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Em Liège, líderes lembram que Europa tem dever diante de atuais conflitos

Christoph Hasselbach (pv)4 de agosto de 2014

Chefes de Estado de França, Alemanha e Bélgica relembram início da Primeira Guerra, há cem anos, enaltecem Europa pacífica e unida e dizem que continente não pode ser neutro diante de violência em outras partes do mundo.

Da esquerda para a direita, o príncipe William, sua esposa Kate, o presidente francês Hollande e o alemão GauckFoto: Reuters

"É possível ver William e Kate daqui?", perguntou uma moradora de Liège, que, junto com uma amiga, aguardava na cerca do Memorial dos Aliados, símbolo do reconhecimento à resistência dos belgas à invasão alemã em 1914.

Mas ela segurou a máquina fotográfica em vão. A cerimônia que lembrou o início de fato da Primeira Guerra Mundial ocorreu do outro lado da estreita torre branca do memorial. Muitos espectadores vieram para ver o príncipe e sua mulher, que representaram o Reino Unido na cerimônia.

O Reino Unido foi uma das potências que em 1914 tinham a incumbência de garantir a neutralidade da Bélgica. Por isso o rei da Bélgica, Philippe, convidou para o evento central em Liège os britânicos, assim como o presidente da França, François Hollande, o rei da Espanha, Felipe 6º, e o presidente alemão, Joachim Gauck.

O rei belga agradeceu aos aliados por seu apoio na guerra, e também pela assistência e o suprimento à população nos momentos mais difíceis do conflito.

"Manter viva a pequena e corajosa Bélgica foi um esforço humanitário sem precedentes", disse o rei com o olhar direcionado para os alimentos enviados por Estados Unidos, Reino Unido e Canadá. "Hoje temos uma Europa pacífica e unida. Isto não passava de um sonho para os nossos avós. Precisamos continuar trabalhando neste aspecto"

O rei Philippe discursou ao pé do memorial onde os chefes de Estado depositaram uma coroa de rosas brancas – montada à mão pelos próprios políticos, momentos antes.

De frente para uma coroa de rosas, o rei Philippe da Bélgica reverencia os mortos na Primeira Guerra MundialFoto: Getty Images

A paz como responsabilidade

Gauck declarou estar grato de que ele, como alemão, tenha a oportunidade de discursar em Liège – isso, afirmou, não é algo óbvio e natural. "Agradeço a todos os belgas por, depois de duas guerras, duas invasões em seu país e todas as atrocidades e miséria, nos estenderem tão rapidamente a mão da reconciliação. Essa guerra começou no leste europeu, e a invasão alemã na declarada neutra Bélgica é injustificável", afirmou.

Diante de representantes de cerca de 80 países e organizações internacionais, o chefe de Estado alemão destacou que a velha Europa é hoje um continente pacífico. E, dessa forma, os europeus tem responsabilidade em relação aos atuais conflitos no mundo.

"Paz e conciliação é possível. De um continente repleto de inimizades e com constantes novas guerras, surgiu um continente pacífico. Mas esse testemunho deveria nos lembrar que nós compartilhamos uma responsabilidade para com o mundo", disse Gauck. "Não podemos ficar indiferentes quando os direitos humanos são desprezados, quando há ameaça ou uso da violência. Precisamos defender ativamente a liberdade e o direito por esclarecimento, justiça e humanidade."

François Hollande também incluiu conflitos atuais em seu discurso, mas foi mais incisivo: "Não podemos simplesmente ser os guardiões da paz e não podemos apenas realizar o culto da memória. Nós temos responsabilidades. A Europa não pode manter a postura neutra quando um avião civil é abatido na Ucrânia e a integridade territorial do país é ameaçada", exigiu o presidente francês, citando ainda Iraque, Síria e Faixa de Gaza.

"Paz e conciliação é possível. De um continente repleto de inimizades e com constantes novas guerras, surgiu um continente pacífico", disse GauckFoto: picture-alliance/dpa

O presidente da França recordou ainda que 210 mil soldados franceses perderam suas vidas em território belga e que a reconciliação europeia "parecia ser uma ideia insana" depois de 1945. Mas a guerra, destacou Hollande, "era ainda mais insana".

O príncipe William seguiu a linha e usou o conflito no leste ucraniano para salientar "como a paz é frágil, até mesmo na Europa – "hoje nós somos amigos e aliados", afirmou. Além disso, ele elogiou a bravura dos belgas em defender o seu próprio país na Primeira Guerra, o que deu aos aliados o tempo necessário para se organizar: "Os seus grandes sacrifícios e sua contribuição foram essenciais para a vitória final."

A cerimônia foi encerrada com o hino da Europa, a última estrofe da Nona Sinfonia de Ludwig van Beethoven, cantada por um coro juvenil todo vestido de branco. Já os moradores de Liège e o público em geral assistiram à apresentação militar apenas pela televisão.

Bélgica realizou resistência heroica

No dia 4 de agosto de 1914, as tropas alemãs cruzaram a fronteira belga. O país declarado neutro na guerra havia negado a passagem para os alemães até a França. Na época, Liège era protegida por 12 fortes. O Exército belga era inferior numericamente, mas Liège surpreendentemente conseguiu resistir por alguns dias, o que atualmente é celebrado como ato heroico na Bélgica. O Exército alemão utilizou pela primeira vez a "Grande Bertha", um canhão com um calibre de 42 centímetros, e um dirigível para atacar a cidade.

Memorial dos Aliados, localizado em Liège, relembra o início da Primeira Guerra MundialFoto: DW/Bernd Riegert

No final de agosto de 1914, sucumbiu a última cidade grande da Bélgica, a Antuérpia. O avanço das tropas alemãs foi interrompido somente na região de Flandres Ocidental, no rio Yser. Eclodiu então uma longa batalha de trincheira entre as forças aliadas e as tropas alemãs, na qual também gases tóxicos foram utilizados.

Por quatro anos, a população belga sofreu com a brutal ocupação alemã. O então rei belga, Albert – um parente do então imperador alemão – liderou as restantes tropas belgas nas batalhas em Flandres Ocidental. Por isso, ele é até hoje reverenciado pelo povo belga.

"Esta batalha defensiva foi decisiva e praticamente garantiu a continuidade da existência do Estado belga", diz o historiador belga Herbert Ruland.

Recordar com festa popular e café gelado

Gauck visitou a cidade de Lovaina, onde tropas alemãs incendiaram a insubstituível biblioteca da universidade. No final de agosto de 1914, uma grande parte da cidade medieval foi destruída pelas forças de ocupação em retaliação aos supostos ataques da resistência belga.

Na Praça Lambert, em frente ao palácio do antigo príncipe-bispo, a cidade de Liège instalou diversas colunas com a palavra "paz" em várias línguas. Placas de exposição e obras de arte relembram os acontecimentos de cem anos atrás. Concertos musicais e desfiles de moda da época dão uma ideia de como era Liège no verão que antecedeu o início da Primeira Guerra Mundial.

Uma exposição na Praça Lambert, em Liège, mostra os traços da guerra deixados na cidade belgaFoto: DW/Bernd Riegert

Os belgas e turistas puderam também ver a realeza belga. Philippe apareceu na varanda do palácio, porém sem William e Kate. Os membros da família real britânica já tinham seguido viagem até Mons, para lá participar de uma cerimônia em um cemitério de soldados britânicos.

Nas imediações da Praça Lambert, Thierry Marée servia aos visitantes em seu estabelecimento o mundialmente famoso "Café Liegeois", um café gelado com sabor de baunilha.

Ele lembra que os moradores de Liège costumam contar que, até o início da guerra, em 1914, a bebida tinha na Bélgica e na França o nome de Café de Viena. Mas como não se queria mais ter relações com a Áustria – um dos aliados da Alemanha – os proprietários de cafés e restaurantes simplesmente trocaram o nome da capital austríaca por Liège. E o nome da especialidade se manteve, mesmo cem anos depois.

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