Em posse, Macri pede unidade nacional na Argentina
10 de dezembro de 2015
Sem a presença de Cristina Kirchner, Mauricio Macri pede colaboração de todos os setores para garantir a governabilidade do país. Entre as prioridades estão recuperar a economia, lutar contra a pobreza e narcotráfico.
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Sem a presença da ex-presidente Cristina Kirchner, Mauricio Macri prestou juramento no Congresso da Argentina nesta quinta-feira (10/12) como novo líder do país. Após a cerimônia e um discurso, Macri seguiu para a Casa Rosada para receber a faixa e o bastão presidencial das mãos do líder do Senado.
Em sua primeira mensagem como chefe de Estado, Macri pediu a unidade de todos os argentinos e a colaboração de todos os setores, tendo em vista que o novo presidente não terá a maioria no Congresso e deverá buscar um acordo com a oposição para garantir a governabilidade do país. O partido peronista Frente para a Vitória, de Kirchner, detém a maioria dos assentos no Parlamento.
"Os desafios que temos adiante são enormes, e os problemas não poderão ser resolvidos de um dia para o outro, mas as grandes transformações se fazem dando pequenos passos a cada dia", afirmou Macri no Congresso. "Conto com vocês para governar, necessito da sua contribuição, que mostrem nossos erros porque sabemos que não somos infalíveis."
Ele frisou, ainda, que o novo governo precisa do apoio de todos, seja de esquerda, direita, dos peronistas e dos antiperonistas. "Isso pode soar estranho depois de anos de enfrentamentos inúteis. Temos que tirar o enfrentamento do centro do palco e colocar neste lugar o encontro, o desenvolvimento e o crescimento", acrescentou.
"Queremos unidade e cooperação"
Macri, de 56 anos e ex-prefeito da cidade de Buenos Aires, ressaltou que suas ideias centrais são "pobreza zero, derrotar o narcotráfico e unir os argentinos". Ele também afirmou que pretende combater a corrupção, promover a independência da Justiça, desenvolver uma educação de qualidade e inclusiva, além de universalizar a assistência social.
"Uma mensagem aos nossos irmãos da América Latina e do mundo: temos uma nova visão da política, sem preconceitos nem rancores. Cremos na integração da América Latina e do mundo, queremos a unidade e a cooperação", afirmou Macri.
Estiveram presentes na cerimônia os presidentes da Bolívia, Evo Morales; do Chile, Michelle Bachelet; da Colômbia, Juan Manuel Santos; do Equador, Rafael Correa; do Paraguai, Horacio Cartes; do Peru, Ollanta Humala; e do Uruguai, Tabaré Vazquez. A presidente brasileira, Dilma Rousseff, perdeu a posse de Macri porque seu avião ficou retido no ar por 20 minutos. O motivo foi a falta da assinatura de um decreto por parte do ministro da Defesa do governo Kirchner, o que fez o avião de Dilma ficar na fila de voos comerciais.
A presidente cessante, Cristina Kirchner, não participou da cerimônia. A decisão foi motivada por uma ordem judicial que antecipou o fim do mandato dela para a meia-noite desta quarta-feira. A disputa começou quando Macri entrou em contato com Kirchner para pedir que a faixa presidencial e o bastão fossem entregues na Casa Rosada e não no Congresso, o que não foi aceito pela ex-presidente.
Principal tarefa: recuperação da economia
O principal objetivo de Macri é a recuperação da economia, estagnada após 12 anos de kirchnerismo. Para isso, ele incumbiu seis ministérios – das Finanças, Energia, Modernização, Agricultura, Transporte e Produção – e indicou banqueiros e executivos do setor financeiro para seu gabinete.
Entre os novos chefes das pastas está o ministro das Finanças, Alfonso Prat-Gay, ex-presidente do Banco Central da Argentina. Um dos principais desafios dele será aumentar a confiança dos mercados financeiros internacionais perante a Argentina.
Desde o anúncio do calote técnico, em julho de 2014, o país praticamente não tem mais acesso aos mercados de capitais. Entre as outras tarefas estão a diminuição da inflação anual de mais de 20%, a contenção do crescimento da dívida pública e a estagnação econômica.
Macri deseja realizar profundas mudanças na linha econômica e política seguida por Cristina Kirchner. Entre as principais inflexões estão impulsionar o Mercosul e o acordo de livre-comércio com a União Europeia e reforçar o intercâmbio comercial, que vem perdendo força, entre Brasília e Buenos Aires.
Antes da vitória da oposição nas eleições parlamentares de 6 de dezembro na Venezuela, Macri queria acionar a chamada "cláusula democrática" contra Caracas e pedir a suspensão do país governado pelo presidente Nicolás Maduro do bloco sul-americano.
O Brasil é o maior parceiro econômico da Argentina. Com a crise em Buenos Aires, as exportações para o vizinho se tornaram irregulares. Em 2000, elas correspondiam a 11,32% e, em 2014, caíram para quase a metade: 6,34%. Mesmo com a intensa relação comercial, os argentinos continuam impondo restrições às importações do Brasil e de outros países do Mercosul.
FC/dw/rtr/dpa/efe
O fim da era Cristina Kirchner
Após 12 anos de kirchnerismo, a Argentina elege um novo presidente. Relembre a trajetória de Cristina Fernández de Kirchner, que deixa tanto problemas econômicos quanto avanços sociais como herança de seu governo.
Foto: Getty Images/AFP/F. Monteforte
Cristina Fernández, "relato" e dramaturgia
Em oito anos de governo, Cristina se destacou por seu estilo e a tendência ao drama – foi acusada, inclusive, de criar um "relato" próprio da realidade da Argentina. Neste ano, ela deixa a Casa Rosada, e a era Kirchner chega ao fim. Com uma maioria kirchnerista no Congresso, porém, Cristina promete seguir influenciando a vida política do país.
Foto: Getty Images/A.Pagni
A sucessora de Néstor Kirchner
Cristina começou sua carreira política em 1989, como deputada pela província de Santa Cruz. Conheceu Néstor Kirchner durante a militância peronista, em 1974, e os dois se casaram no ano seguinte. Ele foi presidente da Argentina de 2003 a 2007, ano em que a mulher ganhou as eleições para sucedê-lo. A morte de Néstor, em 27 de outubro de 2010, foi um duro golpe para Cristina e seus dois filhos.
Foto: D. Garcia/AFP/Getty Images
Laços estreitos com o Mercosul
Na foto, Cristina e o presidente da Bolívia, Evo Morales, vestem trajes típicos bolivianos durante uma cerimônia na Casa Rosada, sede da presidência em Buenos Aires. Ela sempre defendeu laços estreitos com os países vizinhos. Em 2013, anunciou que aceleraria "a reconstituição do Mercosul" e, no mesmo ano, disse que a espionagem dos EUA sobre o Brasil afetava a "dignidade" de toda a América do Sul.
Foto: Reuters/M. Brindicci
A reeleição
Em 2011, Cristina foi reeleita presidente da Argentina com 54,11% dos votos. Na foto, ela posa entre os dois filhos, Máximo e Florencia, em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires, após tomar posse. Atualmente candidato a deputado, Máximo está sendo investigado sob suspeita de manter contas secretas nos Estados Unidos e Irã. Ele nega as acusações.
Foto: picture-alliance/dpa/C. de Luca
Um vice em apuros
Amado Boudou, então ministro da Economia, foi nomeado vice-presidente no segundo mandato de Cristina. A escolha foi mais tarde criticada, principalmente pelas polêmicas acusações que emergiram contra ele. O escândalo político conhecido como Ciccone, por exemplo, ligou Boudou à compra de uma falida empresa monopolista a fim de operar com o Estado na impressão de notas e documentos fiscais.
Foto: picture-alliance/dpa/S.Goya
A luta contra o "Clarín"
O debate sobre a concentração da mídia segue aberto na Argentina. Cristina Kirchner travou uma longa batalha contra o grupo argentino "Clarín", acusando-o de monopólio midiático. Ao mesmo tempo, foi criticada por estimular a criação de um grupo de "veículos viciados no governo", segundo apontou, em entrevista à DW, a jornalista Laura di Marco, autora de uma biografia não autorizada da presidente.
Foto: picture alliance/dpa Fotografia
Direitos humanos
Cristina deu continuidade às políticas de direitos humanos de Néstor: aprovou leis acerca do casamento gay e da transexualidade e apoiou a busca por crianças desaparecidas durante a ditadura militar argentina (1976-1983). Na foto, ela conversa com Estela de Carlotto, presidente da organização Abuelas de Plaza de Mayo. Seu neto, Guido, recuperou a verdadeira identidade ao ser encontrado em 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
Discurso em rede nacional
A presidente está acostumada a falar em rede nacional – algo aplaudido por seus seguidores e criticado pela oposição. Ao se dirigir ao público, Cristina mantém um estilo sempre muito pessoal e, para muitos, carismático. "O kirchnerismo trouxe independência à Argentina", disse ela em um de seus discursos, em julho de 2015.
Foto: picture-alliance/dpa/L. La Valle
Falta de transparência
Em junho de 2015, Cristina enviou ao Congresso um projeto de lei para que alguns programas sociais sejam ajustados de tempos em tempos. Entre eles está o Benefício Universal por Filho (AUH, na sigla em espanhol), equivalente ao Bolsa Família. Esses avanços na área social, porém, acabam sendo ofuscados pela falta de transparência com os índices de pobreza, a alta inflação e o déficit fiscal.
Foto: Reuters/E. Marcarian
Argentina versus "fundos abutres"
A batalha contra os chamados "fundos abutres" segue no país. Em setembro de 2015, a ONU aprovou uma resolução, recomendada pela Argentina, que propõe a criação de um marco legal para a reestruturação da dívida soberana. O ministro da Economia, Axel Kicillof (dir.), comemorou a decisão como "um passo fundamental".
Foto: Leo La Valle/AFP/Getty Images
Cristina, papa e "Estado Islâmico"
Em setembro de 2014, o papa Francisco recebeu Cristina, sua compatriota, no Vaticano. Após um encontro privado com o pontífice, a presidente revelou ter sofrido ameaças do grupo extremista "Estado Islâmico" (EI) por conta de sua posição diplomática diante dos conflitos no Oriente Médio – ela é favorável à existência de dois Estados: o da Palestina e o de Israel.
Foto: picture-alliance/dpa
Incentivo à cultura
Em nível nacional, o governo Cristina Kirchner deu um impulso importante à realização de eventos culturais e artísticos, mas com um estilo claramente personalista. Na foto, a presidente argentina participa da inauguração do Centro Cultural Kirchner, em Buenos Aires, em maio de 2015. Na ocasião, ela classificou o local como o "mais importante centro cultural da América Latina".
Foto: Reuters/Argentine Presidency
Duas cirurgias
Em seu segundo mandato como presidente da Argentina, Cristina foi submetida a dois procedimentos cirúrgicos sérios: um para remover um tumor na tireoide, em janeiro de 2012, e outro para drenar um hematoma cerebral, em outubro de 2013. Ela teve boa recuperação em ambos os casos, mas precisou ficar afastada do trabalho por um curto período de tempo.
Foto: picture-alliance/dpa
Negócios com a Rússia
Cristina se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, em abril de 2015, e do encontro pode ter saído muito mais que os acordos energéticos e econômicos firmados. Em ano eleitoral na Argentina, o gesto chegou a ser interpretado como um esforço da presidente para afastar o país de seu tradicional alinhamento com os Estados Unidos e a União Europeia e estimular uma aproximação com os Brics.
Foto: Reuters/A. Nemenov
Caso Nisman choca o país
A morte do promotor Alberto Nisman abalou a sociedade argentina e continua sem esclarecimento perante a Justiça. Ele foi encontrado morto em casa em 18 de janeiro de 2015, dias antes de divulgar um relatório polêmico contra a presidente. Nisman acusaria Cristina de ajudar a acobertar o pior ataque terrorista da história do país: o atentado a bomba à Associação Mutual Israelita Argentina, em 1994.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Pisarenko
Sucessor da era Kirchner?
Daniel Scioli, da coligação Frente para a Vitória, é o candidato à presidência argentina capaz de dar continuidade ao programa político do kirchnerismo. Segundo especialistas, o governo deixa como herança para o próximo presidente graves problemas econômicos e estruturais, mas também avanços sociais e um aumento no nível de consumo da população.
Foto: Reuters/A.Marcarian
Adeus à figura que polariza
Com seu estilo autoritário e maternal, Cristina Kirchner polarizou a sociedade argentina. Esteve cercada de acusações de corrupção, e a insegurança jurídica cresceu durante seu governo. Por outro lado, deu impulso à cultura e aos direitos civis. Ao dizer adeus, Cristina deixa um legado complexo à próxima administração, e é improvável que se afaste totalmente da agenda política do país.