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Eike Batista, uma parábola do Brasil recente

1 de fevereiro de 2017

Ninguém simbolizou as ambições brasileiras dos anos 2000 como o empresário, que prometia ser o homem mais rico do mundo. Sua prisão marca o ocaso de uma figura cuja trajetória se confunde com a do país.

Brasilien Rio de Janeiro - ehemaliger Billionär Eike Batista erreicht das Ary Franco Gefängnis
Eike Batista chega a presídio na zona norte do Rio: suspeita de pagamento de propinaFoto: Reuters/U. Marcelino

Em janeiro de 2012, a revista Veja estampou uma de suas capas com uma montagem que mostrava Eike Batista usando o uniforme do ditador chinês Deng Xiaoping. A publicação falava do surgimento de uma nova classe de milionários no Brasil, tal como ocorreu no país comunista após as reformas que introduziram o capitalismo. Eike era encarado como o principal símbolo desse esplendor brasileiro.

Era a também a época de estímulo das "campeãs nacionais", grandes empresas que receberam farto apoio do BNDES durante os governos petistas para ganhar projeção internacional. Entre elas estavam a Eletrobras, a Oi, a LBR e o Grupo X, de Eike Batista. O Brasil vivia tempos de otimismo, dos Brics, de pré-sal. "O Eike é nosso padrão, nossa expectativa e orgulho do Brasil”, afirmou em abril de 2012 a então presidente Dilma Rousseff.

Naquele ano, Eike apareceu como o oitavo homem mais rico do mundo em uma lista da Bloomberg. Disse ainda que assumiria o topo do ranking em 2015 ou 2016. "Você acha rápido? É muito tempo", declarou a uma repórter.

Um ano e meio depois da capa celebratória da Veja, Eike havia virado um pária. A economia brasileira começaria a descarrilar em 2014. Outras "campeãs" acabaram pedindo concordata ou foram colocadas melancolicamente à venda.

Mas nenhuma dessas empresas sofreu uma queda tão explícita quanto o Grupo X de Eike, um conglomerado de empresas de petróleo, mineração, logística e energia. E nenhuma figura representou tanto a derrocada das ambições brasileiras a partir dos anos 2000 como Eike Batista, detido nesta segunda-feira (30/01) no Rio, por suspeita de pagamento de propina ao ex-governador Sérgio Cabral.

Trajetória

Nascido em 1956, Eike teve como modelo seu pai, Eliezer Batista, executivo que ajudou a Vale a se tornar uma gigante da mineração. Da mãe, Jutta Fuhrken, herdou um passaporte alemão – que usaria para deixar o Brasil antes da divulgação do seu pedido de prisão.

Eike em 2010: dois anos depois, ele apareceria como o oitavo homem mais rico do mundo em rankingFoto: picture-alliance/dpa

Abandonou um curso de engenharia metalúrgica na Alemanha no fim dos anos 70 para se dedicar ao comércio de ouro. Logo adquiriu um garimpo na Amazônia, mas a empreitada fracassou. Acabou sendo salvo pelas conexões do pai, que usou sua influência para encontrar um comprador para o garimpo. Também foi o pai que o ajudou a se apresentar a investidores canadenses que o ajudariam a formar sua primeira "empresa X", a mineradora TVX.

Já na época estavam aparentes alguns dos traços que ajudariam Eike a conquistar a confiança de tantos investidores: o otimismo que parecia não conhecer limites – e que muitas vezes resultava em projeções irreais – e a capacidade de projetar confiança – sempre pontuada com lições de autoajuda – que lhe conferia uma aura de "visionário". Também passou a diversificar seus negócios, criando uma fábrica de jipes e uma empresa de cosméticos.

Certa vez, irrompeu uma apresentação usando óculos com lentes cor-de-rosa para rebater críticas de que enxergava a realidade com otimismo excessivo. "Dizem que eu vejo tudo cor-de-rosa. Vejo mesmo. E sabem por quê? Porque vejo as coisas adiante. Eu leio o jornal de amanhã”, disse.

Mas as primeiras empreitadas de Eike, incluindo a TVX, terminaram em fracasso em 2001 –com vários aspectos que soam como um ensaio para 2013. A quebra, no entanto, não foi tão explícita. Eike continuava a ser mais conhecido como o marido da modelo e atriz Luma de Oliveira, com quem se casou em 1991.

Ainda conservando algumas dezenas de milhões de dólares, Eike se relançou de volta aos negócios no ramo da energia, tomando proveito da política de investimentos em termoelétricas do governo FHC, que tentava afastar a ameaça de um apagão energético no país. O plano era turbinado por empréstimos do BNDES.   

Foi nessa época que também começou a se aproximar de políticos. Em 2003, com Lula já no governo, uma comitiva de petistas pediu a Eike uma doação para saldar dívidas de campanha. Também foi Eike que acabou oferecendo o primeiro trabalho de consultor para o ex-ministro José Dirceu em 2005, quando o petista teve o mandato de deputado cassado por seu envolvimento no escândalo do mensalão. A relação pessoal com Lula ainda demoraria para se solidificar. O presidente ainda se referia ao empresário como "aquele chato com todos aqueles mapas" e evitava marcar audiências.

Em 2006, Eike lançaria a sua primeira grande abertura de capital por meio de uma Initial Public Offering (IPO) de uma de suas novas empresas, a mineradora MMX. A empresa mal passava de um projeto e quase não tinha ativos – sua atratividade era baseada apenas em projeções de reservas. Esse tipo IPO era uma novidade no Brasil – o comum é que apenas empresas já estabelecidas buscassem dinheiro na bolsa. A Comissão de Valores Mobiliários, no entanto, deixou a IPO seguir adiante. 

A campanha para arrecadar foi agressiva e baseada em técnicas publicitárias que esbanjavam otimismo. A IPO rendeu 501 milhões de dólares, um recorde no Brasil. O modelo passou a ser replicado para outras empresas que só existiam no papel.

Petróleo

Depois da experiência, Eike passou a mirar no mundo do petróleo. E também passou a esbanjar dinheiro. Torrou 10 milhões de dólares num restaurante chinês no Rio de Janeiro que servia pratos batizados com o nome de seus filhos (tempurá de camarão do Thor). O lugar gerava um prejuízo de 200 mil reais mensais, mas Eike disse que aquele era "seu presente" para a cidade.

Eike se referia aos seus executivos como "cavaleiros do sol eterno". Para formar sua companhia de petróleo, batizada como OGX, chamou o geólogo português Paulo Mendonça, que chefiou na Petrobras a equipe que identificou o pré-sal.

Eike em 2012, quando a OGX começou a extrair petróleo: para Dilma Rousseff, ele era o "orgulho do Brasil”Foto: Reuters

Eike também costumava remunerar generosamente seus executivos e distribuía ações. Parte da fortuna deles começou a ser condicionada então ao valor das empresas na bolsa. Entre os detentores de ações também estavam os responsáveis pelas projeções. Eles passaram a ganhar mais dinheiro conforme sucessivos relatórios otimistas eram apresentados. "Ninguém ganhou mais dinheiro com PowerPoint do que o Eike", afirmou Felipe Moreno, autor de uma biografia do empresário.  

Nessa época, ele também se aproximou do então governador do Rio, Sérgio Cabral, que passou a ajudá-lo a obter os licenciamentos para o seu projeto do Porto do Açu. Eike passou a emprestar seu jatinho para Cabral e a financiar e projetos do governador.

A OGX começou captando dinheiro de fundos de investimentos e arrematou blocos exploratórios de petróleo em 2007. No ano seguinte, Eike conseguiu vender parte da sua MMX para a mineradora Anglo American por 5,5 bilhões de dólares – desse total, 3,4 bilhões foram para nos seus bolsos. O negócio surpreendeu especialistas, que julgaram que a Anglo foi contaminada pelo otimismo das projeções da MMX. Eike, no entanto, passou a conceder entrevistas repudiando aqueles que o haviam chamado de "vendedor de sonhos".       

O negócio com a Anglo também teria o efeito de impulsionar a IPO da petrolífera OGX. O Brasil também vivia um boom de investimentos externos, e o petróleo chegava ao preço recorde de 140 dólares por barril. A OGX também passou a espalhar projeções extremamente otimistas sobre suas reservas. Em junho de 2008, a empresa que havia sido criada no ano anterior captou 6,7 bilhões de reais. A companhia, que ainda não havia perfurado uma gota de petróleo, passou a ser avaliada em 36,5 bilhões de reais.

O empresário entre Eduardo Paes e Sérgio Cabral em 2009: ajuda para levar os Jogos Olímpicos para o RioFoto: AP

No ano seguinte, Eike finalmente conquistou a simpatia de Lula ao injetar milhões na candidatura do Rio aos Jogos Olímpicos e passou a se encontrar regularmente com o ex-presidente. Na mesma época, o BNDES abriu generosamente os cofres para empresas X. Eike conseguiria créditos de 10 bilhões de reais. 

A OGX passou então a ser inundada com projeções mais e mais otimistas. Eike disse em uma entrevista que suas reservas poderiam chegar a 1 trilhão de dólares. Tudo era baseado em relatórios preliminares.

A fortuna de Eike começou a ser avaliada em 27 bilhões de dólares. Só em 2012 a OGX daria início de fato à exploração do seu primeiro poço. Nos primeiros meses do ano, Eike passaria a anunciar o lançamento de empresas X em setores como carvão, entretenimento e de segurança. Chegou até mesmo a considerar adquirir o controle da montadora alemã Daimler AG.    

Derrocada

Mas ainda em 2012 os primeiros problemas das empresas X apareceram. Em junho, o primeiro campo da OGX, que deveria produzir 20 mil barris por dia, só estava extraindo 5 mil. A OGX já havia gasto 5 bilhões de dólares na perfuração de mais de cem poços experimentais na área – sem qualquer estudo de viabilidade técnica e econômica. A empresa acabou perdendo 40% do seu valor.

Eike recorreu ao governo, mas o BNDES lhe fechou as portas. Em março de 2013, outra área da OGX começou a produzir, e o clima de desânimo afetou outras empresas X. Aos poucos, Eike começou a se voltar contra seus executivos. O desespero tomou conta do grupo. Eike recorreu até mesmo a "consultores esotéricos" para tentar espantar a má sorte – uma delas, apresentada por Cabral, percorreu os escritórios do grupo e propôs mudar o logotipo das empresas X.

Nas sombras, Eike passaria a vender suas próprias ações – sem revelar aos investidores o tamanho da encrenca – e começou a transferir seus bens para os filhos para evitar pedidos de bloqueio. Em julho de 2013, toda a verdade veio à tona. E um tsunami financeiro varreu o grupo.

Eike havia deixado de ser um bilionário. Ele passaria a ser alvo de ações na CVM por suspeita de manipulação de mercado. O tombo do grupo X fora enorme: 65 bilhões de dólares haviam evaporado, um colapso comparável à fraude praticada pelo investidor Bernard Madoff nos Estados Unidos.