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Em Lampedusa, papa deixa mensagem política à Europa

Stefan Dege (ca)8 de julho de 2013

Com a escolha da ilha italiana, porta de entrada de refugiados, Francisco usa sua primeira viagem oficial para enviar crítica sutil à política migratória europeia e condena "globalização da indiferença”.

Foto: AFP/Getty Images

Antes de viajar a Lampedusa, o papa Francisco disse que queria uma recepção discreta – sua primeira viagem oficial para fora do Vaticano deveria ser coerente com as palavras que vem pregando nestes primeiros meses de pontificado. Mas, ao desembarcar nesta segunda-feira (08/07) na ilha italiana, ele provocou exatamente o contrário – um alvoroço de organizações de ajuda humanitárias, imprensa e refugiados.

Francisco chegou a Lampedusa pela manhã e, depois de rezar por alguns minutos, lançou ao mar uma coroa com flores brancas e amarelas – uma homenagem aos migrantes que morreram na travessia do Mediterrâneo. Em suas primeiras declarações, criticou a "globalização da indiferença”.

"Rezo por vocês e também pelos que não estão aqui", disse o papa, que cumprimentou um grupo de imigrantes ilegais – cristão e muçulmanos – que chegaram nos últimos dias em barcos de refugiados à ilha. "A ilusão do insignificante nos leva à indiferença em relação aos outos, nos leva à globalização da indiferença."

Com a sua primeira viagem pastoral fora de Roma, o papa Francisco colocou o dedo numa ferida. Para o padre Frido Pflüger, diretor da sucursal alemã do Serviço Jesuíta de Refugiados (SJR), há um "forte apelo" aos países do norte da Europa na visita do pontífice a Lampedusa.

"Eles devem ver que têm obrigações frente aos refugiados. E que eles simplesmente não podem dizer: ‘nós empurramos o problema para a fronteira e pronto'", disse Pflüger, que vê em Lampedusa o símbolo das tensões entre o Sul pobre e o Norte rico. "Pessoas que não aguentam mais a ditadura e a violência fogem para cá, pessoas que anseiam por uma vida em paz, segurança e dignidade."

O Serviço Jesuíta de Refugiados critica há tempos a política migratória da União Europeia. Em relatório recente, apontou que as chances de os requerentes de abrigo encontrarem proteção na Europa pioraram e retardaram significantemente através das normas de competência intergovernamentais "Dublin II".

Barco do papa Francisco foi acompanhado por pescadores em sua chegada à LampedusaFoto: AFP/Getty Images

O relatório se baseou em entrevistas com 257 requerentes de asilo, afetados diretamente por esse processo, em nove países-membros da UE. Muitos cidadãos do sul da Europa veem no chamado Regulamento Dublin II uma divisão desigual das incumbências, já que atribui a obrigação de lidar com os pedidos somente aos países de chegada. Dessa forma, da Grécia à Espanha, políticos justificam a extradição dos refugiados em processos rápidos.

Uma decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos contra a Itália, no ano passado, proíbe que os barcos dos refugiados sejam reenviados pela Guarda Costeira a países instáveis como a Líbia. "Falamos sempre de forma tão leviana sobre migrantes econômicos, como se alguém viesse para a Europa somente devido a uma vida melhor", diz Pflüger. "Mas, para a maioria, trata-se de uma questão de sobrevivência."

Solidariedade católica com refugiados

Günter Burghardt, diretor da ONG alemã Pro Asyl, avaliou a visita do papa a Lampedusa como um "importante sinal político". Segundo ele, a Europa estaria se fechando frente aos refugiados. No ano passado, milhares deles teriam morrido no mar, e apenas um número relativamente pequeno teria chegado à Europa.

"A realidade é que ainda estamos a quilômetros de distância de um direito de asilo na Europa, no qual todos os Estados assumiriam a responsabilidade pelo acolhimento de refugiados. O responsável ainda é o país que permite a entrada do refugiado", diz Burghardt.

Para ele, com sua viagem, o papa Francisco coloca apenas uma nova ênfase na política de refugiados da Igreja Católica: "Nós constatamos que em todos os setores da Igreja Católica há uma grande solidariedade com os refugiados. Isso se aplica tanto às paróquias na Alemanha ou em outros países quanto, em nível nacional, à Conferência dos Bispos da Alemanha, que se engaja pelos refugiados no país. E também se aplica ao Vaticano, em minha opinião, quase independentemente da questão de quem seja o papa."

Oliver Müller, diretor da organização de ajuda humanitária Caritas Internacional, diz que é difícil falar de uma política de refugiados do Vaticano. "Eu não posso ver isso". De qualquer forma, prossegue, existe uma tradição de ensinamentos escritos, de publicações papais como também de diferentes conferências episcopais, que haviam se manifestado sobre o assunto e que já lembraram os respectivos interlocutores ou os governos nacionais de suas obrigações éticas.

Apesar de não ter desejado recepção festiva, centenas de pessoas esperavam pelo papa em sua chegadaFoto: AFP/Getty Images

O diretor da Caritas disse que "isso me parece ser muito consistente: Igreja e organizações católicas sempre foram uma voz de advertência, mesmo quando encontram pouca ressonância, na luta pelos direitos dos refugiados." O papa Francisco deixou claro, disse Müller, que a construção de muros e cancelas não constitui a solução dos problemas dos refugiados mundiais.

Antes do papa Francisco, Bento 16 já havia dado atenção ao sofrimento dos refugiados. Em mensagem por ocasião do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado em 2012, ele escreveu: "Os refugiados, que pedem asilo e que fugiram da perseguição, violência e situações de risco de vida, precisam de nossa compreensão e acolhimento, do respeito por sua dignidade e direitos."

O papa Bento 16 havia exigido dos políticos que fossem responsáveis "pela implantação concreta da solidariedade", também por meio de estruturas adequadas de acolhimento e planos de reassentamento."Isso inclui também a ajuda mútua entre as regiões sofredoras e aqueles, que já acolhem há anos pessoas refugiadas, como também uma maior responsabilidade por parte dos Estados”, disse Bento 16.

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