STF aceita por unanimidade denúncias contra presidente da Câmara dos Deputados, que é acusado de ter recebido 5 milhões de dólares em propina. Ele responderá pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
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O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou nesta quinta-feira (03/03) por unanimidade a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Dessa maneira, o político se torna o primeiro réu da Operação Lava Jato com foro especial.
Todos os dez ministros presentes na sessão consideram que há indícios concretos do envolvimento de Cunha no esquema investigado pela Lava Jato. O deputado responderá pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, acusado de ter recebido pelo menos 5 milhões de dólares de propina no esquema de corrupção na Petrobras.
A votação começou na quarta-feira, quando votaram seis dos dez ministros presentes. A sessão foi retomada nesta quinta-feira. Os outros quatro ministros seguiram o voto do relator, Teori Zavascki. O parecer mais duro foi feito por Celso de Mello, o integrante mais antigo do STF.
O ministro criticou os políticos envolvidos no esquema e disse que a Lava Jato revela a degradação da dignidade política. "Houve vasta organização criminosa de progressão tentacular, organizada em níveis hierárquicos próprios, que observava métodos homogêneos de atuação e operava por intermédio de vários núcleos especializados, com clara divisão de tarefas, núcleo político, empresarial, financeiro, operacional", argumentou Mello.
Não há data para que a ação penal seja julgada pelo STF. A partir de agora, o processo criminal contra Cunha passa para fase de oitivas de testemunhas de defesa e de acusação.
Denúncias
A PGR acusou Cunha de ter recebido propina para "facilitar e viabilizar" a contratação de dois navios-sonda do estaleiro sul-coreano Samsung pela Petrobras, entre 2006 e 2012. O negócio envolveu 1 bilhão de dólares. A procuradoria afirma que os contratos resultaram no pagamento de 40 milhões de dólares em propinas para políticos e funcionários da Petrobras. Destes, 5 milhões teriam sido pagos ao deputado.
A denúncia também aponta que parte dos pagamentos foi feito ao caixa da Igreja Assembleia de Deus do Rio de Janeiro, ligada ao deputado. As acusações foram baseadas nas delações do lobista Julio Camargo e de Fernando Baiano, o operador do PMDB no esquema de desvios na estatal.
Ao justificar seu voto, Zavascki rejeitou a ideia de que as acusações são baseadas apenas em delações premiadas. "Essas colaborações não são isoladas, elas ganham valor na medida em que são acompanhadas de elementos pelo menos indiciários muito sugestivos da veracidade", disse.
Cunha não tem intenção de deixar o cargo que ocupa na Câmara dos Deputados. Antes do final do julgamento, ele afirmou que permanecerá no comando da Casa e alegou inocência, dizendo que não há provas contra ele.
CN/rtr/abr/ots
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
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As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
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... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
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As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
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As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
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O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
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Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
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Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.