Em depoimento, Lula nega propina e diz que Palocci mentiu
13 de setembro de 2017
Ex-presidente chama ex-ministro Palocci, que o acusou de pactuar com a Odebrecht, de calculista, frio e simulador. Procuradora pede que Lula pare de chamá-lo de "querida".
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Em depoimento de pouco mais de duas horas ao juiz federal Sergio Moro nesta quarta-feira (13/09), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a negar as acusações contra ele e refutou as recentes alegações do ex-ministro Antonio Palocci de que teria feito um "pacto de sangue" com a empreiteira Odebrecht. "Eu vi o Palocci mentir aqui esta semana", disse.
O depoimento desta quarta-feira, referente a um terreno que serviria ao novo Instituto Lula e também ao apartamento de cobertura usado pelo ex-presidente em São Bernardo do Campo, foi prestado na sede da Justiça Federal, em Curitiba. Esta foi a segunda vez que Lula foi interrogado por Moro, responsável pelas investigações da Operação Lava Jato no Paraná. Desta vez, o ex-presidente depôs como réu em ação que investiga se ele recebeu propina da empreiteira Odebrecht.
"Eles [a força-tarefa da Lava Jato] inventaram que o triplex era meu porque O Globo disse e não é, o senhor sabe disso. Agora, inventaram que o apartamento é meu, e não é, e eles sabem disso. Como inventaram a história do sítio, que é meu, e não é. Ou seja, três denúncias do Ministério Público por ilação, porque eles têm a ideia de transformar o Lula no Power Point deles", afirmou, em alusão a uma apresentação da denúncia feita pelos procuradores da Lava Jato, na qual seu nome aparecia no centro de um esquema de corrupção.
Veja trechos do segundo depoimento de Lula a Sérgio Moro
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O ex-presidente também chamou Palocci de "calculista, frio e simulador" e negou que tenha feito qualquer tipo de acerto ilícito com a Odebrecht. Segundo Lula, o ex-ministro só citou seu nome para reduzir alguns anos de condenação. "Fiquei com pena disso."
"Parece que tem uma caça às bruxas. Eu tenho lidado com muita paciência. Eu vi o depoimento do Palocci, não respondi nada, não falei nada. Muita gente achou que eu ia chegar com muita raiva do Palocci. Eu acho que o Palocci tá preso há mais de um ano, o Palocci tem o direito de querer ser livre, tem o direito de querer ficar com o pouco do dinheiro que ele ganhou fazendo palestra, ele tem família. Tudo isso eu acho. O que não pode é se você não quer assumir a sua responsabilidade pelos fatos ilícitos que você fez, não jogue em cima dos outros", disse Lula.
Em depoimento a Moro, o ex-ministro afirmou que havia um "pacto de sangue" entre a empreiteira e o PT que incluía um pacote de propina. Esse suposto pacote envolvia presentes pessoais, palestras de R$ 200 mil pagas a Lula e uma reserva de R$ 300 milhões em vantagens indevidas que ficaram disponíveis para o ex-presidente e para campanhas eleitorais do partido. O terreno ao instituto estaria incluído nesse valor.
"Se ele [Palocci] fosse um objeto, seria um simulador", afirmou.
"Querida" e triplex
A chegada de Lula ao tribunal, pouco antes das 14h, foi marcada por um forte esquema de segurança na região, a fim de evitar confrontos entre manifestantes a favor e contra o ex-presidente. Dezenas de simpatizantes vestidos com camisas vermelhas fizeram um cordão de isolamento para proteger o ex-presidente.
Durante o depoimento, Lula chamou a procuradora Isabel Cristina Groba Vieira de "querida" diversas vezes. Ela pediu que ele parasse de usar o termo e se referisse a ela pelo "tratamento protocolar devido". O ex-presidente começou, então, a chamar a procuradora de doutora.
O termo "querida" foi usado por Lula para se referir à ex-presidente Dilma Rousseff num áudio divulgado por Moro no ano passado. Na conversa telefônica entre os dois petistas, ambos falam sobre o termo de posse de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma, que segundo o ex-presidente, deveria ser usado somente "em caso de necessidade".
Atualmente, Lula enfrenta cinco processos e já foicondenado em primeira instância por Moro por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em relação à compra de um triplex do Guarujá, tema do primeiro depoimento prestado a Moro. A ação envolvendo o apartamento foi motivo de troca de farpas entre Lula e Moro nesta quarta-feira. Um trecho do diálogo:
- Lula:"Vou chegar em casa amanhã e almoçar com oito netos e uma bisneta de seis meses. Eu posso olhar na cara dos meus filhos e dizer que vim a Curitiba prestar depoimento a um juiz imparcial?"
- Moro: "Tudo bem. Primeiro que não cabe ao senhor fazer essa pergunta a mim. Mas, de todo modo, sim."
- Lula: "Porque não foi o procedimento na outra ação [do triplex]. Não foi."
- Moro: "Não vou discutir a outra ação com o senhor, senhor ex-presidente. Se fôssemos discutir a outra ação aqui, a minha convicção é que o senhor foi culpado [...] Se nós fôssemos discutir aqui, não seria bom para o senhor."
IP/ots/efe
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
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As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
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Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.