Modernity?), referindo-se à primeira edição da mostra, de 1955 – "equipara as relações entre arquitetura, arte e público, provocando assim aquela colaboração sensorial que faz o visitante se abrir e o conecta com uma realidade inapreensível. Uma realidade que não tem fronteiras nem referenciais fixos, sem começo e sem fim; uma realidade na qual se testa – para dizer de forma simplificada – a relação entre sujeito e objeto".

Arnold Bode conversa com presidente Theodor Heuss diante de um quadro de Picasso, 1955Foto: dpa

O que Buergel reconheceu de encenação na documenta 1, lançada por Arnold Bode para formar o público de arte alemão do pós-guerra e divulgar as vanguardas ofuscadas pela perseguição e censura do nazismo, ele repete de forma bem mais nítida nesta 12ª edição da mostra.

A grande diferença é que Bode tinha um cânon das vanguardas modernas a ser resgatado em 1955, enquanto hoje é praticamente impossível definir e sintetizar o que "está na ordem do dia" ou o que contribuiu para que isso e aquilo se mantivessem indagações contemporâneas.

A encenação, no entanto, não é feita para gerar ilusões além das obras de arte. A documenta 12 é criação de um ilusionista que pretende não apenas sensibilizar o observador, mas também remetê-lo às técnicas de simulação da arte e do modo de expô-la. Tudo isso, para tornar audível a música de fundo que permeia qualquer exposição de arte.

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