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Droga lícita e mortífera se expande na Europa

Anabel Hernández
9 de outubro de 2019

Opioide fentanil se tornou a mais mortal e perigosa droga nos Estados Unidos. Não apenas as organizações criminosas que traficam a droga devem ser controladas, mas também as empresas que a produzem legalmente.

Pílulas de fentanil ao lado de uma régua
Em 2016, mais da metade das mortes por overdose nos EUA ocorreu em consequência do uso de drogas de prescrição médicaFoto: picture-alliance/AP Photo/T. Farmer

Em agosto, num motel em Queens, em Nova York, foi encontrado o corpo sem vida de Andrea Zamperoni, chef de cozinha italiano do famoso restaurante Cipriani Dolci, localizado na estação Grand Central Terminal. Ele morreu de overdose de fentanil. Foi então que a crise de consumo desse opioide, que atormenta os Estados Unidos desde 2014, atraiu a atenção na Itália.

De acordo com o Relatório mundial sobre drogas de 2019, publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc), o consumo de fentanil e sua capacidade mortífera deveria acender um alerta em toda a Europa.

Fala-se muito sobre o perigo que representam as organizações criminosas, como os cartéis mexicanos, que traficam drogas ilícitas em todo o mundo, causando danos à saúde de milhares de pessoas. Heroína, cocaína, maconha e metanfetaminas estão listadas com alerta vermelho.

Mas nos EUA, pelo menos desde 2016, as drogas que são mais consumidas e causam mais mortes por overdose não são as traficadas ilegalmente, mas as de prescrição controlada, legalmente produzidas e distribuídas no país e vendidas nas farmácias por meio de receitas médicas. Uma delas, a mais difundida é o opioide analgésico fentanil, prescrito em casos de dor intensa, assim como oxicodona e hidrocodona.

O relatório de 2016 intitulado Avaliação nacional de ameaças de drogas, publicado pela agência antidrogas do governo americano Drug Enforcement Administration (DEA), apontou que, dos 129 que morreram diariamente por overdose de drogas em 2014, 52 foram vítimas do consumo de analgésico de prescrição médica. Ou seja, em torno de 40%, o que equivale a 18.980 pessoas em 2014.

No mesmo relatório publicado em 2018, a DEA afirmou que, em 2016, dos 172 mortos diariamente por overdose de drogas, 116 consumiram medicamentos prescritos, fornecidos principalmente por um familiar ou amigo. Ou seja, um dado de 67%, o que equivale a mais de 42 mil pessoas.

A DEA detectou que a maioria dos indivíduos que obtiveram esses analgésicos injustificadamente alegou dor física para obtê-los. Na prática cotidiana, muitos médicos dos EUA abusam na prescrição de analgésicos opioides como o fentanil, prescrito até mesmo em casos de dor de dente infantil.

Os medicamentos de prescrição médica ocupam o segundo lugar das drogas consumidas nos Estados Unidos, só ficando atrás da maconha: 18 milhões de cidadãos dos EUA acima dos 12 anos fazem uso abusivo deles.

Anabel Hernández é vencedora do Prêmio Liberdade de Expressão da DW

O consumo de fentanil é tão extenso nos EUA e gera tantos lucros às empresas que legalmente produzem, distribuem e vendem a droga, que os cartéis mexicanos resolveram comercializar fentanil produzido ilegalmente para captar uma fatia do mercado. Eles usam etiquetas e embalagens semelhantes às dos medicamentos legítimos produzidos por empresas farmacêuticas.

Para aumentar sua potência e a dependência, as organizações criminosas misturam fentanil com heroína, na grande maioria dos casos, cocaína e, em menor grau, com metanfetamina. Essas misturas tornam o consumo ainda mais perigoso. O fentanil ilegal que chega à América do Norte é produzido na China e no México.

O alerta sobre o uso desses opioides sintéticos, produzidos e vendidos legalmente e ilegalmente nos EUA, espalhou-se pela Europa. De acordo com Antonio Nicasio, especialista na organização italiana de crime organizado 'Ndrangheta, e autoridades judiciais da Itália, essa organização mafiosa começou em 2017 a se aventurar no tráfego e na venda na Europa de fentanil proveniente do Canadá, segundo matéria publicada em 9 de setembro no jornal La Stampa.

"Na Europa, a dor crônica afeta um em cada cinco adultos", escreveu o diário italiano, referindo-se ao potencial mercado de produtos como o fentanil. "Na Itália, nos últimos dez anos, a prescrição de opioides como o fentanil quadruplicou."

"Os opioides sintéticos continuam representando uma séria ameaça à saúde pública, num contexto marcado pelo número crescente de mortes por overdose na América do Norte e pela expansão do tráfico de fentantil e seus análogos na Europa", advertiu o Relatório Mundial sobre Drogas, publicado neste ano pelo Unodc. O documento ressaltou que, embora a questão não tenha sido considerada tão alarmante pela mídia europeia, "é necessária atenção internacional urgente".

O relatório observou que, embora o mercado de fentanil na Europa ainda seja "pequeno", há indicadores preocupantes. Um deles é o crescimento do confisco dessa substância na Europa Ocidental e Central. Enquanto que em 2013 foi apreendido um quilograma, em apenas quatro anos a quantidade de fentantil confiscada aumentou em 17 vezes.

Estima-se que apenas 10% das drogas sejam apreendidas internacionalmente. Isso significaria que, se 17 quilogramas foram apreendidos em 2017, pelo menos 170 quilogramas de fentanil foram traficados na Europa Ocidental e Central. Segundo o relatório das Nações Unidas, "no caso do fentanil, a maior parte da substância encontrada no mercado ilícito é proveniente de fabricação lícita".

Esses dados acendem um alerta não apenas para controlar as organizações criminosas que agora traficam o mortífero fentanil, mas também para as empresas que produzem o opioide legalmente. Em alguns dias será publicada a mais recente Avaliação nacional de ameaças de drogas elaborada pela DEA. O novo diagnóstico deve ser acompanhado não apenas nos EUA, mas também na Europa.

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A jornalista e autora Anabel Hernández escreve há anos sobre cartéis de drogas e corrupção no México. Após ameaças de morte, teve que deixar o país, e vive na Europa desde então. Por seu trabalho, recebeu o Prêmio Liberdade de Expressão da DW em 2019, durante o Global Media Forum, em Bonn.

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