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Nas urnas, Chile decide se abandona Constituição da ditadura

25 de outubro de 2020

Um ano após início dos intensos protestos por mais igualdade social, chilenos votam sobre nova Carta Magna. Texto atual foi redigido ainda durante a era Pinochet.

Pessoas protestam na rua, segurando bandeiras
Protestos que começaram em outubro de 2019 vêm reivindicando uma nova Carta MagnaFoto: Ivan Alvarado/Reuters

Pouco mais de um ano após oinício dos protestos massivos por mais igualdade social no Chile, os eleitores chilenos vão às urnas neste domingo (25/10) para votar em um plebiscito sobre uma nova Constituição.

O texto atual, de 1980, foi elaborado ainda na ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990), e é visto por grande parte da população como base das desigualdades gritantes do país, por promover a privatização dos serviços básicos.

Cerca de 14,5 milhões de chilenos estão aptos a votar. O grande desafio, porém, é que eles compareçam às urnas em meio à pandemia de covid-19. Também deve-se levar em conta a baixa participação dos cidadãos do país em processos eleitorais: no Chile, nenhum pleito ultrapassou 50% de participação desde que o voto deixou de ser obrigatório, em 2012.  

Além de votar "sim" ou "não" para uma nova Constituição, os eleitores também decidirão se o texto deve ser redigido por uma convenção constitucional de cidadãos especialmente eleitos ou por uma convenção mista de legisladores e cidadãos, ou seja, com a participação de parlamentares.

Se o "sim" à reforma vencer, como apontam as pesquisas, a eleição dos membros do futuro órgão será realizada em abril de 2021. Por sua vez, o texto da nova Constituição, que deverá estar pronta em no máximo um ano, será ratificado nas urnas, com voto obrigatório.

Na quinta-feira à noite, antes do toque de recolher imposto devido à pandemia de covid-19, os partidários favoráveis e contrários à mudança encerraram suas campanhas.

Importante reivindicação

Uma nova Constituição é uma das principais reivindicações dos manifestantes envolvidos em protestos sociais sem precedentes que eclodiram em outubro do ano passado por causa da desigualdade social no Chile.

Os protestos, os maiores desde a redemocratização do país, em 1990, começaram em 14 de outubro de 2019, inicialmente contra o aumento da passagem do transporte público. Mas as manifestações logo passaram a abraçar também outras demandas.

O descontentamento se traduziu em panelaços, saques, destruição de estações de trens metropolitanos e queimas de ônibus, supermercados e outros edifícios na capital, Santiago, e em outras cidades do país. Pelo menos 30 pessoas morreram durante os protestos.

Para aqueles que apoiam a mudança do texto, principalmente os partidos de oposição de esquerda, uma nova Constituição permitiria uma ordem social mais justa e expandiria o papel do Estado em fornecer uma rede de segurança e bem-estar.

Os contrários a uma nova Constituição, por outro lado, acreditam que os problemas do Chile se resolveriam com novas leis, e argumentam que a última coisa de que o país precisa neste momento é uma "página em branco" que gere incertezas e desencoraje investimentos.

Alguns conservadores rejeitam a mudança proposta, argumentando que a Constituição em vigor foi a chave para décadas de crescimento econômico e estabilidade no Chile.

A oposição de esquerda é um bloco a favor da mudança constitucional, enquanto os quatro partidos de direita que compõem a coalizão de governo estão divididos. O ultraconservador UDI é o maior defensor do "não".

Prós e contras

Alejandro Werner, diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Hemisfério Ocidental, disse na quinta-feira que o processo pode anunciar "uma nova era em que os principais elementos que geraram a história de sucesso do Chile sejam mantidos em termos de crescimento econômico, mas complementados por uma agenda de inclusão social".

O lado negativo, segundo ele, seria "uma multiplicidade de políticas sociais sem suporte macroeconômico".

Cristobal Bellolio, comentarista político que defende um novo texto, afirma que ele garantiria que as "impressões digitais da nação", e não as de uma pequena elite, estivessem em seu livro de regras.

A preocupação dele, porém, é que alguns podem esperar que um novo esboço possa transformar o Chile em um Estado de bem-estar social benevolente da noite para o dia. "Tenho a sensação de que muitas pessoas estão pensando na Constituição como um programa do governo", explicou.

A Constituição atual foi redigida por Jaime Guzman, conselheiro próximo a Pinochet, em 1980, e foi ajustada por sucessivos governos para reduzir o poder militar e executivo após a redemocratização.

O ex-presidente liberal Ricardo Lagos, que governou o Chile de 2000 a 2006 e um dos que alterou o texto, disse que Guzman fez seu projeto deliberadamente hermético, impossibilitando que vários aspectos fossem alterados, incluindo um sistema de previdência falho e a proibição de negociação coletiva.

Piñera convoca eleitores a votarem

O presidente do Chile, Sebastian Piñera, pediu a seus ministros que não fizessem campanha a favor de nenhuma opção, para impedir que o plebiscito se tornasse sobre seu governo. Ele vem apelando para que a população compareça às urnas, alegando a importância da votação para o futuro do país, "uma vez que todas as opiniões são importantes numa democracia". 

A esperança é que o plebiscito acalme os ânimos da população, que no domingo passado voltou às ruas para comemorar um ano das manifestações. Os protestos, inicialmente pacíficos, se tornaram violentos devido a uma minoria. Duas igrejas chegaram a ser incendiadas.

Pandemia

O Chile é um dos países sul-americanos mais afetados pela pandemia. Para a votação de domingo, serão aliviadas algumas medidas restritivas, como a redução em três horas no horário do toque de recolher obrigatório, em vigor desde março. O governo também garantiu que haverá um reforço de agentes de segurança nas ruas, para evitar incidentes como o de domingo passado.

As medidas já tinham sido solicitadas pela oposição de esquerda e de centro-esquerda, que também pede transporte gratuito aos eleitores para aumentar a participação. 

O país registra quase 500 mil casos de coronavírus desde o começo da pandemia e mais de 3,7 mil mortes.

LE/efe/afp/rtr