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Em que Moro baseou a sentença contra Lula

13 de julho de 2017

Para juiz, ex-presidente é o dono oculto do tríplex no Guarujá e não conseguiu provar que adquiriu essa propriedade da empreiteira OAS por meio de operação financeira lícita. Depoimento de executivo foi determinante.

Richter Sergio Moro und Ex-Präsident Brasiliens Lula da Silva
Foto: Abr

O juiz Sergio Moro condenou nesta quarta-feira (12/07) o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a nove anos e seis meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. A decisão encerrou meses de suspense iniciados depois que o Ministério Público Federal (MPF) do Paraná apresentou a denúncia, em setembro de 2016.

Desde o início, o caso gerou controvérsia. Ainda na fase de apresentação das acusações, uma frase falsa atribuída aos procuradores incendiou o debate, especialmente entre os apoiadores do petista e críticos da Lava Jato. "Não temos provas, mas temos convicção" logo se espalhou pelas redes sociais. A frase foi depois desmentida, mas sintetizou alguns dos questionamentos sobre o peso das provas apresentadas pela acusação.

Os procuradores se concentraram na propriedade de um tríplex no Guarujá e no pagamento do aluguel de um depósito para armazenagem de presentes recebidos por Lula durante seu governo. Juntos, o apartamento e o aluguel totalizaram 3,7 milhões de reais. Segundo o MPF, eles caracterizam o pagamento de propina por parte da empreiteira OAS. No caso do tríplex, o MPF afirmou que Lula seria o proprietário oculto do imóvel.

O que Moro usou

Moro usou 238 páginas para explicar sua decisão de condenar o ex-presidente. Ele não acatou todas as acusações e provas apresentadas pelo MPF. O magistrado acabou, por exemplo, absolvendo Lula por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do pagamento do aluguel do depósito, que somou 1,3 milhão de reais.

Segundo Moro, não havia provas de que o aluguel acertado com a OAS tenha sido feito "com intenção criminosa ou como parte de um acerto de corrupção". Neste caso, pesou o depoimento do ex-presidente da empreiteira Léo Pinheiro, que negou qualquer ilicitude no contrato. "O caso não envolveu pagamento em decorrência do cargo presidencial ou de acertos envolvendo contratos públicos", concluiu Moro.

O juiz analisou de maneira bem diferente o caso do tríplex no edifício Solaris, no Guarujá. Moro entendeu que Lula se beneficiou de um esquema criminoso e condenou o ex-presidente pelo recebimento de propina de 2,25 milhões de reais. O valor se refere às reformas no apartamento e ao upgrade da unidade. Segundo o MPF, Lula e sua mulher, Marisa Letícia, já falecida, adquiriram cotas de um apartamento comum no prédio, que foi concluído pela OAS, mas teriam recebido um imóvel maior – um tríplex que passou por várias reformas – sem pagarem pela diferença.

Para ligar Lula ao imóvel, o MPF apresentou uma planilha apontando que o tríplex constava como "reservado" desde que a OAS assumira a conclusão da obra. Fotografias e depoimentos – incluindo o do zelador do prédio – mostraram que somente Lula e sua família visitaram o imóvel, que nunca foi aberto a outros interessados. Depoimentos de moradores e mensagens de celular de executivos da OAS demonstraram, na visão de Moro, que o local foi reformado e preparado para o ex-presidente. Um executivo da OAS disse que a construtora nunca personalizou outros imóveis com o intuito de vendê-los.

Conversas de celular continham referências ao tríplex e faziam menções a Marisa, que foi identificada como "dama" e "madame". Um documento rasurado também foi usado por Moro para demonstrar a ligação do ex-presidente com o imóvel. É um formulário de proposta de adesão feita por Marisa para adquirir um apartamento. Nele consta que ela estava interessada na unidade 141, um apartamento comum. Mas peritos concluíram que o número havia sido rasurado, e que o número original era 174, o do tríplex. Também foram encontrados dois documentos em operação da Polícia Federal na residência de Lula, em São Bernardo do Campo, que tratavam da adesão da compra da unidade 174.

O edifício Solaris era originalmente um empreendimento cheio de problemas financeiros de uma cooperativa ligada ao PT. Em 2009, a OAS assumiu a obra. Segundo os executivos da construtora, ela entrou na obra a pedido do próprio Lula. Após assumir a construção, a OAS pediu aos cooperados que informassem se queriam continuar a efetuar pagamentos ou se queriam o dinheiro já gasto de volta.

Lula e Marisa, apesar de já terem feito 50 pagamentos e parcelas de um total de 70, não informaram nada oficialmente à OAS. A construtora tampouco procurou Marisa e o petista para devolver o valor. Paralelamente, a OAS vendeu o apartamento 141, a unidade comum, para um terceiro, sem provocar qualquer manifestação do ex-presidente. Só em novembro 2015, quando a imprensa passou a explorar o caso, é que o casal pediu a restituição do valor.

Nesse ponto, Léo Pinheiro disse que "o apartamento [tríplex] era do presidente Lula desde o dia que me passaram para estudar os empreendimentos da Bancoop [a cooperativa], já foi me dito que era do presidente Lula e de sua família, que eu não comercializasse e tratasse aquilo como uma coisa de propriedade do presidente". Ele disse ainda que a questão da reserva foi tratada com João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT.

As conclusões do juiz

A corrupção da OAS e de outras grandes empreiteiras nos contratos da Petrobras foi fartamente documentada ao longo da Lava Jato. Mas, neste caso, trata-se de apontar uma ação de corrupção do próprio ex-presidente que teria resultado em pagamento de propina – no caso, o imóvel no Guarujá. Já na época da apresentação da denúncia pelo MPF, no ano passado, especialistas haviam afirmado que seria difícil ligar o "presente" a um ato específico para beneficiar a OAS durante as gestões do PT na Presidência.

Como fica claro na atual sentença, não havia documentos que servissem de prova cabal. Diante disso, Moro fez uma interpretação das explicações do próprio Lula e levou em conta os depoimentos dos executivos da OAS que resolveram colaborar.

Léo Pinheiro, por exemplo, disse que a reserva e reforma do imóvel foram abatidas de um antigo saldo de propinas devidas pela empreiteira ao PT. Esse saldo teria chegado a 16 milhões de reais e foi reservado ao PT em troca de influência, em 2009, na obtenção de dois contratos em obras da Petrobras, nas refinarias Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, e Getúlio Vargas (Repar), no Paraná.

Em 2006, a OAS, antes uma empreiteira menor, ingressou no chamado "clube" de construtoras que detinham grandes contratos com a Petrobras. Segundo os executivos, a entrada ocorreu após a construtora fazer pagamentos ao PT por outros contratos.

No caso da Petrobras, os responsáveis pelos contratos eram diretores nomeados pelo governo Lula. Neste ponto, Moro usou o próprio depoimento de Lula concedido em maio. À época, o juiz perguntou se a palavra final sobre nomear os diretores era do ex-presidente. Lula simplesmente respondeu: "Era, porque senão não precisava ter presidente".

Dessa forma, se as nomeações na Petrobras atendiam a interesses de partidos e de empreiteiras – questão que foi levantada em outros casos da Lava Jato – Lula não teria como não saber do esquema criminoso. Moro, no entanto, ressalva que ele provavelmente não tinha conhecimento de detalhes nem se envolvia diretamente com a arrecadação de propinas.

Para Moro, Lula foi diretamente beneficiado por esse esquema acertado entre o PT e a OAS, já que não conseguiu dar explicações convincentes sobre a propriedade do tríplex.

A defesa do ex-presidente sempre negou ligação com o imóvel, mas também deu explicações contraditórias sobre a relação de Lula com o edifício Solaris. Lula, por exemplo, informou datas diferentes sobre quando teria manifestado que não estava interessado no tríplex – na sua versão, a OAS estava tentando vender legalmente o imóvel.

Segundo Moro, diante da incapacidade do ex-presidente de provar que o apartamento foi cedido a ele por meio de uma operação financeira legítima, resta como única explicação que o apartamento entrou num pacote de pagamentos em troca da influência do presidente e do PT na gestão da Petrobras, em favor da OAS.

"Definido que o apartamento tríplex era de fato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que as reformas o beneficiavam, não há no álibi do acusado Luiz Inácio Lula da Silva o apontamento de uma causa lícita para a concessão a ele de tais benefícios materiais pela OAS Empreendimentos, restando nos autos, como explicação única, somente o acerto de corrupção decorrente em parte dos contratos com a Petrobras", disse Moro.

 

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