1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Em nome do "povo": o que é populismo?

Volker Wagener av
23 de fevereiro de 2017

A promessa é soluções simples e do retorno a uma sociedade homogênea, apresentando bodes expiatórios fáceis: como líderes populistas em ascensão pelo mundo se nutrem dos medos e inseguranças em seu país.

Vitória da Frente Nacional na França seria perda dramática para democracia na União Europeia
Eventual vitória da Frente Nacional na França seria perda dramática para democracia na União EuropeiaFoto: Reuters/R. Prata

O dicionário Duden define populismo (do latim populus) como "política oportunista que procura conquistar a simpatia das massas". Além disso, prossegue a bíblia ortográfica da língua alemã, populismo é um termo de luta na política, com que se acusa o adversário de declarações ou ações excessivamente populares.

Os populistas pretendem falar em interesse "do povo", o que já indica uma postura de oposição à elite. No entanto, quem é "o povo"?

"O povo" versus "o povo"

O slogan "Nós somos o povo!" marcou em 1989 as passeatas de segunda-feira, que precipitaram a do queda regime comunista da Alemanha Oriental. Hoje, porém, ele tem conotações bem diversas.

Enquanto "o povo" conquistou status de herói coletivo após o colapso da República Democrática Alemã (RDA), atualmente desperta medo esse "povo" que vota no partido populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD) e pelo Brexit, elege Donald Trump e em breve poderá transformar a ultradireitista Marine Le Pen em presidente da França.

Quando os populistas falam do "povo", estão na verdade se referindo exclusivamente a seus seguidores. Ou, como formulou o britânico Nigel Farage, ex-chefe da legenda Ukip, "the real people": os 52% que votaram a favor da saída do Reino Unido da União Europeia. Para o populista, os outros 48% sequer fazem parte do povo "de verdade".

Com outras palavras, também o presidente americano, Donald Trump, repetidamente divide o povo entre "o bom" e "o desimportante". Na Polônia, o presidente do partido governista PiS, Jaroslaw Kaczynski, chegou a tachar os oposicionistas de "poloneses do pior tipo".

Os populistas rejeitam qualquer discurso com resultado aberto, pois já conhecem a resposta "certa". E agem como se tivessem o direito moral exclusivo de representar o país. Em 2002, o chefe de governo húngaro, Viktor Orbán, já dava um exemplo dessa mentalidade: diante da inesperada derrota de seu partido, o Fidesz, ele comentou que não era possível a nação inteira estar na oposição.

Passeata do Pegida em Dresden contra a imigraçãoFoto: picture-alliance/dpa/O. Killing

Por um mundo simples

Embora desde os anos 1990 a ciência se ocupe de perto do fenômeno do populismo, só recentemente seus resultados vêm recebendo atenção. Em face da vertiginosa transformação da antiga ordem política, o publicista Albrecht von Lucke crê que esteja ocorrendo uma contrarrevolução, praticamente em escala mundial.

Para ele, o conflito central é entre os representantes de uma sociedade aberta a mudanças e os protagonistas de uma cultural radical do cerceamento e exclusão, os quais prometem, no fim, o retorno a uma sociedade homogênea.

Além disso, os populistas prometem um mundo mais simples, negando a complexidade do processo político democrático, diagnostica o cientista político Peter Graf Kielmansegg. Soluções simples são sua marca registrada, a suposta resposta a um mundo complicado, em que as velhas certezas não mais existem, sobretudo no mundo do trabalho.

Precariedade emergente

Como indicam as pesquisas de intenção de voto em quase toda a Europa, grande parte da classe operária industrial voltou as costas aos partidos socialistas e social-democratas, tendendo agora para a direita. Seja nos Estados Unidos, Polônia ou Hungria, os trabalhadores – até mesmo os sindicalizados – há muito passaram a votar nos partidos nacionalistas.

Uma causa dessa reorientação radical é a desregulamentação dos mercados de trabalhos e a resultante emergência de um setor de baixos salários. A consequência são milhões de empregos precários, que não permitem aos afetados ganhar mais do que o que o necessário para subsistir.

Diante de tanta carência – tanto objetiva como, acima de tudo, subjetiva – procuram-se bodes expiatórios: a política, as elites, a mídia – e os estrangeiros. É a nova sociedade do declínio social que arrisca uma revolta tendo seu voto como arma.

Nem advertências, protestos ou humor bastaram até agora para deter o avanço de TrumpFoto: S. Elkin

Retorno a um passado desconhecido

Ninguém descreveu essas circunstâncias melhor do que o francês Didier Eribon no romance Retour à Reims  (Retorno a Reims), de 2009. Em sua narrativa biográfica, o filósofo e sociólogo visita sua cidade natal depois de 20 anos vivendo em Paris, e registra, entre a família, os velhos amigos, os vizinhos, uma transformação dramática do clima espiritual, do senso de grupo.

Trabalhadores que votam no Partido Comunista são a minoria, a ultradireitista Frente Nacional é a legenda dominante; a solidariedade com os companheiros de trabalho estrangeiros é quase nula. "O que sempre se pensara, é agora dito, em tom alto e ameaçador", resume Eribon.

O clima em Reims se tornou hostil, os excluídos da sociedade se levantam e exigem uma igualdade brutal, "como se quisessem se vingar pela vida boa dos outros", segundo descreveu um resenhista.

O que é populismo?

00:41

This browser does not support the video element.

E Reims está por toda parte: no Rust Belt do nordeste americano, nas antigas regiões industriais do centro e norte da Inglaterra, e também – não só – no leste da Alemanha. Já há algum tempo os sociólogos identificaram o tipo humano predisposto ao populismo: do sexo masculino, alemão oriental, com mais de 50 anos e bastante instruído.

Com 20 e poucos anos na época da queda do Estado comunista da RDA, esse indivíduo era velho demais para um radical recomeço profissional ou de formação. Incapaz de se adaptar às novas condições políticas e econômicas do capitalismo, ele ficou para trás, pelo menos das próprias expectativas: uma existência frustrada, que agora se expressa através de xenofobia e da associação à AfD.

"Por que me ufano de ser..."

Quem pensa assim, busca uma nova "terra natal": a nação. Está em alta a redescoberta da identidade nacional como sinal de superioridade diante dos demais, como espaço protetor para a realização do próprio potencial, supostamente sacrificado em meio à concorrência global.

O fenômeno ocorre na Polônia, na Hungria, mas sobretudo nos EUA de Donald Trump. A ênfase exagerada na própria nação ("great again") não hesita diante do fechamento de fronteiras, do protecionismo econômico e de um clima de perigo para os estrangeiros.

Além disso, os partidos populistas desabonam todo tipo de aliança supranacional: a "salada de letrinhas – ONU, Otan, UE – e suas décadas de conquistas no nivelamento de conflitos e de interesses interestatais é alvo preferencial dos ataques dos populistas. Se depender deles, é a nação que se ufana de si mesma.

Pular a seção Mais sobre este assunto

Mais sobre este assunto

Mostrar mais conteúdo