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Documenta 14: desaprender para reaprender

Sabine Oelze ca

Megaevento de arte contemporânea está pela primeira vez em Atenas, na Grécia, com obras de mais de 160 artistas. Diretor artístico fala em voltar a valorizar o conteúdo.

Athen Documenta - Daniel Knorr: Künstlerbuch, Installation im Innenhof des Konservatoriums
Instalação de Daniel Knorr: lixo para investigar o cotidiano de AtenasFoto: DW/S. Oelze

"Aprendendo de Atenas" é o lema da Documenta 2017

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A Documenta parece não precisar de divulgação. Apenas uns poucos cartazes anunciam que a 14ª edição da mais importante exposição mundial de arte contemporânea está desde sábado passado (08/04), pela primeira vez, em Atenas. Muitos moradores da capital grega nem mesmo ficaram sabendo do evento. Em vez de se apresentar como um espetáculo mundial da arte ou se deixar instrumentalizar pelo marketing da cidade, a Documenta 14 prefere ser descoberta.

Para o diretor artístico Adam Szymczyk, o lema que ele conferiu à mostra – "Aprender de Atenas" – implica voltar a valorizar o conteúdo na arte em vez de servir ao mercado. Szymczyk afirma ter se inspirado nas ideias do músico vanguardista britânico Cornelius Cardew: "Desaprender é a chave do aprendizado". Ao ser indagado sobre o que significa aprender de Atenas, ele respondeu: "Deixar o pré-concebido e entrar num estado de desconhecimento."

Adam Szymczyk defende o estado de desconhecimentoFoto: picture-alliance/dpa/U. Zucchi

A primeira coisa a aprender, porém, é onde ficam os mais de 40 locais de exposição. Eles se encontram entre o porto de Pireu e a Acrópolis, levando o visitante também a bairros afastados, como Pistaza, onde turistas normalmente não iriam. As quatro locações principais são o Conservatório, a Escola de Arte, o Museu Benaki e o Museu Nacional de Arte Contemporânea (EMST).

História e cotidiano de Atenas

Quem ouve os curadores da mostra tem a impressão de que o que eles querem é nada mais, nada menos do que salvar o mundo. Mas isso não significa ilustrar a crise com imagens. Logo na entrada do EMST, o recém-inaugurado Museu de Arte Contemporânea, vê-se um amontoado de azeitonas feito pela artista argentina Marta Minujín, que sugere: pagar as dívidas com a Alemanha com azeitonas e arte.

Artistas como Daniel Knorr se ocupam do cotidiano ou do que sobrou dele na capital grega. Knorr nasceu em Bucareste e vive em Berlim. Ele passou dias recolhendo lixo com um carrinho de mão por Atenas. No Conservatório, um exemplo clássico de planejamento urbano mal-sucedido, ele empilhou tudo o que recolheu, criando um monte colorido: brinquedos quebrados, bichinhos de pelúcia, lixo eletrônico, notas de dinheiro.

Argentina Marta Minujín sugere que a dívida grega seja paga com azeitonasFoto: DW/S. Oelze

Maria Eichhorn se ocupa da história da região em torno da Praça Amerikis. Ela se apropriou de uma casa operária, construída em 1928, a fim de disponibilizá-la para fins sociais. Ao longo da crise financeira, o local trocou várias vezes de proprietário, até que ninguém mais se sentisse responsável por ele. Agora, a construção faz parte do universo da Documenta e deverá escapar da destruição.

Cada local de exposição revela informações sobre o passado e o presente da cidade. A Ágora, a Acropólis, o Museu da Resistência Antiditatorial e Democrática (onde se pode assistir a um filme do grupo sírio Abounaddara), museus arqueológicos, fábricas desativadas ou o porto de Pireu: todas essas locações confrontam o visitante com a história de Atenas.

Colonialismo e capitalismo

Algumas das obras dos 160 artistas giram em torno dos impactos da migração, do colonialismo e da globalização. As pinturas do albanês Edi Hila, que mostram o interior de edifícios públicos em Tirana, irradiam uma inacessível frieza. Considerado um cronista de seu país, o trabalho do artista foi proibido durante a ditadura de Enver Hoxha.

Outras obras tentam ajudar a compreender inter-relações, por exemplo, o desaparecimento de identidades nacionais ou a dissolução de peculiaridades culturais. O Sami Artist Group, um coletivo de artistas escandinavos da região da Lapônia, estuda a vida do povo nativo dos sámi, ou lapões, uma minoria que há mais de 5 mil anos vive naquela região ártica, conservando língua e cultura próprias.

"Trípoli cancelado", de Naeem MohaiemenFoto: Mathias Völzke

The Last Silent Movie (O último filme mudo, em tradução livre) é uma impressionante película sem imagens de Susanne Hiller. A tela permanece escura enquanto se ouvem os últimos falantes de línguas ameaçadas de extinção. Ao longo de 20 minutos podem-se ouvir as vozes coletadas por Hiller em arquivos do mundo todo. No momento da gravação, nenhum desses falantes estava ciente de que sua língua poderia desaparecer um dia. Como um memorial de advertência, essas vozes ecoam durante um longo tempo na lembrança.

Compreender o contexto

O trabalho de Allan Sekula também faz parte da arte que tenta ajudar a compreender inter-relações. School is a factory (Escola é uma fábrica) é como se chama sua série de quadros do fim da década de 1970. Essa obra investiga como a educação e a formação profissional estão subordinadas à exploração capitalista. Citando a crítica do educador americano Ellwood Cubberly às escolas públicas de seu país em 1916, Sekula afirma: "Nossas escolas transformam alunos em produtos".

O visitante, porém, tem de se esforçar para reunir todas essas informações. As pequenas placas informativas não bastam para explicar o contexto das obras. Informações sobre a biografia do artista foram deixadas de fora deliberadamente: a rejeição tanto de categorias quanto de nacionalidades faz parte do conceito. Só que a Documenta cai na própria cilada. O cineasta Bouchra Khalili, nascido em 1975 em Casablanca, expõe esse dilema à perfeição em seu filme The Tempest Society (A sociedade tempestuosa, em tradução livre): a película dá voz a migrantes residentes em Atenas que não vislumbram nenhuma perspectiva de vida na Grécia justamente devido à sua nacionalidade. O seu precário status de residência não permite que eles iniciem uma formação profissional ou que se estabeleçam no longo prazo.

Quadro "Potenciais monumentos de futuros não realizados", de Eli HilaFoto: DW/S. Oelze

Falar dormindo

Principalmente os documentários e filmes de ficção conseguem ilustrar bem o que está sendo abordado nesta Documenta – e isso sem serem professorais: para Tripoli Cancelled (Trípoli cancelado, em tradução livre), Naeem Mohaiemen escolheu como cenário o aeroporto abandonado de Ellnikon. O protagonista isolado da civilização encara o vazio fantasmagórico do local com monólogos, dança e canto. Uma vez, o pai de Mohaiemen ficou retido em Ellikon por ter perdido seu passaporte e não poder mais viajar para Trípoli. Hoje o aeroporto, que ganhou as manchetes por migrantes terem sido alojados nele sob as piores condições, está à venda.

Interessantes também são os Somniloquies, ou seja, o fenômeno de falar durante o sono. Um vídeo mostra as criações verbais do compositor Dian McGregor (1922-1994) por meio de imagens trêmulas na tela. O companheiro de casa de McGregor gravou o que o artista falava de noite em seu sonhos: de maneira extraordinariamente clara, ele fala do medo de não ser o filho biológico de seus pais, mas também sobre batalhas com mostarda e um anão chinês.

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