Dodge pede que STF suspenda novos pedidos de anulação
31 de agosto de 2019
Após anulação de sentença de Moro, outros condenados apresentaram pedidos com base em novo entendimento que beneficiou ex-presidente da Petrobras. PGR quer que tema seja debatido no plenário da Corte.
Anúncio
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que suspenda novos pedidos de anulação de condenações da Operação Lava Jato que utilizem a mesma tese que favoreceuo ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Ao apresentar o pedido, ela disse que os ministros só devem passar a aplicar o novo entendimento para outros condenados após o plenário da Corte julgar o tema.
Na última quarta-feira, Bendine, que havia sido condenado a 11 anos de prisão em 2018 pelo então juiz Sergio Moro, teve sua sentença anulada por decisão da Segunda Turma do STF, com base em um aspecto técnico.
Por maioria, a Segunda Turma entendeu que Bendine, que foi alvo de delações, tinha o direito de apresentar suas alegações finais no processo após os réus delatores. Moro havia negado um pedido da defesa de Bendine nesse sentido em 2018 e ordenou que todas as alegações finais fossem entregues no mesmo prazo.
Foi a primeira vez que uma sentença de Moro no âmbito da Lava Jato foi anulada pelo STF. O novo entendimento dos ministros levantou o temor entre os procuradores da força-tarefa que outros casos possam ser anulados.
O pedido de Dodge ocorre após a apresentação de um pedido de habeas corpus da defesa de Gerson Almada, ex-executivo da Engevix, que usa a mesma tese que favoreceu Bendine. Dodge argumentou que o pedido não deve ser atendido. Sua tese é que a defesa de Almada não havia solicitado uma mudanca de ordem na apresentação das alegações finais quando o caso ainda estava na primeira instância, tal como Bendine fez.
A chefe da PGR ainda disse que o novo entendimento pode afetar milhares de condenações penais, e não apenas sentenças no âmbito da Lava Jato. "Até mesmo condenações transitadas em julgado podem, em tese, ser impactadas pela via da revisão criminal”, disse Dodge.
A procuradora-geral ainda disse que, pelo "bem da segurança e estabilidade jurídicas”, os ministros não devem conceder nenhuma outra anulação com base no novo entendimento até que o plenário do STF, formado por 11 ministros, avalie a questão. Na Segunda Turma, o tema só foi discutido por quatro ministros.
Na quarta-feira, o ministro Edson Fachin, que foi voto vencido na Segunda Turma, decidiu remeter ao plenário um pedido do ex-gerente de Empreendimentos da Petrobras Márcio de Almeida Ferreira, que também usou a mesma tese da defesa de Bendine, abrindo caminho para que o assunto seja discutido pelos 11 ministros.
Além de Ferreira e Almada, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a nova tese para apresentar pedidos de anulação de duas sentenças do ex-petista - a do caso do tríplex e do sítio em Atibaia. Fachin, que é relator da Lava Jato no STF, ainda nao avaliou os pedidos. Ele tem a opção de decidir sozinho ou remeter à Segunda Turma ou ainda ao plenário.
Mas o ministro já determinou que outra ação penal de Lula, que envolve um terreno que Lula supostamente receberia da Odebrecht para a construção do seu instituto, volte para a etapa das alegações finais. O caso já estava pronto para ser julgado.
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.