1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Em baixa, bolsonarismo resiste em Santa Catarina

1 de outubro de 2022

No estado que deu quase 76% dos votos para Bolsonaro em 2018, popularidade do presidente segue em alta e quatro dos cinco principais candidatos a governador travam disputa paralela sobre quem é "mais bolsonarista".

Bolsonaro ao lado da esposa e apoiadores na  Marcha para Jesus em Camboriú
Em junho deste ano, Bolsonaro participou da Marcha para Jesus em CamboriúFoto: Alan Santos/PR

Para seu último ato de campanha no primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro (PL) não escolheu algum estado para tentar virar votos e reduzir a desvantagem em relação a Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em vez de algum grande colégio eleitoral do Sudeste – região que concentra 42% do eleitorado – ou algum estado do Nordeste – região em Lula tem mais 60% das intenções de voto, segundo as principais pesquisas –, Bolsonaro escolheu uma "zona de conforto" da direita: Santa Catarina, mais especificamente em Joinville, a maior cidade do estado.

Enquanto pesquisas em outros estados mostram que a esquerda está recuperando terreno em relação a 2018, indicando que a "onda de direita" daquele pleito não deve se repetir, Santa Catarina permanece como um reduto resiliente do bolsonarismo, contrastando até mesmo com seus vizinhos Paraná e Rio Grande do Sul.

Em 2018, Santa Catarina deu 65,8% dos votos válidos para Bolsonaro no primeiro turno, a maior proporção entre todos nos estados. Na segunda rodada, a porcentagem subiu 75,92%. Apenas o pequeno Acre, na região Norte, registrou uma proporção maior.

Joinville, palco do último ato de Bolsonaro nesta campanha, foi ainda mais longe: 83,18% do eleitorado local votou no ex-capitão no segundo turno daquele ano.

Em 2022, se dependesse apenas do eleitorado catarinense, Bolsonaro seria eleito mais uma vez – e já no primeiro turno de 2022. Pesquisa Ipec divulgada em 21 de setembro aponta que o presidente de extrema direita conta com 49% das intenções de voto totais no estado. Lula somou apenas 27% entre os catarinenses. Os números são praticamente o inverso da última pesquisa nacional do instituto, que aponta Lula com 48% das intenções e Bolsonaro com 31%.

Até a avaliação do governo Bolsonaro entre os catarinenses mostra um cenário invertido em relação ao total do país. No plano nacional, o governo Bolsonaro é avaliado como ruim/péssimo por 47% dos eleitores. No entanto, em Santa Catarina, 46% consideram o governo bom/ótimo, segundo o Ipec.

Com 5,5 milhões de eleitores, Santa Catarina concentra 3,5% do total nacional.

A disputa pelo posto de "mais bolsonarista"

Uma amostra da persistência da popularidade do presidente em Santa Catarina pode ser observada na disputa ao governo do estado: dos cinco candidatos mais bem colocados para conquistar o Executivo catarinense, quatro declaram apoio a Bolsonaro e travam uma corrida paralela para colar suas campanhas à imagem do presidente – uma disputa que já foi parar nos tribunais.

Juntos, esses quatro candidatos concentram quase 82% das intenções de votos válidos. O candidato apoiado por Lula, Décio Lima (PT), está empatado em quarto lugar, registrando 15% na última pesquisa Ipec.

O candidato do partido de Bolsonaro, o PL, é o senador Jorginho Mello, um político veterano, que iniciou sua carreira nos anos 1970 na antiga Arena, a legenda de sustentação civil da ditadura (1964-1985). Em 2012, como deputado, ele chegou a fazer parte da base de apoio de Dilma Rousseff, mas posteriormente votou pelo impeachment.

Sob Bolsonaro, ele ganhou destaque durante a CPI da Pandemia como um dos membros da "tropa de choque" do Planalto no colegiado. No momento, Jorginho lidera a disputa com 29%. Ele é seguido pelo atual governador, Carlos Moisés (Republicanos), que busca a reeleição e que conta com 23% das intenções de voto, segundo o Ipec.

Jorginho Mello é o candidato do partido de Bolsonaro, o PL, para o governo de SCFoto: Antonio Molina/Fotoarena/IMAGO

Um desconhecido até a eleição de 2018, quando disputou pela primeira vez um cargo eletivo, o bombeiro militar Moisés foi catapultado ao governo catarinense na mesma onda antipolítica de direita que elegeu Bolsonaro, graças a sua estratégia em colar sua imagem ao ex-capitão.

Mas a convivência entre Moisés e Bolsonaro nem sempre foi fácil e os dois logo romperam – a exemplo do que ocorreu com outro desconhecido que surfou no bolsonarismo: o ex-governador fluminense Wilson Witzel. Nos últimos dias, porém, a campanha de Moisés passou a estampar a imagem do governador ao lado do presidente.

Ele também tem feitos gestos para agradar o eleitorado armamentista, divulgando vídeos em que aparece praticando tiro. Santa Catarina é o estado com a maior proporção de clubes de tiro do país: 30 por grupo de 1 milhão de habitantes.

Outro candidato que também cola em Bolsonaro é o ex-governador e senador Espiridião Amin (PP), um veterano da direita catarinense, que busca um terceiro mandato à frente do Executivo estadual. Na última pesquisa Ipec, Amin somou 14%.

Além de divulgar fotos ao lado do presidente, Amin adotou como slogan de campanha "11 é Bolsonaro", em referência ao número eleitoral do PP .

O quarto candidato que procura explorar alguma ligação com o bolsonarismo é o ex-prefeito Gean Loureiro, político que costumava ser avesso a debates ideológicos e que bateu de frente com bolsonaristas ao implementar medidas de distanciamento quando comandou o Executivo de Florianópolis durante a pandemia.

Seu apoio ao presidente explícita como até mesmo candidatos catarinenses de partidos não alinhados ao presidente no plano nacional procuram beliscar a popularidade do bolsonarismo no estado.

Ao contrário de Jorginho, Moisés e Amin, Loureiro é filiado a um partido não coligado com Bolsonaro. Seu União Brasil tem candidata própria à Presidência – a senadora Soraya Thronicke –, mas ainda assim Loureiro vem apostando numa tática de "BolsoGean" e chegou a colocar sua imagem e a de Bolsonaro em materiais de campanha com o slogan "Esse é nosso time!". Ele somou 16% no último Ipec.

Loureiro ainda delegou a coordenação da sua campanha a João Rodrigues (PSD), um dos prefeitos mais bolsonaristas do país, que no comando do Executivo de Chapecó, no oeste catarinense, ganhou elogios do presidente por promover com entusiasmo o "tratamento precoce" em sua cidade durante a pandemia.

Mas a disputa pelo posto de "candidato mais bolsonarista" nem sempre é pacifica. Em agosto, Jorginho reclamou após Amin se encontrar com Bolsonaro em Brasília. "Tem gente forçando a barra, querendo pegar carona no prestígio eleitoral de Bolsonaro em Santa Catarina", disse. "Eu não quero colocar o Bolsonaro dentro da minha gaiola – que é o que alguns querem, ser dono do Bolsonaro", disse Amin em meio a troca de farpas com Jorginho.

A campanha de Jorginho também entrou na Justiça para impedir que o ex-prefeito Loureiro usasse a imagem de Bolsonaro em seus materiais e vídeos, argumentando que o partido do rival não faz parte da coligação que apoia o presidente. A Justiça aceitou a argumentação e barrou Loureiro de fazer a associação.

No entanto, a ação de Jorginho gerou reação negativa de ninguém menos que Bolsonaro, que censurou publicamente o senador. "Autorizamos todo mundo que quiser usar o meu nome, a minha fotografia, até na televisão a minha cara do lado, pra mim é muito bem-vindo, eu fico feliz com isso", disse o presidente após a ação.

Por que Santa Catarina pende para a direita?

Desde a redemocratização, Santa Catarina nunca elegeu um governo de esquerda. O mesmo cenário ocorre na capital, Florianópolis.

Em 1982, quando as eleições diretas para governador foram autorizadas pela ditadura, Santa Catarina foi um dos poucos estados fora da região Nordeste que não elegeu um chefe do Executivo da oposição, à época representada principalmente pelo PMDB. Em vez disso, elegeu Espiridião Amin, então no PDS, o nome repaginado da Arena.

O PT, partido que governou o Brasil por quatro mandatos, só venceu uma eleição presidencial no estado: 2002. À época, os catarinenses concederam a Lula a maior votação proporcional entre todos os estados no primeiro turno: 56,6%. Mas foi uma exceção, e em 2006 a maioria do eleitorado de Santa Catarina já havia voltado a pender para candidatos de centro-direita do PSDB.

Uma das razões que costumam ser evocadas políticos locais para explicar a tendência conservadora da maioria do eleitorado do estado é o "DNA imigrante". O estado tem um número significativo de pessoas com ascendência europeia, especialmente alemã e italiana.

No entanto, para o cientista político e professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Julian Borba o "mito do imigrante europeu" como fator principal do conservadorismo catarinense não é suficiente para explicar o comportamento da maioria do eleitorado local.

O Rio Grande do Sul, por exemplo, tem um histórico de imigração similar, mas já elegeu governos de esquerda. No momento, Lula e Bolsonaro estão tecnicamente empatados entre o eleitorado gaúcho, segundo o Ipec. No Paraná, outro estado com forte influência europeia, Bolsonaro ainda aparece à frente, mas Lula deve recuperar terreno em relação ao desempenho de Fernando Haddad em 2018, segundo pesquisas, numa proporção maior do que os números de Santa Catarina.

Segundo Borba a chave para a explicar a força do conservadorismo catarinense está na história política e a distribuição populacional do estado.

Durante uma boa parte do último século, a política catarinense foi dominada por grupos oligárquicos conservadores, com duas famílias se destacando: os Ramos e os Konder-Bornhausen. Entre o início do século e os anos 1990, membros desses clãs rivais governaram o estado em 12 ocasiões. A partir dos anos 1980, eles passaram a concorrer com outra família orientada à direita, os Amin.

"Todas essas linhagens familiares estruturam os principais partidos no estado. Então grupos de direita possuíam um forte enraizamento social anterior a Bolsonaro. Com a chegada de Bolsonaro ao poder, essa base social de direita que já existia passa a encontrar na figura do presidente uma âncora. Não é à toa que tantos candidatos passaram a apostar na coleta de dividendos do bolsonarismo", afirma Borba.

Para Borba, o segundo – e principal – fator para explicar a conformidade conservadora da maioria do eleitorado catarinense está na distribuição demográfica.

"É um estado sem grandes centros urbanos, como os estados de São Paulo e o Rio de Janeiro e Minas Gerais. A capital não é a maior cidade do estado. E a maior cidade do estado tem pouco menos de 600 mil habitantes. Essa dinâmica dificultou a formação de um operariado urbano e consequentemente a penetração de partidos mais à esquerda para que eles se tornassem mais enraizados socialmente. Isso explica muito mais e ajuda a entender mais do que a dinâmica da colonização", afirma.

"Uma discussão clássica no debate sobre comportamento eleitoral envolve conservadorismo social e político e a dinâmica demográfica. Ou seja, regiões rurais mostram atitudes sociais e políticas mais conservadoras pela falta do próprio ambiente urbano e o menor contato social. Santa Catarina ainda é um estado muito ligado a pequenos municípios, a maior parte com até 20 mil habitantes, e com uma população rural bastante significativa."

Um dos últimos fatores destacados por Borba são as características econômicas de Santa Catarina.

Atualmente o mais sólido reduto eleitoral de Lula no país, a região Nordeste possuía até 2002 um eleitorado que em sua maioria tendia a votar em candidatos de direita ou centro-direita, tanto para presidente quanto para os governos locais. O quadro mudou a partir da implementação de amplos programas sociais, que passaram a ser associados com o PT e fidelizaram o eleitorado local, especialmente o mais vulnerável.

Santa Catarina, por outro lado, era em 2018 o estado do país com a menor proporção de beneficiários do Bolsa Família, o carro-chefe das políticas sociais implementadas pelos governos nacionais do PT. Apenas 6% dos catarinenses recebiam o benefício naquele ano, enquanto todos os estados do Nordeste registravam proporções entre 31% e 48%.

"Apesar de Santa Catarina ter desigualdades regionais importantes, comparando com outras regiões, é um estado muita mais rico e com menos desigualdades sociais. Então o impacto que essas políticas tiveram foi menor. Já existia uma classe média anterior aos governos do PT", afirma Borba.

O bolsonarismo sem Bolsonaro tem futuro entre os catarinenses?

As pesquisas apontam que Bolsonaro deve ser derrotado por Lula na disputa a Presidência. Para o professor Borba, isso deve favorecer um realinhamento das elites partidárias e as figuras que disputam o governo do estado.

"Todos os quatro candidatos que estão mobilizados para pedir votos a Bolsonaro são conhecidos pelo pragmatismo. Loureiro bateu de frente com o bolsonarismo na prefeitura. Amin, embora sempre filiado a partidos de direita, nunca explicitou apoio à agenda bolsonarista e apoiou Lula. Jorginho Mello fazia parte da base Dilma. Carlos Moisés procurou se afastar de Bolsonaro nos primeiros anos de governo. Uma parcela dessa direita local é muito pragmática. Hoje eles estão com Bolsonaro, mas podem facilmente dependendo dos ventos podem aderir a outro projeto."

No entanto, segundo Borba, os últimos quatro anos mostraram que, mesmo sem Bolsonaro, ocorreu uma cristalização de uma direita verdadeiramente ideológica no estado, que ainda está concentrada em cargos mais baixos, como na Assembleia local e na Câmara. "Essa direita vai sobreviver sem Bolsonaro. Existe uma parcela do eleitorado que dá sustentação a isso, às pautas conservadoras e aos temas morais. Há um mercado, mas o crescimento vai depender muito de o governo Lula ter sucesso."

Pular a seção Mais sobre este assunto