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PolíticaArgentina

Eleição na Argentina: os principais candidatos à Presidência

22 de outubro de 2023

Ministro "camaleão" da Economia que representa o peronismo, "Bolsonaro argentino" que quer dolarizar a economia e conservadora macrista linha-dura na segurança pública tentam chegar à Casa Rosada.

Milei, Massa e Bullrich
Milei, Massa e Bullrich: um deles vai comandar a Argentina a partir de dezembroFoto: Juan Mabromata/Luis Robayo/AFP/Getty Images

Os eleitores da Argentina vão às urnas neste domingo (22/10) para o primeiro turno das eleições presidenciais num pleito marcado por mais uma crise econômica. O atual presidente, Alberto Fernández, não concorre à reeleição.

Cinco candidatos estão na disputa pela Casa Rosada, a sede do Executivo argentino: Sergio Massa (peronista de centro aliado ao kirchnerismo), Javier Milei (ultraliberal populista), Patricia Bullrich (conservadora), Juan Schiaretti (peronista anti-kirchnerista) e Myriam Bregman (esquerda).

Eles foram definidos nas primárias de agosto, uma peculiaridade do sistema eleitoral argentino, no qual os eleitores são convocados previamente para escolher quais candidatos vão encabeçar as chapas dos partidos. As primárias servem como um "funil" para definir os candidatos aptos, barrando "nanicos" e resolvendo disputas internas nos partidos.

Dos cinco candidatos, apenas três mostraram ser competitivos nas pesquisas. São eles:

Sergio Massa: o camaleão peronista

Massa é o principal candidato do peronismo neste pleito, sendo uma figura mais de centro do movimento. Iniciado por Juan Domingo Perón nos anos 1940, o peronismo um dos principais movimentos políticos ou formas de organização política do país há décadas, e já foi descrito como um "Frankenstein" por abarcar correntes extremamente distintas, abrigando tanto esquerdistas quanto neoliberais.

A própria carreira política de Massa, de 51 anos, é cheia de reviravoltas quanto o peronismo. Inicialmente, esse filho de imigrantes italianos foi afiliado a grupos políticos peronistas conservadores na era Carlos Menem (1989-1999). Depois, ligou-se ao grupo do centrista Eduardo Duhalde (2002-2003) e finalmente ao casal Kirchner (2003-2015), dois populistas mais à esquerda do peronismo.

Ex-prefeito de Tigre, na grande Buenos Aires, Massa chegou a ocupar o posto de chefe de Gabinete de Cristina. No entanto, posteriormente rompeu com a política no início dos anos 2010, passando a denunciá-la publicamente e formando um grupo político rival. Em 2015, concorreu à Presidência tendo Mauricio Macri e um candidato apoiado por Cristina como adversários. Acabou em terceiro na disputa. Como deputado, presidiu a Câmara argentina entre 2019 e 2022.

Em 2019, selou uma reconciliação com o kirchnerismo. Mas, apesar de ser o candidato da corrente de esquerda kirchnerista no pleito de 2023, Massa continua sendo um estranho nesse ninho. Em 2022, com a economia indo para o abismo, o então deputado Massa foi convocado pelo atual presidente Alberto Fernández para assumir a pasta da Economia, substituindo Silvina Batakis, que era mais diretamente ligada a Cristina Kirchner. Fernández ainda fundiu outros dois ministérios, cujas áreas também passaram a ser chefiadas por Massa.

Com Fernández desistindo de concorrer à reeleição, Massa se lançou como pré-candidato à Presidência nas primárias da União Pela Pátria, principal agrupamento de peronistas da Argentina. Ele assegurou a candidatura ao derrotar Juan Grabois, da esquerda peronista.

Nas últimas semanas, Massa, apesar de ter sua imagem associada ao impopular Fernández, tem reagido nas pesquisas eleitorais, chegando a aparecer em primeiro lugar em alguns levantamentos. No entanto, pesam contra ele a atual má situação econômica. O ministro tem argumentado que o momento é de transição, e que medidas recentemente adotadas ainda vão render frutos. "O pior passou, o melhor está por vir", disse nesta semana.

Massa em evento de campanha. Ministro carrega o fardo da impopularidade do governo Alberto FernándezFoto: LUIS ROBAYO/AFP/Getty Images

Javier Milei: "Bolsonaro argentino" e "anarcocapitalista" 

Pré-candidato mais votado nas primárias, Milei, do partido personalista A Liberdade Avança, fundado por ele mesmo, é um economista com pouca experiência política, que faz uso de um discurso antissistema e é adepto de teorias conspiratórias. 

Com 52 anos, ele foi regularmente comparado durante a campanha a Donald Trump e Jair Bolsonaro, políticos de ultradireita que viraram o mundo político do avesso em seus países. 

Milei de fato tem pontos em comum com Trump e Bolsonaro. Desde que despontou no cenário político, ele se destacou pelo uso de uma retórica agressiva e provocativa contra a classe política e especialmente a esquerda, tentando se apresentar como outsider.  Sua ascensão nas pesquisas causou preocupação em países vizinhos, como o Brasil, e se deve em parte ao eleitorado mais jovem da Argentina, que se sentiu atraído por sua agenda antissistema e que se sente farto de décadas de má administração. Suas aparições de campanha foram marcadas por gestos teatrais, como empunhar uma motosserra e puxar coros de xingamentos contra adversários. Nas primárias de agosto, ele foi o candidato mais votado.

Milei defende o porte de armas de fogo, é contra o aborto e a educação sexual nas escolas e considera as mudanças climáticas "uma farsa". Ele também se associou com apologistas da última ditadura do país. A candidata à vice dele é a Victoria Villarruel, que tem histórico de questionar os sangrentos crimes cometidos pelos militares.  Mais recentemente, tal como Trump e Bolsonaro, ele também passou a denunciar sem provas que o pleito corre o risco de ser "fraudado".

Mas o Milei é exótico até para padrões da ultradireita mundial. Um biógrafo apontou que Milei se "aconselha" politicamente com espírito de um de seus cachorros falecidos, com intermédio de uma médium.

Ele também já defendeu que os argentinos deveriam ter permissão para vender seus órgãos e quer a extinção do Banco Central da Argentina e diversos ministérios. Após as primárias, ele classificou a ideia de "Justiça Social" como uma "aberração". 

A principal proposta dele é adotar um regime de dolarização agressivo, efetivamente extinguindo o peso argentino e adotando a moeda americana no país. E deixando o Estado minúsculo. Pessoalmente, ele se define como "libertário" e "anarcocapitalista".

Mas o autoproclamado libertarianismo de Milei é apontado por críticos como uma mera roupagem para esconder uma natureza de extrema direita. 

Ainda assim, durante a campanha, Milei tomou o lugar de principal recipiente dos votos de protesto ou oposição contra o atual governo. Boa parte do debate político na Argentina também foi pautado nos últimos meses pelas ideias radicais de Milei, sobrando pouco espaço para propostas de outros candidatos.

Milei empunhando uma motosserra em evento de campanha Foto: Natacha Pisarenko/AP Photo/picture alliance

Patricia Bullrich: conservadora linha-dura na segurança

Recebendo menos destaque que Massa e Milei na cobertura internacional da eleição argentina está Patricia Bullrich, de 67 anos. Ela é candidata da coalizão Juntos pela Mudança, a aliança política de Mauricio Macri.

Bullrich parecia inicialmente destinada a ser uma das principais beneficiárias da insatisfação popular contra o governo Fernández. Mas a ascensão do ultradireitista Milei acabou estagnando sua campanha. Também pesam contra ela os maus números da economia sob a presidência liberal de Macri (2015-2019), seu aliado e de quem serviu como ministra da Segurança.

Bullrich tem como uma das suas principais plataformas à repressão ao crime na Argentina. Apesar de ser considerada mais moderada que Milei, ela também recorreu a fórmulas populistas durante a disputa. Uma de suas peças de campanha prometeu a construção de um novo superpresídio para corruptos no país que seria batizado como "Unidade penal Dr. Cristina Fernández de Kirchner".

Essas propostas contrastam com uma parte do passado de Bullrich, cuja carreira política, assim como a de Massa, é marcada por reviravoltas. Nascida em uma família rica, Bullrich foi inicialmente membro da juventude peronista de extrema-esquerda e chegou a defender a luta armada nos anos 1970. Durante a ditadura argentina, ela chegou a se exilar no Brasil e posteriormente morou na Espanha.

Esse passado foi usado por Javier Milei na campanha, que chegou a acusar a rival de "terrorismo" por Bullrich ter participado em ações de guerrilha.

Patricia Bullrich tenta ser alternativa conservadora no pleito Foto: Tomas F. Cuesta/AP/picture alliance

Nos anos 1990, já de volta à Argentina, ela se desiludiu com o peronismo durante a era Menem e passou a se aproximar do conservadorismo, especialmente em temas de segurança pública, ocupando pela primeira vez o ministério da Segurança durante o malfadado governo Fernando de la Rúa (1999-2001), que caiu em meio a uma desastrosa gestão da economia.

Entre as propostas de campanha de Bullrich, além da repressão ao crime – ela promete envolver as Forças Armadas na segurança pública e diminuir a maioridade penal para 14 anos –, está a defesa do aumento do uso oficial do dólar, mas sem a dolarização total da economia defendida por Milei. Para o combate à inflação, ela propõe garantir a independência do Banco Central e promover uma reforma do Estado para reduzir gastos.