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'documenta'

Soraia Vilela23 de setembro de 2007

Mostra de 100 dias em Kassel chega ao fim, contabilizando número recorde de visitantes e avalanche de ataques da mídia. Diretor artístico reage de forma exagerada e afirma estar feliz por incomodar.

Noack e Buergel: menos sorrisos que há 100 dias atrásFoto: picture-alliance/dpa

Os jornais alemães (nacionais e regionais), as revistas especializadas e os correspondentes dos periódicos estrangeiros enviados a Kassel foram quase unânimes ao destruir a 12ª documenta como uma mostra "sem conceito", que mistura alhos com bugalhos e mais parece "uma Oktoberfest sem cerveja".

Caráter de feira

Em meio à série de polêmicas, houve até quem questionasse o modelo documenta, afirmando que o mercado hoje fala mais alto e que as enormes feiras de arte são até mais significativas.

"Quando se abdica de critérios, que é o que a documenta fez, então se pode pensar nas feiras realmente como uma plataforma mais adequada para a arte do que as mostras de grande porte, que acabam sendo mais importantes para o marketing e o turismo das cidades onde acontecem do que para a própria arte", alfineta em entrevista ao diário Kölnische Rundschau Klaus Honnef, que participou da curadoria de duas documentas (1972 e 1977).

O veredicto de que até as feiras são mais consistentes que sua documenta é uma ironia do destino para o diretor artístico Roger M. Buergel, cujo discurso pregava exatamente a distância do mercado e o "não" aos nomes conhecidos do establishment. Porém, a estratégia de expor obras de artistas "que ninguém conhece" foi, ao contrário, interpretada por parte da crítica como truque publicitário para causar sensacionalismo.

Teste para macacos e papagaios

'And...,' da indiana Sheela GowdaFoto: picture-alliance/dpa

A falta de consistência da mostra foi vista pela mídia no "excesso de encenação" (taz) e nas "comparações formalistas, que podem até talvez testar a inteligência de macacos ou papagaios, mas são fatais como critérios de processos criativos" (Süddeutsche Zeitung). Nos questionamentos às associações formais consideradas forçadas, a "migração da forma" como fio temático é entendida como mero rótulo adotado para esconder a falta de coerência.

"Eles [Roger M. Buergel e Ruth Noack] acreditam estar, com isso e com outros paralelos anacrônicos e traçados às pressas, contribuindo para uma compreensão mais profunda da arte. Na verdade, misturam não apenas épocas e situações que carecem de uma separação acurada, mas também negam todos os pressupostos técnicos de cada objeto e, o que é imperdoável, toda forma de individualidade", critica o jornal de Munique.

Indiferença e opressão

Entre os adjetivos que desqualificaram a mostra de Buergel estão "catastrófica" (New York Times) e "presa a uma atmosfera de indiferença e opressão" (Frankfurter Rundschau) – observação pertinente ao Aue-Pavillon, estufa (semelhante às das feiras) onde se amontoaram obras de arte para desespero do visitante e desrespeito aos artistas que só tiveram suas obras ali expostas.

O dedo em riste em direção à curadoria veio ainda no registro incessante das papoulas que não floresceram como esperado na obra da artista Sanja Ivekovic, do arrozal que não cresceu do tailandês Sakarin Krue-On, da escultura Template do chinês Ai Weiwei, que desmoronou em dia de mau tempo. Foram as "pequenas catástrofes naturais" oferecidas de bandeja para a mídia ferina, observa o próprio Buergel em entrevista ao Hannoversche Allgemeine Zeitung.

Papoulas exuberantes: momento raroFoto: picture-alliance/dpa

Perda da inocência

'Deep Play', de Harun FarockiFoto: Harun Farocki / Greene Naftali

Na memória acerca desta documenta 12, talvez reste, contudo, bem menos lembranças dos onipresentes Juan Davila, John McCracken e Cosima von Bonin que do trabalho sensível de Nasreen Mohamedi – "uma das grandes descobertas desta documenta" (Berliner Zeitung) – e do contundente El Dorado pós-comunista dos jovens migrantes da obra de Danica Dakic – "um rap da esperança no meio do desespero" (Der Tagesspiegel) – encenado à frente dos papéis de parede "idílicos" do século 19.

E certamente o Deep Play de Harun Farocki, videoinstalação em vários canais, que sacode o visitante ao expor o jogo midiático ao qual ele está exposto, numa reflexão ácida sobre as matrizes às quais nossa percepção está condicionada. Não apenas um tratado sobre a encenação do futebol, mas a prova definitiva de que "o olhar perdeu definitivamente sua inocência à frente da tela, mesmo quando o observador nem ao menos percebe [ao que está sendo submetido]" (Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung).

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Referências são as outras

Com a apresentação de um catálogo que não abriu qualquer espaço para a reflexão, a opção por um excesso de fotografias dos quatro cantos do mundo entre as obras expostas (sem que se compreenda o porquê da predileção por tal mídia) e a ambição de levar o visitante a redescobrir a história da arte, a mostra em Kassel talvez só prime pelo último esforço. "O fato de que os teóricos da documenta 12 conseguiram a façanha de, com poucas palavras, não dizerem absolutamente nada, parece não ter incomodado ninguém", dispara o Süddeutsche Zeitung.

A história da mostra ensina, há de se lembrar, que foram poucas as documentas que acabaram escrevendo história, como a lendária mostra de 1972, sob a curadoria de Harald Szeemann, e a consistente documenta 10, de Catherine David, que deixou como catálogo uma obra teórica de referência da segunda metade do século 20.

Concurso de arrotos

Buergel: na mira da mídiaFoto: picture-alliance/dpa

Em texto publicado pelo semanário Der Spiegel, o próprio Buergel tomou a palavra para se defender dos "especialistas", que supostamente atacaram a documenta por terem simplesmente "tomado a decisão de odiá-la". Num ato quase desesperado de autodefesa, o diretor artístico ainda chamou, em entrevista ao Hannoversche Allgemeine Zeitung, os ataques da crítica de "concurso de arrotos".

No entanto, há de se perguntar por que haveria na mídia alemã e estrangeira tantos críticos "movidos por reflexos como coelhos", como sugere Buergel. Segundo ele, o fato de a documenta ter arriscado formalmente a ser o que não se esperava dela pode ter "soterrado a hegemonia do contexto local", pondo em xeque a relevância de uma ordem que nem todos querem questionar. Neste sentido, ela teria sido um sucesso em fracassar.

"Estou certo de que somente ficam [na memória] as coisas que causam uma indignação profunda, que vão até o âmago. Esta é a minha religião de vanguarda", proclama Buergel ao jornal de Hannover.

Cantos estranhos

O fato, por exemplo, de a obra de Gerhard Richter ter ficado "quase escondida" – desprezo pelo cânon? – talvez irrite realmente o visitante habituado a encontrar sempre o que procura e não a procurar o que não conhece. Em seu desabafo irado no Der Spiegel, Buergel cita, neste contexto, a crítica do jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung ao excesso de nomes "que não dizem nada", numa referência a artistas cujas origens são "cantos estranhos" do planeta.

Estes cantos estranhos do mundo, lembra o diretor artístico, são o Brasil, o México, a África do Sul, a Índia e a China. Países que exercem um papel cada vez mais importante na economia mundial, alerta. Nisso, ele com certeza tem razão. O problema é que a documenta 12 não tropeçou necessariamente no quem, mas, acima de tudo, no como e no porquê.

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