Em evento na igreja Frauenkirche, presidente Joachim Gauck alerta contra relativização da culpa alemã pela Segunda Guerra e instrumentalização das vítimas do bombardeio: "Nós sabemos quem começou essa guerra assassina".
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A cerimônia em recordação do bombardeio que destruiu Dresden há 70 anos transcorreu sob o signo da paz e da reconciliação nesta sexta-feira (13/02). Ela reuniu na igreja Frauenkirche cerca de 1.400 convidados, entre os quais tanto políticos e personalidades estrangeiras, quanto contemporâneos e sobreviventes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Manifestações populares, como uma corrente humana, também marcaram a data.
Em discurso, o presidente da Alemanha, Joachim Gauck lembrou que o ataque aéreo dos Aliados representa não só uma cesura profunda para a cidade no Leste Alemão, como também um ponto de referência para uma discussão sobre autoimagem e identidade alemãs.
O número de mortos nos bombardeios é estimado em 25 mil. Gauck sublinhou a necessidade de que, ao se homenagear as vítimas alemãs, tampouco se esqueçam as vítimas do conflito provocado pela Alemanha.
"Nós sabemos quem começou essa guerra assassina", observou, portanto é necessário evitar tanto a relativização da culpa alemã, quanto a instrumentalização das vítimas. Afinal, a memória pode ser uma força produtiva para uma sociedade, e é importante procurar "no passado a orientação para o futuro", conclamou o chefe de Estado.
Bombardeios desmoralizadores
Até a poucos meses do fim da Segunda Guerra, a "Florença do Elba", famosa por suas joias arquitetônicas e tesouros culturais, permanecera basicamente poupada pelo conflito, até por ser irrelevante estratégica e economicamente. Ainda assim, os Aliados decidiram destruí-la, numa manobra para desmoralizar a população civil.
Os ataques começaram na noite de 13 de fevereiro de 1945: 245 bombardeiros pesados britânicos lançaram 3 mil bombas explosivas de alta capacidade e 650 mil bombas incendiárias. Em 23 minutos, Dresden se transformara num mar de chamas. Os bombardeios prosseguiram pelos dois dias seguintes.
Um dos bens culturais destroçados na ocasião foi a Frauenkirche (Igreja de Nossa Senhora), onde se realizou a cerimônia memorial desta sexta-feira. Sua restauração e reinauguração, em outubro de 2005, tiveram grande significado simbólico para a memória da capital do estado da Saxônia.
Contra o retorno da ideologia de extrema direita
Há anos, neonazistas tentam desvirtuar a celebração do 13 de fevereiro para seus fins ideológicos, com passeatas e outros eventos. Milhares de habitantes de Dresden, por sua vez, respondem, também neste ano, com a realização de correntes humanas no centro da cidade.
Gauck comentou que em nenhum outro lugar o sofrimento foi tão instrumentalizado politicamente como em Dresden. A deturpação da história já começou durante o domínio nazista, prolongou-se pelo regime comunista da República Democrática Alemã (RDA) e "é mantida até hoje por alguns incorrigíveis", enumerou.
Também a prefeita de Dresden, Helma Orosz, apelou aos presentes por um comprometimento decidido contra o ódio, a guerra e a violência. Celebração e reconciliação só têm valor "se também tomarmos uma posição clara para o aqui e agora". As tentativas de "novamente categorizar e avaliar" seres humanos por sua origem, religião ou cor da pele devem ser rechaçadas, instou.
Em 2015, os radicais de direita resolveram renunciar a uma manifestação de grande porte na data comemorativa. Nos últimos meses, Dresden tem ocupado as manchetes internacionais como berço e principal palco dos protestos do grupo Pegida (sigla em alemão para "Europeus patriotas contra a islamização do Ocidente"), de caráter xenófobo e islamófobo.
Dresden em ruínas
Na reta final da Segunda Guerra, em três dias de bombardeio a partir de 13 de fevereiro de 1945, cerca de 25 mil pessoas morreram, e uma das mais belas cidades da Alemanha ficou irreconhecível.
Foto: Getty Images/Matthias Rietschel
Bombardeada, destruída e pilhada
Em 13 de fevereiro de 1945, bombardeiros Avro Lancaster deixaram a Inglaterra em direção a Dresden. Às 21h39, as sirenes soaram na cidade. O terror estava a caminho. Em apenas 23 minutos, o centro da cidade foi posto abaixo, tomado pelas chamas. Dois ataques britânicos e um americano destruíram 15 quilômetros quadrados da cidade.
Foto: picture-alliance/dpa
Hofkirche em ruínas
O bombardeio também causou sérios danos à Hofkirche, uma das maiores igrejas da Saxônia, construída entre 1739 e 1755, na mesma época que a famosa Frauenkirche (Igreja de Nossa Senhora, protestante), que fica a apenas 300 metros de distância. O telhado e as abóbodas internas do templo católico desmoronaram.
Foto: picture-alliance/dpa
Lutero não foi poupado
O monumento ao reformador Martinho Lutero, em frente à igreja Frauenkirche, também foi danificado durante o bombardeio. A estátua foi criada por Adolf von Donndorf em 1861, mas inaugurada somente em 1885. Lutero visitou Dresden nos anos 1515 e 1517.
Foto: picture-alliance/akg-images
Memorial
A Frauenkirche também foi destruída pelas bombas. Erguida entre 1726 e 1743, a igreja barroca foi mantida em destroços até 1993, como um memorial à destruição sem sentido provocada pela guerra. Ela seria reconstruída mais tarde. Um artista britânico, cujo pai participou do bombardeio, foi quem reconstruiu fielmente a cruz na torre da igreja.
Foto: picture alliance/dpa
Símbolo reerguido
A "Frauenkirche" foi reconstruída entre 1994 e 2005, graças a doações de todo o mundo. Os custos da reconstrução ficaram em torno de 130 milhões de euros. O bairro barroco em volta da igreja de 91 metros de altura se tornou o novo centro turístico da capital da Saxônia. Dresden reconquistou um de seus maiores símbolos.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Hiekel
Nenhum sinal da destruição
Muitos turistas passeiam hoje pelo centro de Dresden e ficam admirados com a reconstrução completa da cidade. A igreja católica Hofkirche havia se tornado necessária na Saxônia protestante porque Augusto, o Forte, se convertera ao catolicismo para usar a coroa real polonesa. A igreja havia sido construída entre 1739 e 1754.
Foto: picture alliance/Johanna Hoelzl
Com novo brilho
O monumento a Lutero foi reerguido em 1955. Até a sua restauração, entre 2003 e 2004, a estátua em frente às ruínas da Frauenkirche também era um alerta contra a guerra e a destruição. Hoje ela pertence à área do chamado Neumarkt, um largo no centro da cidade. A base da estátua serve como ponto de encontro para jovens e turistas.
Foto: imago/Chromorange
A Florença do Elba
A capital da Saxônia é novamente uma das cidades mais bonitas da Alemanha. Dresden é chamada também de Florença do Elba devido a sua arquitetura barroca. A cidade tem muitas atrações para oferecer e é um importante destino turístico. Dresden tem aproximadamente 550 mil habitantes e é uma das 12 maiores cidades alemãs.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Lander
Lembrança do horror
No gasômetro desativado de Dresden, visitantes podem ter uma boa noção dos estragos causados pela guerra. O artista Yadegar Asisi reproduziu uma grande parede panorâmica com a imagem da cidade destruída. Ele mostra o centro de Dresden logo após o bombardeio: tudo está em ruínas, há fumaça sobre partes do centro e da Neustadt e chamas no sul.