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Qual é a chance de a Alemanha ter novo governo à esquerda?

4 de setembro de 2021

Partido de Merkel perde fôlego nas pesquisas e coalizão entre sociais-democratas, verdes e esquerdistas vira opção concreta. Quais são os obstáculos e as sinergias para essa aliança?

Imagem estilizada com os símbolos dos partidos A Esquerda, SPD e Verdes.
Sociais-democratas do SPD lideram as pesquisas, com 25% das intenções de votoFoto: Imago/C. Ohde

A chanceler Angela Merkel deve estar aguardando com ansiedade o dia da próxima eleição federal na Alemanha, em 26 de setembro. Pesquisas de opinião recentes indicam que, após 16 anos com ela à frente do governo, os conservadores podem ir para a oposição.

Em um levantamento da Deutschlandtrend divulgado na quinta-feira (02/09), o partido conservador de Merkel, a União Democrata Cristã (CDU), junto com sua legenda-irmã na Baviera, a União Social Cristã (CSU), registraram apenas 20% das intenções de voto.

O líder na pesquisa é o Partido Social-Democrata (SPD), com 25%, que hoje faz parte da coligação que governa o país sob a liderança de Merkel. Se esses números se confirmarem no dia da eleição, o candidato a chanceler do SPD, Olaf Scholz, poderia formar uma coalizão com o Partido Verde, que pontuou 16%, e com o partido A Esquerda (Die Linke), que tem 6%.

Mas ele deseja isso?

Posições incompatíveis no tema de segurança

Os partidos alemães são com frequência mencionados conforme as suas cores. Vermelho é a referência para o SPD e A Esquerda, verde para os ambientalistas e preto para os conservadores. Tendo isso em vista, poderia uma coalizão "vermelho-vermelho-verde" assumir o governo federal da Alemanha?

Merkel, que está deixando o cargo, já avisou os eleitores sobre essa possibilidade: "Comigo como chanceler federal, nunca haveria uma coalizão com [o partido] A Esquerda", ela afirmou na terça-feira. "Se isso é ou não compartilhado por Olaf Scholz, é uma questão que segue em aberto."

Dois dias antes, durante um debate ao vivo na televisão com os outros dois candidatos a chanceler – Armin Laschet, da CDU, e Annalena Baerbock, do Partido Verde – Scholz esquivou-se de responder se faria uma possível coalizão com A Esquerda.

Em vez disso, Scholz, que atualmente é ministro das Finanças e vice-chanceler da Alemanha, estabeleceu condições para qualquer coalizão com o SPD, incluindo um compromisso com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

A Esquerda quer abolir a Otan, encerrar todas as missões no exterior da Bundeswehr, as Forças Armadas alemãs, e proibir todas as exportações de armas e munições. Seu programa eleitoral afirma: "Defendemos a dissolução da Otan e sua substituição por um sistema coletivo de segurança com a participação da Rússia."

Porém, a retirada da Alemanha da Otan é completamente descartada pelo SPD e pelo Partido Verde. Para ambos, a parceria transatlântica é um pilar de sua política externa.

Dessa forma, uma aliança vermelho-vermelho-verde só seria imaginável se A Esquerda estivesse disposta a abrir mão desse ponto. Mas não há sinais de que eles farão isso. Em uma entrevista à DW, Janine Wissler, co-líder da Esquerda e candidata do partido a chanceler, reafirmou sua rejeição à Otan: "Após o desastre que estamos vendo atualmente no Afeganistão, acho que há um partido com poucos motivos para reavaliar suas posições sobre política externa neste momento. E esse partido é A Esquerda."

Apesar de A Esquerda ser enfaticamente contra a realização de missões da Bundeswehr no exterior, missões humanitárias de "capacetes azuis" sob a liderança da ONU poderiam ter a concordância da legenda.

Outro debate frequente se dá sobre o uso militar de drones armados. Esses aparelhos são rejeitados pela Esquerda e também são motivo de controvérsia no SPD. Os verdes, porém, decidiram na sua conferência partidária em junho, por uma estreita margem, apoiar o uso de drones armados para proteger militares alemães em caso de necessidade.

Como funcionam as eleições na Alemanha?

03:48

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Mudanças climáticas, educação, imigração

A concordância entre os três partidos em temas de política externa e de segurança é pequena. Mas em muitas outras áreas importantes seria mais fácil para eles chegarem a um acordo. Seja combate às mudanças climáticas, educação, economia ou saúde – nos seus programas de governo, eles são relativamente próximos.

Todos são a favor da conversão total para fontes de energia renováveis, melhor infraestrutura digital em governos, escolas e empresas e salários mínimos mais elevados. Uma coalizão vermelho-vermelho-verde também provavelmente não seria bloqueada por conta do aumento de impostos, especialmente para os mais ricos, que é defendido pela Esquerda e pelo SPD.

As negociações poderiam ficar mais difíceis no tema da imigração e em regras sobre concessão de asilo. Apesar de os três partidos não pretenderem restringir a imigração para a Alemanha, o candidato do SPD a chanceler apoiou a continuidade de deportações, inclusive para o Afeganistão, em alguns casos.

Scholz não deixou dúvidas sobre a sua posição em uma entrevista à DW. "É correto que alguém que cometa crimes sérios não possa contar com a possibilidade de continuar aqui. E isso também faz parte da proteção aos refugiados."

Outras opções de coalizão

Em termos puramente matemáticos, há mais possibilidades de alianças para formar uma coalizão federal do que jamais houve no país. Em teoria, o SPD e os verdes são os mais flexíveis. Eles poderiam potencialmente se unir a qualquer partido, exceto com o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) – e efetivamente já fizeram isso em alguns estados.

Já o Partido Liberal Democrático (FDP), que apoia políticas de livre mercado, e a CDU/CSU descartam coalizões com A Esquerda por uma questão de princípio. Se os conservadores querem que Armin Laschet seja o chanceler a suceder Merkel, sua única esperança no momento seria liderar uma coalizão com o FDP e o Partido Verde.

Isso já estava no horizonte depois das eleições federais de 2017, mas as negociações falharam, após semanas de conversas, com a inesperada retirada do FDP, liderado por Christian Lindner.

Observadores experientes da política alemã, como o cientista político Oskar Niedermayer, da Universidade Livre de Berlim, consideram que uma coalizão vermelho-vermelho-verde é bastante provável. As discordâncias sobre política externa e de segurança são o maior obstáculo, segundo ele, mas membros dos três partidos já estão conversando para "encontrar linhas de concordância", ele afirmou à DW em maio.

A volta das propagandas contra "meias vermelhas"?

As declarações da CDU contra uma eventual coalizão de esquerda trouxeram à tona lembranças da "campanha das meias vermelhas", em 1994. "Meias vermelhas" é um termo usado, na maioria das vezes de forma derrogatória, para uma pessoa de esquerda. Ele foi explorado pela centro-direita naquela campanha eleitoral para criticar uma possível coalizão do SPD com os verdes e o antecessor da Esquerda, o PDS. A CDU imprimiu grandes banners de campanha mostrando um varal com uma meia vermelha pendurada por um pregador verde. "Ao futuro, mas não com meias vermelhas", dizia o cartaz.

Em 1994, conservadores usaram meias vermelhas para evocar o medo da ameaça comunista que era forte na Guerra FriaFoto: picture-alliance/dpa/M. Gerten

O parceiro de coalizão da CDU à época, o FDP, também incluiu isso em sua narrativa. E a estratégia parece ter compensado. A referência à ameaça comunista e aos sentimentos da Guerra Fria foram considerados um dos fatores decisivos para a vitória apertada da coalizão entre conservadores e liberais naquele ano, sob a liderança de Helmut Kohl.

Críticos atacaram a campanha da CDU, dizendo que ela era uma tentativa excessivamente óbvia de desacreditar as pessoas de esquerda. Mas o PDS respondeu à campanha agressivamente, e a reinterpretou como se fosse uma propaganda a seu favor, imprimindo meias vermelhas em diversos de seus materiais de divulgação.

O SPD sempre avaliou com cuidado a hipótese de se aliar à Esquerda. Agora, enquanto os conservadores estão cavando as suas trincheiras de forma parecida como no passado, o social-democrata Olaf Scholz evita dizer sim ou não sobre uma coalizão que os inclua.

Marcel Fürstenau Autor e repórter de política e história contemporânea, com foco na Alemanha.
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