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Em Berlim, uma feira de drogas a céu aberto

Nils Zimmermann (ca)21 de agosto de 2015

Diariamente, dezenas de vendedores, em grande parte imigrantes ilegais, oferecem maconha para os passantes do Görlitzer Park, um dos parques mais populares da capital alemã. Moradores da região parecem não se incomodar.

Foto: picture-alliance/dpa/K. Nietfeld

Um aglomerado de homens, a maioria deles imigrantes do oeste e norte da África e muitos em situação ilegal, se reúnem em pequenos grupos em torno dos muitos bancos do Görlitzer Park, em Berlim. E os olhares significativos, que trocam com passantes locais e turistas bem informados, dizem uma coisa só: "Quer maconha? Venha falar comigo."

O parque "Görli", como é conhecido pelos frequentadores da área, é um retângulo verde de 14 hectares no bairro berlinense de Kreuzberg, localizado onde antes havia um pátio de trens e um depósito de carvão. No início da década de 1990, ele foi transformado num oásis urbano. Hordas de moradores lotam os gramados em dias ensolarados para fazer piquenique.

Os projetistas do parque não esperavam por isso, mas seus bancos se tornaram lojas de drogas ilegais. Os moradores da região, no entanto, não parecem se incomodar com o fenômeno – um exemplo da cultura urbana liberal de Berlim.

Os vendedores vêm de culturas onde o plantio e o consumo de maconha é comum e amplamente aceito, mesmo que sejam, formalmente, ilegais. Mas o produto vendido no parque é proveniente da Europa, e alguns se dizem decepcionados com sua qualidade.

Abundância de bancos faz do Görlitzer Park lugar confortável para a venda de drogasFoto: DW/N. Zimmermann

"A maconha daqui não é a mesma que temos na África", explica Marwin*, um descolado músico poliglota da Guiné-Bissau. "A africana é muito mais forte."

À procura de amigos

Os varejistas do Görli tendem a se dividir por etnias. No dia da reportagem da DW, nas partes centrais do parque destacavam-se pessoas de Gâmbia e da Guiné-Bissau. Um grupo de marroquinos era elemento constante no banco da área noroeste do Görli, dominada por norte-africanos.

"A gente vem aqui para se encontrar com pessoas da nossa cultura, para falar nossas línguas e contar histórias", conta Marwin.

Diversos vendedores afirmaram não ter outra opção de emprego. Sem visto de residência, os imigrantes sem papéis não podem trabalhar. O risco de pesadas multas para quem emprega trabalhadores sem documentos desencoraja potenciais empregadores, conta o marroquino Ayoub.

"Todos nós esperamos encontrar mulheres com passaportes europeus para casar conosco", afirma Ayoub, enquanto os demais balançam a cabeça em sinal de anuência.

Uma vida na marginalidade

Ayoub e seus amigos não têm tido muita sorte com suas ambições matrimoniais. O mais velho do grupo já está na Europa há 23 anos; o outro, há 13, e Ayoub, há oito – e nenhum deles chegou a conseguir uma mulher europeia, documentos oficiais ou permissão de residência.

Anos atrás, eles entraram ilegalmente na Europa em contêineres, caminhões ou barcos. Desde então, não voltaram ao seu país natal. "Talvez não vamos poder mais retornar à Europa: a fronteira está mais apertada agora", diz Ayoub. "E no Marrocos não há trabalho, não há emprego", acrescenta um de seus amigos.

Famílias fazem piquenique a poucos metros do tráficoFoto: DW/N. Zimmermann

Também Marwin diz que havia pouco trabalho para que ele retornasse à Guiné-Bissau. "Todo africano aqui possui talvez dez familiares em casa dependendo de que ele envie algum dinheiro", relata.

Lidando com a polícia

No final do mês, não sobra muito dinheiro para os vendedores do Görli enviar para casa. "Ganhamos cerca de 20 ou 30 euros por dia vendendo por aqui, não mais do que isso", reclama Foday, um migrante de Gana. Ayoub apresenta estimativa similar. Embora a maconha seja vendida por 10 euros a grama, com tantos vendedores no Görli, a concorrência é dura e explica o baixo lucro dos varejistas.

A venda de maconha é ilegal na Alemanha, fato que não deverá sofrer alterações num futuro próximo. Para reduzir o risco de serem presos, os vendedores do Görli escondem o seu estoque na terra, em buracos pequenos e rasos, cavados em diversos lugares. E eles trabalham em equipe. Um porta-voz fala com os clientes, outros buscam os suprimentos ou ficam atentos às patrulhas policiais, que ocorrem diariamente.

O porta-voz da polícia de Berlim Jens Berger informa que 1.568 prisões foram feitas no Görlitzer Park entre 1° de janeiro e 20 de julho deste ano. Dessas, 1.159 foram por narcótráfico e 170 contra as leis de imigração. "Não praticamos nenhuma política de tolerar o comércio de drogas no parque", declara Berger. "Várias patrulhas passam por ali todos os dias. Se elas não são percebidas, é porque os policiais estão à paisana."

Polícia procura droga escondida na terraFoto: DW/N. Zimmermann

A droga mais popular da Europa depois do álcool, a maconha, é o produto mais vendido no Görli. Mas outras substâncias também estão à venda.

"Eles vendem todo tipo de coisa", relata uma policial apontando para diversos saquinhos plásticos guardados como provas no banco traseiro da viatura da polícia numa das entradas do parque. "Essas bolinhas são heroína. As coisas em forma de cone são metanfetamina. As pílulas azuis em formato de coração são de ecstasy." Ela pega então um saco com algumas gramas de um pó amarelo e diz: "Ainda não temos certeza sobre o que é isso."

Em uma hora de procura no chão do parque, a polícia encontrou mais de dez sacos plásticos com narcóticos. Durante a busca, a maioria dos vendedores não chega a sequer deixar o local – eles se distanciam, simplesmente, algumas centenas de metros, suspendem as operações de venda e esperam a partida da polícia.

Resultados modestos

Foday, Marwin e Ayoub, todos eles dizem que a polícia raramente coloca os vendedores de drogas sob custódia. "Se eles nos pegarem em posse [da droga], confiscam nosso dinheiro e todo o suprimento que temos conosco", disse Foday. "Depois dizem para gente desaparecer."

No caso de detenção, os policiais recolhem provas, incluindo drogas e o dinheiro que se presume ser a receita da venda, e escrevem um relatório de infração. Uma cópia desse relatório é dada à pessoa detida.

Policial mostra de pílulas de heroína e metanfetaminaFoto: DW/N. Zimmermann

O que acontece a seguir depende do Ministério Público, que pode decidir entrar ou não com uma queixa. Se a mesma pessoa é detida repetidamente, a probabilidade de acusação aumenta. Mas mesmo se a Justiça considerar um imigrante sem documentação culpado da venda ilegal de drogas e ordenar-lhe deixar o país, isso não significa necessariamente que ele vai cumprir tal ordem. Um dos marroquinos diz ter passado três meses na prisão pela venda de drogas. Ao sair, pediram que ele deixasse o país. Mas ele não o fez.

Ayoub e seus amigos estão em Berlim há anos, vivendo à margem da sociedade sem visto de permanência – e há pouca razão para achar que isso vai mudar.

"Estamos aqui todos os dias", disse Ayoub. "Estamos sempre por aqui."

*Todos os nomes desta reportagem foram alterados pela redação.

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