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Eletromobilidade pode custar 410 mil empregos na Alemanha

Arthur Sullivan fc
11 de julho de 2020

A indústria automobilística parece estar em declínio no país. Especialistas preveem que metade dos 800 mil empregos sejam cortados até 2030, uma estimativa que não é apoiada pelo setor. Porém, o caminho parece instável.

A crise no setor automobilístico alemão aumentou por causa da pandemia do novo coronavírus
A crise no setor automobilístico alemão aumentou por causa da pandemia do novo coronavírusFoto: picture-alliance/dpa/C. Stratenschulte

De acordo com o Departamento Federal de Estatísticas da Alemanha (Destatis), cerca de 830 mil pessoas estavam empregadas diretamente na indústria automobilística alemã em 2019. Esse grande número é parte da razão pela qual o lobby do setor automotivo do país tem sido tão poderoso por tanto tempo.

Mas dizer simplesmente que os tempos estão mudando é colocar as coisas de uma forma suave. Em janeiro, um relatório da Plataforma Nacional para o Futuro da Mobilidade (NPM), uma agência de pesquisa financiada pelo governo alemão, sugeriu que, no pior dos cenários, mais de 400 mil empregos na indústria automobilística alemã poderiam desaparecer até 2030.

A pandemia da covid-19, que se seguiu nos meses seguintes, foi apenas a última crise para uma indústria que lutava em várias frentes. Mas a principal razão para a forte previsão da NPM foi suficientemente clara: a rápida transição dos motores a combustão interna para a eletromobilidade, acelerada pelas metas climáticas da União Europeia para 2030 para o setor de transportes.

Os carros elétricos exigem cerca de seis vezes menos peças do que um carro com motor a combustão. Isso obviamente significa que um número bem menor de trabalhadores é necessário para construí-los. Em relação à falta de lucros, o investimento maciço necessário para a competitividade da eletromobilidade significa que são necessários cortes de empregos para economizar dinheiro.

"Os novos cenários de eletromobilidade preveem uma necessidade ainda menor de trabalhadores, em parte devido ao aumento da produtividade por meio de um maior grau de automação", aponta o resumo do documento da NPM.

E o relatório acrescenta: "A produção de veículos elétricos pode ser automatizada mais facilmente. Se não houver melhora na posição competitiva da indústria alemã na área de eletromobilidade nos próximos anos e se a necessidade de importação de células de bateria e veículos elétricos continuarem crescendo no contexto do lançamento de novos veículos elétricos, as estruturas de emprego serão severamente atingidas."

Uma visão alternativa

A Associação Alemã da Indústria Automotiva (VDA) afirma que a previsão da perda de 400 mil empregos foi baseada em um "cenário extremamente irrealista", mas admitiu que os cortes de empregos em larga escala são inevitáveis na indústria em rápida evolução, apoiando amplamente um estudo do ELAB, um observatório de eletromobilidade, que prevê apenas a perda de 90 mil vagas até 2030.

Ferdinand Dudenhöffer, diretor do Centro de Pesquisa Automotiva, afirmou à DW que acreditava que o corte de 250 mil empregos nos próximos 10 anos era realista, sendo cerca de 150 mil como resultado da transição para a eletromobilidade e 100 mil como reflexos da pandemia de covid-19.

Em uma declaração à DW, a VDA apontou que, no final de abril de 2020, havia ainda 814 mil pessoas empregadas na indústria automobilística, mas destacou que, devido à pandemia do coronavírus, cerca de 50% dos trabalhadores do setor estava ou vinha realizando uma jornada de trabalho reduzida.

Além disso, anúncios de cortes de empregos já estão acontecendo. No ano passado, a Daimler e a Volkswagen anunciaram mais de 25 mil demissões. Entretanto, a forma como os cortes foram realizados revela como a questão das dispensas será resolvida no futuro.

As 9.500 vagas a serem eliminadas até 2025 na Audi, do Grupo Volkswagen, não serão em forma de demissões. Elas seguem uma linha demográfica, como colegas aposentados que não serão substituídos, aposentadorias antecipadas, entre outras. Os cortes de vagas também foram anunciados juntamente com a criação de novos empregos em eletromobilidade. As demissões na Daimler foram feitas dentro de uma estrutura semelhante.

Trabalhador monta uma carroceria do modelo elétrico ID.3 na fábrica da VW em ZwickauFoto: picture-alliance/AP Images/J. Meyer

Requalificação é o ponto central

Portanto, mesmo que centenas de milhares de empregos no setor estejam para desaparecer até 2030, isso não significa necessariamente que serão feitos de maneira dramática e potencialmente catastrófica como uma manchete como essa poderia sugerir.

Há também a esperança de que muitos trabalhadores que não são mais necessários na montagem de motores a combustão possam ser requalificados e reposicionados em algum lugar da cadeia de suprimentos para a eletromobilidade. Por exemplo, a Volkswagen converteu sua fábrica em Zwickau, no estado da Saxônia, em uma unidade totalmente elétrica sem realizar nenhuma demissão. 

Em um relatório de 2019, a NPM destacou as dificuldades de treinar trabalhadores não qualificados ou semiqualificados para novos empregos na eletromobilidade. Mas uma confortável maioria dos trabalhadores da indústria automobilística alemã pode ser classificada como tendo habilidades e qualificações de nível alto ou intermediário, tornando mais simples o processo de requalificação.

A NPM recomendou o desenvolvimento de um sistema centralizado de treinamento profissional para a indústria, "para fornecer às empresas e seus funcionários as ferramentas que eles possam utilizar para navegar com sucesso na mudança iminente".

Este sistema está nos estágios iniciais de coordenação de seus esforços nessa área, trabalhando com algumas iniciativas regionais existentes, como no estado da Baixa Saxônia, onde a Volkswagen e muitos fornecedores da indústria automotiva estão sediados.

"A fim de desenvolver e oferecer medidas de qualificação adequadas e baseadas nas necessidades, a Agência Federal de Emprego, instituições regionais de treinamento e empresas com necessidades de qualificação devem trabalhar juntas em redes [regionais], os chamados centros de competência", afirmou um porta-voz à DW.

Indústria deve ser alinhar com mudança de comportamento

A eletromobilidade é apenas uma faceta da revolução tecnológica que a indústria automobilística enfrenta. Ellen Enkel, diretora da cadeira de administração de negócios e mobilidade na Faculdade de Engenharia da Universidade de Duisburg-Essen, afirma que muitos fabricantes adotaram o princípio "grande demais para falir", algo que ela vê como parte de uma "mentalidade pré-digitalização".

Embora ela acredite que o conjunto de grandes habilidades dos trabalhadores da indústria automobilística na Alemanha ajudará muitos a encontrar novos empregos se vagas antigas forem eliminadas, ela acha que a atual falta de demanda por carros elétricos significa que a indústria precisa considerar a questão mais ampla da mobilidade e o que isso significará no futuro.

"Eu acredito firmemente que a mobilidade implicará muito mais do que comprar e dirigir os próprios carros", contou Enkel à DW, apontando tendências como o compartilhamento de carros, plataformas de serviços de mobilidade e modelos de negócios baseados em uso geral.

"Um comportamento 'solitário' dos fabricantes de automóveis precisa mudar para um comportamento colaborativo, aberto e inovador que crie a inovação exigida pelos clientes, possibilitada pelo ecossistema atual e futuro através da colaboração com startups de tecnologia, empresas de diferentes setores, organizações de serviços e até mesmo concorrentes", acrescentou.

Na opinião de Dudenhöffer, a inconsistência na política econômica alemã significa que o país não está preparado para a mudança tecnológica que está ocorrendo atualmente.

"Nenhuma vantagem competitiva a longo prazo está sendo construída na Alemanha", frisou Dudenhöffer. "Nós temos que estabelecer metas de longo prazo para as tecnologias e expandi-las sistematicamente com a pesquisa nacional em universidades e institutos. Mas isso tem que ser estabelecido a longo prazo."

Lições do país do carvão

Embora a indústria automobilística na Alemanha invista pesadamente na eletromobilidade, criando alguns novos empregos no processo, a realidade é que muitos trabalhadores da indústria automobilística não encontrarão um lugar nessa nova ordem.

No entanto, um olhar retrospectivo sobre o que aconteceu quando as minas de carvão no estado da Renânia do Norte-Vestfália começaram a fechar nas décadas de 1950 e 1960 sugere que o quadro pode não ser tão sombrio quanto parece à primeira vista.

Em seu auge em 1957, cerca de 600 mil trabalhavam na mineração de carvão na Alemanha e, em uma década, mais da metade desses empregos desapareceu. Mas a poderosa lei alemã de co-determinação do emprego, ainda em vigor, fez com que os mineiros não fossem demitidos abruptamente e, dessa forma, não houve desemprego em massa e repentino. Assim, muitos se requalificaram ou se aposentaram antecipadamente.

A fabricação de automóveis não é o mesmo que mineração de carvão, mas não é mais fácil na Alemanha, em 2020, demitir trabalhadores contratados do que era em 1957. Para começar, é algo muito caro de se fazer e, mesmo que uma empresa esteja absolutamente determinada em demitir, muitas vezes ela precisa da aprovação dos próprios funcionários. Por exemplo, os representantes dos empregados têm poder de veto efetivo no Conselho de Supervisão da Volkswagen.

Isso não significa que não haverá menos empregos no setor automobilístico alemão até 2030. De acordo com o estudo Trabalhos de montagem na indústria automotiva: um desafio para os funcionários mais velhos, de 2013, a idade média dos trabalhadores na indústria automobilística alemã estava entre 40 e 48 anos naquela época.

Se, como é amplamente esperado, as novas contratações forem reduzidas ao mínimo para as montadoras de automóveis nos próximos anos, um grande número desses trabalhadores se aposentará e não precisará ser substituído até 2030. Se isso acontecer, a indústria não morrerá, mas evoluirá gradualmente para algo bem diferente do que é hoje.

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