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PolíticaEl Salvador

Economia é o maior desafio do segundo mandato de Bukele

Luis García Casas
31 de maio de 2024

Presidente de El Salvador foi reeleito após reduzir criminalidade com modelo autoritário. No entanto, medidas econômicas de seu primeiro governo fracassaram.

Presidente de El Salvador, Nayib Bukele, durante inauguração de escritório do Google no país.
Bukele chama a si próprio de o "ditador mais legal do mundo"Foto: Camilo Freedman/SOPA Images/Sipa USA/picture alliance

Nayib Bukele inicia o seu segundo mandato como presidente de El Salvador neste sábado (01/06), depois de ter sido reeleito com uma vitória esmagadora. Os seus êxitosno campo da segurança pública deixaram a oposição "pulverizada”. No entanto, a principal preocupação dos salvadorenhos, de acordo com uma sondagem pós-eleitoral da Universidade Centroamericana, já não é a insegurança, mas sim a economia, o desemprego e o elevado custo de vida.

Curiosamente, 42% dos entrevistados afirmaram não saber o que é a democracia, e apenas 9,6% a definiram como "poder eleger governantes".

Para Alejandro Álvarez, diretor do departamento de Economia da mesma universidade, qualquer análise deve partir do fato de se tratar de um governo inconstitucional. "Inconstitucional e autoritário", sublinha. "Nayib Bukele vai passar o bastão presidencial a Nayib Bukele" e isso é proibido pela Constituição, que está cada vez mais flexível, pontua o pesquisador.

Bukele brinca com as críticas, chamando a si próprio de o "ditador mais legal do mundo". Diz ainda que é a "primeira vez que há um sistema de partido único numa democracia". O presidente salvadorenho tornou-se um mestre do marketing político. Não foi por acaso que abandonou a faculdade de Direito para começar a trabalhar, aos 18 anos, na agência de publicidade do pai, responsável pelas campanhas do partido de esquerda FMLN. Foi essa a sua escola.

Desafios econômicos: do punho de ferro à mão invisível

Para além das suas capacidades propagandísticas e comunicativas, este novo mandato enfrenta problemas de difícil solução. Álvarez enumera: a pobreza, que aumentou seis pontos percentuais no último ano, atingindo 24% da população; a dívida, que ultrapassa os 30 bilhões de dólares, além dos juros, cada vez mais altos; e as dificuldades de acesso à habitação, cada vez mais cara.

Para o economista, além disso, não é tão claro que a melhoria da situação de segurança, com grande parte das gangues locais atrás das grades, atraia  investimentos estrangeiros ao país. "Os investimentos continuam sendo os mais baixos da região, menores até do que na Nicarágua", sublinha.

Um dos fatores que afasta investidores é necessidade de contratação de segurança privada, explica Álvarez. Outro aspecto é dolarização da economia. "Isso torna o investimento em El Salvador mais caro".

Fracasso do bitcoin

Em 2001, El Salvador substituiu a então moeda oficial colón pelo dólar americano. Vinte anos mais tarde, Bukele fez de El Salvadorr o primeiro país do mundo a aceitar bitcoin como moeda legal, com grande alarido. No entanto, segundo Álvarez, o impacto econômico real da medida foi nulo, mesmo agora que a criptomoeda volta a bater recordes.

"Em termos gerais, foi um fracasso", avalia Antulio Rosales, professor assistente na Universidade de York, em Toronto, no Canadá, que estudou a implementação do bitcoin em El Salvador. A adoção da criptomoeda contrasta com os objetivos do próprio governo ao anunciar a medida: bancarizar a população excluída, facilitar o envio de remessas, eliminando as comissões, e atrair o investimento estrangeiro em setores como o turismo e as novas tecnologias.

Em 2023, apenas 1 % dos 8,2 bilhões de dólares que chegaram sob a forma de remessas a El Salvador aconteceram por meio de uma das carteiras digitais, de acordo com dados do próprio Banco Central do país. Esta é, aliás, a principal fonte de financiamento do país. Em comparação, as exportações representaram 6,5 bilhões de dólares, e o investimento direto estrangeiro, 750 milhões.

"Os objetivos inicialmente definidos não foram atingidos. No entanto, o governo continua se orgulhando dessa política, o que nos faz pensar se não houve, de fato, outros objetivos que o governo tenha perseguido com ela", comenta Rosales.

As suas pesquisas sugerem que pode haver outros interesses relacionados com o enriquecimento de certos grupos políticos associados à carteira eletrônica para bitcoins do país, chamada Chivo. Ele também não exclui a hipótese de "um desejo pecuniário de enriquecimento pessoal". É difícil acreditar que um defensor tão entusiástico de bitcoin não tenha investido pessoalmente nessa moeda.

Opacidade e corrupção

A crítica à falta de transparênciada administração salvadorenha, que os grupos da oposição denunciam como favorável à corrupção, também se aplica ao investimento do Estado em bitcoin, que é fundamental para as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em resposta, o governo lançou recentemente um portal de informação. Mas muitas questões permanecem no ar, diz Álvarez.

Bukele investiu num regime autoritário para controlar criminalidadeFoto: Alex Pena/Anadolu/picture alliance

Bukele tornou famoso o slogan "o dinheiro é suficiente quando ninguém rouba", mas a verdade é que, com a sua política de opacidade, contas não são prestadas aos cidadãos. Um exemplo é a lei Alabí, que concede imunidade às compras irregulares durante a pandemia, ou, mais recentemente, a "modificação da lei em que os funcionários públicos podem participar diretamente como prestadores de serviços ao Estado", cita Álvez. E não faltamexemplos de corrupção.

O mais recente é o caso COSAVI, uma fraude com uma cooperativa financeira em que os seus gestores desviaram 35 milhões de dólares para os Estados Unidos e a Alemanha. O seu alcance para a economia salvadorenha é limitado, mas Álvarez considera que "deve ter mais peso do que se pensa, porque talvez seja apenas a ponta do iceberg de algo mais grave".

Ele recorda que, no final dos anos 1990, houve um caso semelhante que envolveu o partido Arena, então no poder. "No caso da COSAVI, há uma ligação com o partido do presidente", explica. "Está provado que fez pagamentos para as campanhas do Nuevas Ideas", diz.

Cumbia e violência

Na maioria das festas em El Salvador, a cumbia é obrigatória. E uma das mais dançadas é "La bala", do grupo musical Los Hermanos Flores – uma versão que compuseram depois de uma apresentação numa festa do ditador nicaraguense Somoza, em Manágua. Num país habituado à violência, ninguém se choca com a letra: "la bala, baila la bala y la tienes que la bailar, porque si tú no la bailas, te la puede la disparar" (a bala, dance a bala e tem de dançá-la, porque se não a dança, podem disparar contra você).

"Antes não se podia ir ao parque porque integrantes das maras [como são chamadas as gangues de El Salvador] estavam lá, agora não se pode ir porque se veem algo suspeito, nos levam presos", diz Álvarez. "Substituíram uma insegurança por outra, a insegurança dos bandos pela insegurança jurídica", conclui.

E para a economia, isso é pior. O regime de emergência continua, a mobilização policial continua e a dança continua... E quem deixar de dançar ao som da música de Bukele, sabe.