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Em favela do Rio, medo e ceticismo por "snipers"

13 de novembro de 2018

No estado onde operações policiais levam a 16 mortes em média por semana, o governador eleito trata execuções sumárias como estratégia de segurança pública. Moradores de uma das comunidades mais violentas estão céticos.

Brasilien Favela Maré Rio de Janeiro
Foto: Getty Images/AFP/V. Almeida

Quando começaram os tiros, Sandra* não pensou duas vezes: pegou o filho e se trancou no quarto, no andar de cima da casa. Ela não havia feito nada – muito menos a criança, de apenas três anos. Mas tinha medo mesmo assim.

"Fiquei com medo de um policial entrar e eu ser pega desprevenida com meu filho. Pensei que, se alguém arrombasse a porta da entrada, com a porta do quarto trancada, eu teria tempo de avisar que havia criança lá dentro."

Era madrugada de quarta-feira (07/11), e a polícia havia acabado de iniciar uma operação no bairro da Maré, que reúne 17 favelas habitadas por 130 mil moradores, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

A operação se estendeu até o fim da manhã, cinco pessoas morreram. Entre elas, Maria José Videira, de 34 anos, sem histórico criminal, atingida por disparos quando saiu para comprar um lanche. Ela foi socorrida pelos próprios moradores, que usaram um carrinho de mão para levá-la até uma ambulância fora da comunidade.

Outras oito pessoas foram atingidas, como o cantor MC Rodson. Ele tinha saído para passear com o cachorro quando foi baleado no tórax. Após passar por cirurgia, seu estado de saúde foi estabilizado. Uma de suas músicas mais famosas pede paz na comunidade e defende que a favela seja lugar de "alegria para crianças".

Do quarto de sua casa num beco próximo a uma biblioteca popular, Sandra, que é teóloga e educadora, só ouvia os tiros. "É uma sensação muito ruim, de indignação, confinamento, insegurança", diz a mãe, de 35 anos.

O governador eleito do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, tem defendido posições polêmicas no combate ao crime organizado. Ele já afirmou, por exemplo, que não faltariam lugares para alocar criminosos no estado. "Cova a gente cava, e presídio, se precisar, a gente bota navio em alto mar", disse durante a campanha.

Após a vitória eleitoral, ele não moderou o discurso e declarou que treinaria snipers (atiradores de elite) para "abater" criminosos com fuzil. "A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... fogo! Para não ter erro", disse, posteriormente, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo.

Em reunião com o senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL) no início de novembro, ficou programada uma viagem a Israel com o objetivo de conhecer um drone equipado com arma utilizado por forças israelenses em ações na fronteira com os territórios palestinos. A ideia é avaliar a incorporação do armamento ao aparato repressivo da Polícia Militar no Rio.

As declarações de Witzel vêm preocupando moradores de favelas do Rio, alvos de constantes operações de combate ao tráfico de drogas. Com os confrontos entre agentes policiais e traficantes, envolvendo armamento pesado, a população fica exposta a trocas de tiros, e são recorrentes as mortes de moradores que ficam no fogo cruzado.

"A segurança pública não pode ser vista de cima para baixo, como aconteceu com as UPPs. Não dá certo. O ideal é que toda a sociedade possa participar dessa construção. É mais do que polícia: envolve justiça, não pode haver tratamento diferenciado", diz Rodrigo*, de 44 anos, também morador da Maré.

O receio de moradores dessas regiões é que as ações ostensivas policiais se intensifiquem na gestão do novo governador, de forma ainda mais truculenta, caso as medidas sinalizadas por ele se concretizem.

Rodrigo lembra que a política defendida por Witzel para a segurança pública conta com apoio do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL). "Ele já manifestou o desejo de metralhar a Rocinha. A política deles é contra os pobres. Tem um pensamento histórico de que os pobres são todos vagabundos. É uma pena que o futuro governador continue na linha de distância dos favelados", lamenta.

De acordo com dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), Anistia Internacional e outros relatórios da sociedade civil, entre 1997 e 2017, o estado do Rio teve 16.742 mortes decorrentes de intervenção policial – uma média de 837 por ano e 16 por semana. Além disso, dos 100 dias letivos até julho do ano passado, em 93, as aulas na rede municipal do Rio foram interrompidas em ao menos uma escola em razão de casos de violência.

A socióloga Silvia Ramos, coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), afirma que esse tipo de ação repressiva leva, inevitavelmente, a um agravamento do quadro de violência. Ela também lembra que não há precedentes, em nível global, de redução das mortes por uma política de segurança voltada ao assassinato de criminosos.

"Quando os policiais adotam essa conduta, há um aumento dos confrontos, e a primeira reação dos criminosos passa a ser atirar. Essa opção traria um aumento automático das mortes de pessoas que não estão diretamente envolvidas nos confrontos e de tiroteios em áreas próximas a escolas e postos de saúde, com decorrências muito dramáticas para a população do Rio", avalia.

A coordenadora do CESeC considera que as declarações feitas pelo governador eleito até agora têm um fundo midiático. Um plano de segurança mais amplo ainda não foi apresentado.

"Tecnicamente, minha impressão é que o governador está perdido e não tem um programa para a área de Segurança Pública. Enquanto ele estuda o que vai fazer, a ausência de programas está sendo preenchida com declarações chocantes, de forte apelo popular, que tendem a demonstrar que ele tem muita firmeza. Ele sabe que essa ideia de fazer a polícia assassinar pessoas à distância é uma ação ilegal e inconstitucional", argumenta.

A Anistia Internacional, ONG ligada à defesa dos direitos humanos, emitiu posicionamento criticando as declarações do governador eleito no Rio. A organização afirma que a autorização prévia a policiais e militares para matar pessoas que estiverem armadas, sem que haja de fato um risco iminente à vida, representa uma afronta à legislação internacional.

"Violência armada se combate com ações estratégicas de inteligência, investigação, prevenção, e maior controle de circulação de armas de fogo. Autorizar previamente os policiais e as forças de segurança a atuarem de forma ilegal, violenta e violando direitos humanos só resultará em uma escalada da violência e colocará em risco a vida de centenas de milhares de pessoas, inclusive os próprios agentes da segurança pública", diz a nota.

Sandra diz que "licença para matar" a polícia já tem hoje nas favelas. A moradora da Maré teme que a política do governador eleito sirva apenas para colocar os moradores da região em mais situações de risco.

"O Brasil tem uma pena de morte tácita. Só vale para pobre, preto e favelado morrer. Meu filho é pequeno hoje, mas vai ser um adolescente, e temo por ele. Na verdade, fico apavorada", afirma. "Se matar resolvesse, não tinha mais crime. Eu sei que na Maré não tem fábrica de armas nem de drogas, elas vêm de algum lugar. Impedir que chegassem aqui seria o certo".

* Nomes alterados pela redação

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