Parte ateniense da maior mostra mundial da arte contemporânea chega ao fim. No início, nem taxistas sabiam onde ela acontecia, mas aos poucos gregos se entregaram à arte. Em Kassel, exposição vai até meados de setembro.
Anúncio
"É uma pena que em breve isso não vai mais existir", disse uma senhora idosa com uma imponente trança de cabelos brancos. Ela estava falando da comida gratuita servida numa tenda colorida de um pavilhão na praça da prefeitura de Atenas. O que ela talvez não soubesse é que se tratava de um projeto artístico do paquistanês Rasheed Araeen. E talvez ela também não se importasse. Assim como muitos outros necessitados, ali, ela possui cadeira cativa.
"Como interessada imparcial da Documenta, é preciso ter coragem para sentar-se à mesa e 'tirar' a comida daqueles que dela mais precisam", formulou uma visitante alemã o seu desconforto com a obra.
Mas, agora, depois de cem dias, chega ao fim neste domingo (16/07) na capital grega a parte ateniense da maior mostra mundial de arte contemporânea que acontece a cada cinco anos em Kassel. Pela primeira vez, a Documenta se dividiu em duas locações. Na cidade alemã, ela poderá ser visitada até 17 de setembro.
"Aprendendo de Atenas"
"Aprendendo de Atenas" foi como se chamou o tão comentado e questionado lema da 14ª edição da Documenta. E agora, mesmo no final da mostra, parece que ninguém consegue explicar do que isso realmente se trata. Para Marina Fokidis, assessora de curadoria da mostra dupla, "muitos teriam levado essa frase ao pé da letra". Segundo ela, ninguém tinha em mente uma ideia de "lição".
Documenta na Grécia: contemporâneo x clássico
06:50
Como ateniense, para ela, o importante foi aprender mutuamente em ambas as equipes organizacionais – a extenuante luta pela arte e por artistas. Um processo que já havia começado, de qualquer forma, em 2014, quando o diretor artístico da Documenta 14, Adam Szymczyk, expôs as suas ideias em primeiras conversas com artistas e instituições em Atenas.
Fokidis afirmou não concordar com a crítica de que a Documenta teria "exoticizado" Atenas. "Uma 'poornografia' [em alusão a 'poor', pobre em inglês] era justamente o que não queríamos; não queríamos fazer uma exposição nem dedicada à crise nem às relações grego-alemãs", disse ela quase indignada. Mas a mostra não conseguiu se livrar nem de uma coisa nem da outra, mas por que deveria?
Arte e locação se mesclam em Atenas
Uma antiga fábrica, no sudoeste de Atenas, onde nazistas executaram 75 combatentes da resistência grega se tornou palco para uma performance e um projeto de filme com escolares do bairro. A mostra em Atenas teve uma ligação direta com o lugar, com a situação histórica e atual. Resta então a pergunta, o que fica da Documenta?
Para o coreógrafo Kostas Tsioukas, é claro que ela vai continuar. Durante três meses, ele dançou diante das colunas do Museu Arqueológico no porto ateniense de Pireu, aconchegando-se em esculturas, meditando sobre o mármore. Seu projeto conjunto de dançarinos e artistas performáticos foi tão bem-recebido que o museu pretende continuar a colaboração.
"Documenta deixa um grande vácuo"
Para Atenas, trata-se de uma novidade, pois a Antiguidade ainda é considerada o verdadeiro bem cultural, enquanto a arte contemporânea continua deixada de lado. E essa situação não deverá mudar tão rapidamente, explicou Eleni Kountouri, diretora de NEON, a terceira grande fundação privada de apoio à arte contemporânea na Grécia, além das fundações Onassis e Niarchos.
"A Documenta deixa um grande vácuo", afirmou Kountouri. A diretora explicou que agora existe um 'hype' em torno de Atenas, também impulsionado pela Documenta, e que ela está recebendo atualmente muitas solicitações de contatos de galerias e artistas gregos e das muitas iniciativas jovens locais.
No entanto, ela disse não acreditar que esse 'hype' vá ter um impacto sobre a formação de artistas ou financiamento da arte. "O Ministério da Cultura grego não tem dinheiro e, em matéria de arte contemporânea, é simplesmente ignorante", lamentou a diretora da fundação NEON.
A Documenta 14 e o nosso tempo
As obras expostas na maior mostra mundial da arte contemporânea, realizada a cada cinco anos em Kassel, são inspiradoras e falam da atualidade. Veja aqui algumas delas.
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Outras mídias na Documenta 14
No "Partenon de Livros", obra de Marta Minujín na maior mostra mundial da arte contemporânea que acontece em Kassel, na Alemanha, artista argentina reveste maquete em tamanho natural do templo grego com milhares de publicações proibidas no presente ou no passado. Minujín se apropria de monumentos para replicá-los e trazê-los de volta à esfera pública, redescobrindo o valor de tesouros coletivos.
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Oníricos e amorfos
Na fronteira entre a abstração e o figurativo, entre sonho e realidade, os corpos alienígenas, fantasmagóricos e hermafroditas, pintados pela artista suíça Miriam Cahn, mostram novas formas de representação que permitem ampliar o entendimento dos conflitos, catástrofes, tragédias e medos em nossa volta, sugerem os curadores da Documenta.
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Visualizando histórias
Em "Historja", um bordado de 39 cm x 23,5 m, a artista sueca da etnia sami Britta Marakatt-Labbas relata o cotidiano dos habitantes da Lapônia de forma original, tornando visíveis histórias épicas desse povo autóctone do norte da Escandinávia, pouco consideradas nos cânones oficiais.
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Memórias vivas
A Documenta 2017 mostra que uma história pode ser contada de várias forma. Como nesta instalação com objetos, roupas, troféus, discos e material de arquivo que Igo Diarra e o centro cultural e mediateca La Médina dedicam ao músico malinês Ali Farka Touré (1939-2006). Um concerto dos músicos originais de sua banda também faz parte desse memorial.
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Da Amazônia ao Polo Norte
Hans Ragnar Mathisen, artista norueguês da etnia sami também conhecido como Keviselie, diz que, ao reclamar para si territórios indígenas, colonizadores aproveitaram a oportunidade para nomeá-los. Em seus mapas, o artista lapão substituiu esses nomes pelos em sami, aproveitando a oportunidade para abolir fronteiras.
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Ontem e hoje
Ilustrando a instrumentalização imperialista da linguagem visual, o francês Michel Auder mostra, numa videoinstalação sem som, imagens que não param de gritar: a guerra na TV, tuítes sobre genocídio, fotos pornô. O título "The Course of Empire" ("O curso do Império") remonta a ciclo homônimo de pinturas do americano Thomas Cole (1801-1848) – do "Estado primitivo" à "Destruição" e "Abandono".
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Arte e violência
Violência e crime como formas de transgressão e expressão artística? Esse é um tema que vai, nos próximos tempos, ocupar discussões em pódios e revistas especializadas sobre arte, mas já antecipado pela Documenta 2017 em trabalhos como a projeção dupla "Commensal", de Véréna Paravel e Lucien Castaing-Taylor, sobre o japonês, canibal e autor de vários livros, Issei Sagawa.
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Denúncia artística
Violência como forma de denúncia artística também se pode ver na instalação "El Objetivo", da guatemalteca Regina José Galindo. Aqui visitantes fazem uso de uma réplica da metralhadora G36, de fabricação alemã. Além de denunciar a violência com armas alemãs em seu país, na obra, Galindo também expõe passividade do público, que pode mirar na artista posicionada no centro de uma sala de exposição.
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Ponto de vista pessoal
A ressonância poética das obras da Documenta 14 está ligada também ao lugar onde estão expostas. Numa antiga loja de Kassel, a artista libanesa Mounira al Sohl revisita de forma pessoal o período da guerra civil em seu país, por meio da descrição da "Nassib's Bakery": a padaria como um meio de sobrevivência durante o conflito, até sua destruição por um bombardeio.
Foto: DW/Carlos Albuquerque
Uma mostra em transição
Pela primeira vez, a Documenta transcorre em duas locações, Atenas e Kassel, onde pode ser vista até 17 de setembro. Em seu trabalho "I Strongly Believe in Our Right to Be Frivolous" ("Acredito fortemente no nosso direito de sermos frívolos"), Mounira Al Sohl retratou, em Atenas e Kassel, migrantes do Oriente Médio e do Norte da África em sua transição do estado de refugiados para cidadãos.