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Elba Ramalho

13 de abril de 2009

Foi com a primeira montagem do musical de Chico Buarque inspirado em Brecht, Weill e Gay que a carreira de Elba Ramalho despontou. A cantora e atriz falou à Deutsche Welle sobre suas memórias daquele tempo.

Elba com sua Orquestra de Frevos em Tübingen, na AlemanhaFoto: picture-alliance/ dpa

A cantora paraibana Elba Ramalho subiu ao alto escalão da MPB no final dos anos 1970, década em que o chamado "sul maravilha", Rio de Janeiro e São Paulo, foi invadido por artistas nordestinos de grande inventividade.

Gente como Alceu Valença, Raimundo Fagner, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Ednardo e Belchior passou a dar as cartas no novo cenário musical pós-tropicalista, recolocando o Nordeste dos pioneiros Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e João do Vale na ordem do dia.

Mas, por mais que munida de um repertório corajoso, que ia de Elomar a Walter Franco, foi no carioca Chico Buarque que Elba Ramalho teve sua maior referência. Ele foi seu principal anfitrião quando ela entrou no Teatro Ginástico, no Rio de Janeiro, para encarnar Lúcia, uma prostituta da Lapa da década de 1940, na Ópera do Malandro que Chico recriara dos alemães Brecht e Weill, e do inglês John Gay, autor da Ópera dos Mendigos de 1728.

Quando foi aceita para compor o elenco do musical brasileiro, Elba Ramalho não fazia idéia de que sua vida iria mudar para sempre. A partir do momento em que encontrou Chico Buarque, Elba deslanchou de vez, atuando também no vanguardista Teatro do Ornitorrinco canta Brecht e Weill, dirigido por Cacá Rosset e montado no Teatro Tablado, no Rio de Janeiro.

Deutsche Welle: Que lembranças você guarda da Ópera do Malandro?

Elba Ramalho: Tenho muitas lembranças e todas elas boas, porque fazer a peça foi um momento muito marcante para mim. A atuação no espetáculo foi um divisor de águas na minha carreira, porque foi ali que cheguei no limite de decidir trilhar um novo caminho, motivada pela aproximação com Chico Buarque, pela minha estreia como cantora no disco dele (de 1978) cantando O Meu Amor, e como consequência da minha atuação com Marieta Severo.

Até hoje, canto O Meu Amor nos shows e o filme [de Ruy Guerra] que veio depois da peça também foi marcante. Assim como o encontro com Cacá Rosset e com Luiz Antônio Martinez Corrêa, que gerou o Ornitorrinco Canta Brecht e Weill, espetáculo que a gente acabou fazendo às segundas e terças-feiras.

Contracenar com todo aquele elenco da Ópera do Malandro –como Ary Fontoura, Maria Alice Vergueiro e Marieta Severo, e a própria amizade com o Chico – foi uma coisa bastante importante, que eu tenho sacramentada no meu coração.

Você já conhecia Chico Buarque antes de fazer a Ópera do Malandro?

Não, eu o conheci no palco do Teatro Ginástico, no primeiro encontro do elenco com ele. Estávamos todos os atores, todos da orquestra e o autor da peça. Chico olhou para mim e falou, "oi, você é a Lúcia?". E eu respondi, "não, eu sou a Elba". Aí foi um nervosismo só, porque eu me preparei para dar uma resposta boa e não falar besteira [risos]. Hoje eu me divirto quando conto essa história.

O que você fazia profissionalmente na época em que entrou no elenco?

'Chico é Chico', diz ElbaFoto: picture-alliance/ dpa

Eu já era atriz. Faço teatro desde criança na Paraíba. Quando fiz a Ópera, eu já tinha 26 anos, mas nunca tinha tido oportunidade de fazer uma peça que tivesse tanta projeção na mídia, de contracenar com Marieta Severo, e de estar numa peça de Chico Buarque. Chico é Chico, a vida toda foi assim, mas naquele ano de 1978 havia muita expectativa porque ele vendia milhões de discos. Fazer parte daquele elenco foi realmente um privilégio, um upgrade na minha carreira.

Quando o musical estreou, o Brasil ainda estava amargando a ditadura militar. Vocês sofreram algum tipo de pressão por parte dos "homens da lei"?

De eles participarem dos ensaios, não, pois isso já havia acabado, embora a censura ainda atuasse camufladamente. Mas a Ópera do Malandro teve problemas com a censura, sim. Na canção O Meu Amor, por exemplo, Chico teve que trocar alguns versos, como "de me beijar o sexo/ e o mundo sai rodando/ e tudo vai ficando/ solto e desconexo".

A censura não aceitou, e ele teve que trocar para "de me deixar em brasa/ desfruta do meu corpo/ como se o meu corpo/ fosse a sua casa". Mas não havia mais aquela opressão da presença deles no ambiente onde a gente estava fazendo o espetáculo. Eu até vivi isso antes, mas, salvo engano, não na época da Ópera do Malandro.

Você desempenhou o papel da prostituta Lúcia. Quem escolheu o personagem, você mesma ou o Chico?

Eu fui chamada para fazer o personagem pelo diretor do espetáculo, o Luiz Antonio. Depois, no cinema, quando o Chico me convidou para fazer o filme, ele trocou meu personagem, que acabou virando Margô. Ele próprio falou que ia aumentar o texto e a minha atuação e acabou compondo Palavra de Mulher, que também é um momento inesquecível na minha carreira musical.

Além do dueto com Marieta Severo em O Meu Amor, você cantava alguma outra canção na peça?

Só no final do espetáculo, quando todo mundo cantava junto uma saudação ao malandro.

É curioso que você nunca tenha gravado a música Geni e o Zepelim, que fazia parte da trilha sonora da peça e era o clímax de seus shows no começo de carreira.

É, eu realmente não cheguei a gravar essa música. No teatro, ela era muito forte. Mas cheguei a gravar outra da trilha, que era Se Eu Fosse Teu Patrão, que cantei [em 1983] junto com o Chico. Eu tive vários encontros com ele gravados, como Não Sonho Mais, que ele fez para um outro filme [República dos Assassinos, de Miguel Faria Jr.], e que eu acabei incluindo no meu primeiro disco.

Você também é uma atriz de grande prestígio, que tem inclusive em comum com Chico Buarque o fato de ter trabalhado em Morte e Vida Severina, de João Cabral de Mello Neto. Você acha que tomou a decisão certa ao priorizar a carreira de cantora, deixando as artes dramáticas para segundo plano?

Eu tinha que fazer música de alguma forma. Não poderia continuar só no teatro, a música tinha que acontecer na minha vida. Eu estou muito feliz com a escolha que fiz, que era a que eu tinha mesmo que fazer e que deu certo. Gosto de cantar, me realizo assim, e eu posso utilizar todos os elementos da dramaturgia, a liberdade cênica, a capacidade de improvisação que o teatro também sugere para os meus espetáculos como cantora. Tenho feito isso sempre.

O musical ainda percorreu diversas cidades do Brasil, depois da estreia no Rio de Janeiro. Por quanto tempo você atuou no elenco?

Por um ano. Na remontagem, eu já não participava mais. O tempo em que eu fiquei na peça foi quando ela estava no Rio. Quando ela foi para São Paulo, eu já tinha saído.

Você concorda que a trilha sonora conseguiu superar a qualidade da adaptação que Chico Buarque fez da peça de Bertolt Brecht e Kurt Weill?

Sim.

Hoje em dia, Chico Buarque anda mais entretido com a literatura do que com música ou teatro. Qual a faceta dele que você mais admira?

Eu gosto do Chico de qualquer jeito. Eu o acho um gênio. É o maior compositor do Brasil. Sua dramaturgia e seus romances também são excelentes. Só tenho elogios para ele, que é uma pessoa muito boa, desprovida de todo tipo de pretensão e de preconceito.

Autor: Felipe Tadeu

Revisão: Rodrigo Rimon Abdelmalack

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