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Em sabatina, Bolsonaro mente sobre pandemia, eleições e STF

23 de agosto de 2022

No Jornal Nacional, presidente volta a sinalizar que pode não aceitar resultado das urnas, minimiza escândalos de corrupção, mente sobre compra de vacinas e é desmentido ao vivo sobre ataques a ministros do STF.

Jair Bolsonaro
Foto: Clauber Caetano/AFP

Jair Bolsonaro usou na noite desta segunda-feira (22/08) a sua sabatina ao Jornal Nacional para voltar a espalhar paranoia infundada sobre a confiabilidade do sistema eleitoral e sinalizou que pode não respeitar o resultado das urnas. Ao longo da entrevista, o presidente de extrema direita também mentiu em temas como vacinas, pandemia, seus embates com o Supremo Tribunal Federal (STF), além de minimizar escândalos de corrupção em seu governo e exagerar as ações do seu governo.  

No momento, Bolsonaro está em desvantagem nas pesquisas eleitorais e vê sua reeleição fortemente ameaçada. Inicialmente,o presidente havia se recusado a participar da entrevista, mas reconsiderou pouco depois, num sinal de que sua campanha esperava aproveitar a alta audiência do telejornal. 

De acordo com o último Datafolha, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o principal adversário de Bolsonaro na disputa, segue liderando a disputa eleitoral para a Presidência nas eleições de outubro, com 47% das intenções de voto totais, enquanto o atual ocupante do Planalto continua em segundo lugar, com 32%.

Vários panelaços foram registrados em Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Porto Alegre durante a sabatina.

Ataques ao STF e sistema eleitoral

Logo na primeira pergunta ao presidente, o apresentador William Bonner perguntou a Bolsonaro o que ele pretende com seus xingamentos a ministros do Supremo e divulgação de mentiras sobre as urnas eletrônicas. "O que é que o senhor pretende ou pretendeu com isso? Criar um ambiente que, de alguma forma, permitisse um golpe?", questionou Bonner.

Na sua resposta, Bolsonaro voltou a alimentar paranoia infundada sobre o sistema de votação e acusou Bonner de "fake news", afirmando que nunca "xingou" ministros do STF. No entanto, Bonner lembrou que Bolsonaro chamou o ministro Alexandre de Moraes de "canalha". Desmentido, Bolsonaro desconversou e disse que vem "sendo perseguido". Bonner não mencionou, mas Bolsonaro também já chamou o ministro do STF Luís Roberto Barroso de "filho da puta".

Ao ser questionado se vai aceitar o resultado das urnas, Bolsonaro disse que só pretende fazer isso se considerar que as eleições "foram limpas". "Serão respeitados os resultados das urnas desde que as eleições sejam limpas", disse Bolsonaro, repetindo um discurso que tem feito nos últimos meses e que vem agitando sua base mais radical.

Na sua segunda pergunta, Bonner perguntou por que Bolsonaro não desautoriza apoiadores que pedem abertamente um golpe no país. "Liberdade de expressão. Isso faz parte da democracia. Não vejo nada de mais", disse o presidente, que liderou desde o início do seu governo várias manifestações golpistas contra o Congresso e o STF ao lado de apoiadores. "Quando alguns falam em fechar o Congresso, é liberdade de expressão deles. Eu não levo para esse lado."

Nos temas das urnas eletrônicas, um de seus principais alvos de ataques dentro da estratégia de desacreditar o sistema eleitoral, Bolsonaro voltou a repetir que um "hacker" atacou o sistema do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018. No entanto, investigações mostraram que o ataque não afetou de nenhuma maneira a contagem de votos.

Vacinas e pandemia

A coapresentadora do JN Renata Vasconcellos abordou nos seus questionamentos a pandemia e a compra de vacinas. Neste momento, o presidente mentiu ou omitiu fatos essenciais em diversas ocasiões. 

Ao falar da compra de imunizantes, Bolsonaro mencionou que as primeiras vacinas no mundo começaram a ser aplicadas em dezembro de 2020, e que o Brasil fez as primeiras aplicações em janeiro de 2021, tentando passar a impressão que o país não estava muito atrás.

No entanto, Bolsonaro omitiu que a vacinação no Brasil só começou em 17 de janeiro de 2021 graças aos esforços do governo de São Paulo, que liderou uma iniciativa própria de adquirir vacinas, que inclusive foi alvo de ataques do presidente. O plano inicial do governo federal só previa a compra de matéria-prima para produzir imunizantes da AstraZeneca em solo nacional, algo que só teve início na metade de março de 2021. Foi só após o governo paulista marcar data para o início da imunização no estado que a administração Bolsonaro finalmente começou a procurar doses prontas da AstraZeneca da Índia, que levaram semanas para chegar ao país.

O Brasil também poderia ter começado a imunizar ainda em dezembro, conforme atestam ofertas da farmacêutica Pfizer, que começou a aplicar seu imunizante em vários países naquele mês. No entanto, como mostrou da CPI da Pandemia, diversos e-mails com propostas da Pfizer ficaram sem resposta por três meses por parte do Ministério da Saúde, que a época sofria com forte interferência pessoal de Bolsonaro. No JN, o presidente se defendeu da acusação de desinteresse na compra das vacinas da Pfizer repetindo alegações de que as a empresa pretendia impor condições impraticáveis para fornecer os imunizantes. Porém, diversos países, como Israel, EUA e Alemanha aceitaram os termos da empresa.

No auge da sua disputa pública com a Pfizer, Bolsonaro atacou a vacina da empresa, afirmando "se você virar um jacaré, é problema seu". No JN, o presidente minimizou a fala afirmando que usou uma mera "figura de linguagem". No entanto, nos meses seguintes, Bolsonaro, que oficialmente ainda não tomou qualquer vacina contra covid-19, continuou a espalhar paranoia infundada sobre os imunizantes, chegando a associar de forma mentirosa os inoculantes à aids.

Ao ser questionado sobre a crise da falta de oxigênio em Manaus, que resultou na morte por asfixia de dezenas de pessoas, Bolsonaro minimizou o episódio afirmando que foi "algo atípico", sem mencionar que autoridades do Amazonas afirmaram que alertaram o governo federal sobre os problemas na cidade. 

Na mesma época, enquanto os hospitais de Manaus enfrentavam o colapso, membros da cúpula do Ministério da Saúde estavam mais preocupados em usar a cidade como vitrine para lançar um aplicativo que estimulava o consumo de cloroquina, uma droga sem eficácia contra a covid-19. Segundo Bolsonaro, "cilindros de oxigênio começaram a chegar em 48 horas a Manaus". A afirmação é falsa, já que se passaram oito dias entre o primeiro aviso de problemas e a chegada de reforço no suprimento de oxigênio.

Na mesma etapa da entrevista, Bolsonaro voltou a defender o ineficaz "tratamento precoce" e atacar autoridades estaduais e municipais que impuseram medidas de isolamento, repetindo um discurso que vem fazendo desde o início da pandemia que já deixou, oficialmente, mais de 680 mil mortos no país. Diversos estudos já apontaram que a cloroquina é ineficaz no tratamento da doença.

Ainda no tema da pandemia, Bolsonaro se mostrou irritado quando foi questionado se tinha algum arrependimento por ter debochado de pessoas com falta de ar em pelas duas ocasiões em 2021, no auge da pandemia. "A solidariedade eu manifestei conversando com o povo nas ruas, visitando a periferia de Brasília, vendo pessoas humildes obrigadas a ficar em casa sem ter um só apoio do governador ou prefeito", disse Bolsonaro.

Pix e auxílio amergencial

"Criamos o Pix tirando dinheiro de banqueiros", disse Bolsonaro durante a entrevista, tentando propagandear algo positivo que foi implementado sob seu governo. No entanto, o Pix foi elaborado antes do governo Bolsonaro, durante a administração de Michel Temer.

Em outubro de 2020, no dia do lançamento oficial da ferramenta, Bolsonaro também demonstrou que não sabia o que era o Pix. Ao falar com apoiadores, o presidente foi questionado sobre o mecanismo de transferências e pagamentos bancários e reagiu com surpresa: "Não tomei conhecimento."

Além disso, o lucro dos bancos aumentou desde que a ferramenta foi lançada, compensando em larga medida qualquer eventual perda com o Pix – um aumento de 30% em relação a 2020.

Em outro momento, Bolsonaro tentou propagandear o auxílio emergencial de R$ 600 pago durante a pandemia como outra medida positiva do seu governo. "O próprio auxílio emergencial, num primeiro momento R$ 600, fez com que a economia e especialmente os pequenos municípios não colapsassem", afirmou o presidente. Novamente, Bolsonaro omitiu que seu governo queria pagar apenas R$ 200 e que foi só por causa de articulações do Congresso que o valor foi elevado para R$ 600.

Corrupção e escândalo na Educação

"Estamos num governo sem corrupção", afirmou Bolsonaro aos apresentadores do JN. Porém, diversos ex-ministros do seu governo enfrentam inquéritos e suspeitas de corrupção. Por exemplo, o ex-ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, deixou o governo após ser acusado de atender diretamente interesses privados de madeireiros ilegais. Já o Ministério da Saúde foi alvo de várias suspeitas de irregularidades na compra de vacinas.

Um dos mais recentes escândalos de corrupção provocou a queda de Milton Ribeiro, ex-titular da Educação, que chegou a ser preso por suspeita de favorecimento a dois pastores que cobravam propina de prefeitos para facilitar a liberação de verbas federais. O MEC foi uma das áreas mais problemáticas do governo Bolsonaro, chegando a ter cinco diferentes ministros ao longo do governo.

Ao comentar o escândalo envolvendo o MEC, Bolsonaro adotou diferentes abordagens, ora defendendo Ribeiro, ora se distanciando. "As pessoas se revelam quando chegam. Atualmente, eu tenho um excelente ministro da Educação. Acontece. É igual um casamento, muitas vezes. O ideal era não ter rotatividade nenhuma, mas acontece. Outros ministros foram trocados também", disse.

Bolsonaro também se irritou quando Bonner abordou a corrupção no MEC classificando o episódio de Ribeiro como "escândalo". "Ele teve uma ordem de prisão. Ele foi preso, inclusive. Conseguiu habeas corpus logo em seguida. O Ministério Público do DF foi contra a prisão dele. Eu fui contra a prisão dele. Por quê? Não tinha nada contra ele. Se tiver hoje em dia, é outra história. Até aquele momento não tinha nada. A questão de ter dois pastores, que estavam no gabinete dele, qual o problema?", disse. "Escândalo do MEC, Bonner? Cadê o duto de dinheiro vazando?"

Bolsonaro também mentiu sobre as ações do seu governo no caso Ribeiro ao afirmar "nós começamos a investigar o caso dos pastores com a CGU". No entanto, uma primeira investigação da CGU não constatou irregularidades cometidas por agentes públicos na pasta. Foi somente após o jornal O Estado de S. Paulo revelar em março de 2022 as atividades da dupla de pastores que o caso começou a efetivamente avançar, com a CGU abrindo um novo procedimento.

Mentiras em 2018

Não é a primeira vez que Bolsonaro usa o espaço no JN para espalhar mentira. Na sabatina de 2018, num dos momentos mais marcantes da eleição, o então candidato exibiu na sabatina um livro de educação sexual, tentando relacionar falsamente seu principal adversário, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad, a uma distribuição de um delirante "kit gay" em escolas de todo o país.

Bolsonaro pegou os apresentadores de surpresa ao sacar o livro e deturpou o conteúdo da obra em questão, chamada Aparelho Sexual e Cia., da autora francesa Hélène Bruller. A publicação, no entanto, não havia sido adquirida pelo MEC na gestão Haddad e muito menos distribuída.

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