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Eleições antecipadas no Peru: saída para a crise política?

23 de dezembro de 2022

Após tentativa de golpe seguida de violentos protestos, Parlamento peruano aprovou novas eleições e uma reforma constitucional. A presidente interina, Dina Boluarte, deve governar o país até 2024. Mas isso será possível?

Um manifestante segura uma bandeira do Peru em meio a outros participantes de um protesto. Vários policiais estão em volta, dissipando a manifestação.
Manifestações violentas tomaram conta do Peru em dezembro, deixando um saldo de 26 mortos e 646 feridosFoto: Hugo Curotto/AP/picture alliance

O congressista peruano Edward Málaga-Trillo não se recorda ao certo quantas vezes lhe disseram para esquecer as novas eleições no seu país: "Isso nunca vai acontecer", ou ainda: "Vocês não têm votos suficientes". Ao fim, no entanto, 93 deputados abriram caminho para um novo pleito – antecipado em dois anos e agora marcado para abril de 2024 –, com 30 votos contrários e uma abstenção.

Bastante disposto às 4h da madrugada, Málaga-Trillo diz à DW: "Agora se vê tudo o que é possível conseguir com perseverança. Estou muito satisfeito porque, como saída para a crise, não somente destituímos Castillo, como também obtivemos [a realização de] novas eleições e reformas".

O motivo para isso é uma tentativa de golpe aplicada pelo então presidente peruano, Pedro Castillo. No dia 7 de dezembro, ele tentou dissolver o Congresso, intervir nos poderes públicos e governar por decreto, mas não recebeu apoio legislativo. Em seguida, foi destituído e detido, e agora é investigado por rebelião e conspiração.

O Peru vive desde 2016 uma sequência de crises políticas, com Congresso e presidentes em confronto. O presidente Martin Vizcarra, que governou o país de 2018 a 2020, dissolveu o Congresso em 2019 e determinou a realização de novas eleições. A nova legislatura, então, destituiu Vizcarra do cargo no ano seguinte.

Em seguida, veio o presidente Manuel Merino, que durou menos de uma semana, antes de uma violenta repressão a protestos deixar dois manifestantes mortos e 200 feridos. Seu sucessor, Francisco Sagasti, durou nove meses, antes de Castillo assumir o poder.

Pedro Castillo (segundo à esquerda), que tentou autogolpe no início de dezembro, foi preso após se refugiar na prefeitura de LimaFoto: Peru's police administration office/AP/picture alliance

País afundado em crise

A questão é: a situação no país, que nas últimas semanas alçou o conceito de crise política a outra dimensão, irá melhorar?

Depois que Castillo foi deposto e detido, violentos protestos irromperam em várias cidades do Peru, deixando um saldo de 26 mortos e 646 feridos. Devido a isso, Boluarte declarou estado de emergência em 15 províncias.

"Hoje, o Peru é um país ingovernável. As pessoas estão tomando as ruas porque estão fartas da classe política. E então, inesperadamente, chega Boluarte, a primeira mulher da história do Peru com a responsabilidade de governar, e sob condições extremamente difíceis. Uma prova de fogo que acaba de começar", diz Málaga-Trillo, que é neurobiólogo e, antes de entrar para a política, ajudou a guiar o país durante a pandemia de covid-19.

Essa prova de fogo pode ir além de Boluarte, o sexto nome a assumir a presidência do Peru em seis anos. Em seu partido Peru Livre, de esquerda, a ex-vice-presidente e ex-ministra do Desenvolvimento Social e Inclusão já não é mais bem-vinda por ter rompido com Castillo. E os conservadores, por outro lado, não acreditam em uma guinada à direita.

Região dividida

A América Latina também se apresenta como um campo minado para Boluarte: enquanto recebe apoio de governos conservadores, como os de Equador, Uruguai e Costa Rica, além do chileno, de centro-esquerda, o presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador deixou claro que não concorda com a mudança de poder no Peru.

Segundo Obrador, as elites econômicas e políticas forçaram a saída de Castillo. Venezuela, Colômbia, Honduras e Bolívia apoiaram o líder mexicano.

O Ministério do Exterior do Chile expressou diplomaticamente o desejo de que a crise se resolva "por meio dos mecanismos democráticos e com respeito ao Estado de direito".

No Brasil, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que "é sempre de se lamentar que um presidente eleito democraticamente tenha esse destino", mas disse entender que "tudo foi encaminhado no marco constitucional".

De acordo com o advogado e vice-presidente do partido Vozes do Povo, Raúl Noblecilla – que inicialmente defendeu Castillo, mas depois mudou de opinião –, Boluarte deverá se juntar à lista de presidentes que ficaram em exercício por um curto período no Peru.

"Boluarte chegou ao poder com Pedro Castillo, com uma campanha do partido Peru Livre que defendia a mudança, por mais justiça social. Pergunto-me no que o partido se transformou, porque suas visões políticas mudaram completamente. O que precisamos agora é de um diálogo com uma mesa democrática, a renúncia [de Boluarte] e novas eleições imediatamente", afirmou em entrevista à DW.

Com popularidade em baixa, especialistas acreditam que Dina Boluarte pode não resistir no cargo até as eleições de abril de 2024Foto: Luca Aguayo/AFP/Getty Images

Popularidade em baixa

Na prática, a presidente interina precisa recuperar a confiança de políticos como Noblecilla e, ao mesmo tempo, não decepcionar os que ainda depositam expectativas em seu governo, como Málaga-Trillo.

De acordo com pesquisas de opinião, porém, o apoio popular está em baixa. Um levantamento feito pelo Instituto de Estudos Peruanos aponta que somente 27% dos entrevistados aprovam Boluarte. E quase metade acredita que, sob seu governo, a situação vai piorar.

"Será difícil, para ela, chegar ao fim do mandato, porque é raro a população peruana confiar em políticos", disse Mayte Dongo, analista política da Universidade Católica do Peru, à DW.

Para ela, "o erro do atual governo é que ele não iniciou imediatamente um diálogo com os governadores. Deveriam ter sido abertos canais para se comunicar com a população que quer ser ouvida".

Dina Boluarte enfrenta uma tarefa quase impossível, já que a desilusão dos peruanos com a classe política é muito grande, tanto quanto o sentimento de falta de apreço entre os partidários de Castillo – os mesmos que celebravam o fato de que ele havia chegado à presidência.

Para Dongo, as novas eleições, marcadas para abril de 2024, são um acordo nascido a partir de uma necessidade: "As pessoas querem uma saída rápida para a crise, mas, infelizmente, não há nenhuma. Por um lado, as eleições de 2024 estão distantes e, por outro, isso serve para não nos apressarmos, porque se as eleições ocorrerem logo, teremos os mesmos partidos, já que não há tempo para registrar novos".

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