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"Enquanto houver reprodução haverá velhice e morte"

27 de setembro de 2016

A partir de pesquisas sobre envelhecimento, o antropólogo biológico Richard Bribiescas concluiu que esse processo ajudou a definir o que nos torna humanos. Em entrevista à DW, ele fala da relativa fragilidade masculina.

Symbolbild Alter Mann, Körper
Foto: picture-alliance/chromorange

O que os achaques típicos da idade avançada entre os homens – de males da próstata, perda de massa muscular, níveis de testosterona baixos, aumento de adiposidade, até disfunção erétil, calvície e uma vida mais curta do que a das mulheres – revelam sobre a história evolutiva da espécie humana?

Em seu livro recém-lançado nos Estados Unidos, o antropólogo biológico Richard Gutierrez Bribiescas aborda questões que têm sido relegadas pela pesquisa científica: como a seleção natural configurou o processo de envelhecimento nos homens; como a teoria da evolução pode afetar o saber sobre a saúde e bem-estar masculinos; e como os homens mais idosos contribuíram para o desenvolvimento de certos traços que nos tornam humanos?

De forma informativa e divertida, How men age – What evolution reveals about male health and mortality  (Como os homens envelhecem – O que a evolução revela sobre a saúde e mortalidade masculina) descreve como os desafios encarados pelos machos humanos no passado evolutivo determinaram o modo como atualmente eles envelhecem.

Em entrevista à DW, Bribiescas explica por que, para a evolução biológica, a reprodução é mais importante do que a longevidade: "Enquanto tivermos espécies reprodutoras, teremos velhice e morte." E fala da relativa fragilidade masculina e da tendência dos jovens de fazer besteiras.

DW: Logo no início de seu livro How men age, o senhor quase brinca: por que nós sequer ainda envelhecemos e morremos? Por que não atingimos a imortalidade – algo que está no topo da lista dos tecnologistas de Silicon Valley? No entanto, envelhecer faz parte da vida de homens e mulheres, e é até saudável, não?

Richard Bribiescas: É sim. O pressuposto é que a seleção natural deveria preferir os organismos que vivem para sempre. De fato, o biólogo [e Prêmio Nobel da Medicina] Peter Medawar colocou essa questão. A resposta breve é que a evolução não seleciona para a longevidade, mas sim para a reprodução. Enquanto tivermos espécies reprodutoras, teremos velhice e morte.

Richard Bribiescas é professor de antropologia na Universidade de YaleFoto: M. Marsland

Mas isso é o que me deixa confuso: somos uma espécie que se reproduz sexualmente. Isso nos distingue dos organismos unicelulares, como as bactérias, que possuem uma forma de imortalidade. No entanto, quanto mais nos reproduzimos, mais nós – homens e mulheres – aceleramos o processo da velhice e morte. O tempo e energia empregados no "esforço reprodutivo" são onerosos para os nossos corpos. Então, por que fazê-lo?

Bem, se você não reproduz, mesmo tendo genes ou características que prolonguem seu período de vida, essas características não serão transmitidas, e se extinguirão.

Quando falamos de seleção natural, estamos nos referindo a três condições básicas que Charles Darwin estabeleceu lá naquela época. Uma é a necessidade de uma característica variável, seja longevidade, altura ou qualquer outra coisa. A outra é esse traço ser herdável, de forma a poder ser transmitido de uma geração à próxima. A terceira condição é um sucesso reprodutivo diferencial: certos organismos devem ser mais bem sucedidos do que outros em passar adiante esses genes. Mas não é tanto para o bem da espécie: é mais em termos de nossa própria fertilidade e sobrevivência.

Uma forma de ver isso é que todos os organismos, inclusive os humanos, precisam alocar dois recursos primários: tempo e energia. E, de diversas maneiras, longevidade é simplesmente outro recurso, como energia, que precisamos alocar, de forma a passar os nossos genes para a próxima geração.

Seu livro foca no envelhecimento masculino, fala do efeito dos idosos sobre a evolução, no embate força bruta versus poder cerebral. Em termos do cérebro, há riscos de saúde a que os homens estejam mais propensos? Além de doenças como o câncer da próstata, por exemplo, eles estão mais expostos ao mal de Alzheimer e outro tipo de degeneração cognitiva?

Homens e mulheres morrem das mesmas causas. É só que os homens são mais suscetíveis e mais frágeis quando contraem essas doenças. Quando se trata de Alzheimer e degeneração cognitiva, eles são menos capazes de se recobrar desses abalos. As razões não estão esclarecidas, só parece que – quer se trate de câncer, doenças cardiovasculares, degeneração cognitiva – os homens são menos resistentes a essas formas comuns de mortalidade do que as mulheres.

O senhor também enfatiza que os homens têm vida mais breve, embora soframos de moléstias semelhantes, seja câncer da próstata ou da mama. Por que os homens vivem menos?

Há um número de hipóteses e provavelmente fatores múltiplos determinam a vida masculina mais curta. Também se pode virar a questão e perguntar: "As mulheres têm uma duração de vida prolongada?" E aí a resposta é igualmente incerta.

Sabemos que na juventude a testosterona sustenta o esforço reprodutivo, mas também compromete o sistema imunológico masculino. Tanto em humanos como em outros organismos, tirando-se a testosterona do sistema os machos se tornam mais resistentes e se recuperam mais rapidamente de infecções.

Então, retornando à ideia de que tempo e energia são limitados, os homens queimam diariamente mais energia do que as mulheres. Isso tem um custo: toda essa energia gasta para manter corpo e alma coesos, e sustentar a massa corporal, é energia que não serve ao sistema imunológico ou à reconstituição dos tecidos.

E há uma quarta razão: entre os 15 e 25 anos de idade, observa-se um grande pico de mortalidade entre os homens. Pela razão que seja, há uma maior tolerância de risco: machos jovens fazem coisas estúpidas.

Isso é o que torna a coisa tão interessante: não se trata apenas de genes e biologia, há também fatores ambientais. Uma questão se impõe: por que se concentrar nos homens, num momento em que há tanta discussão sobre identidades sexuais na sociedade, os papéis femininos cambiantes – no trabalho e como sujeitos de risco –, e tudo isso seguramente terá um efeito evolutivo.

Com toda certeza. Uma coisa que deixo claro em meu livro é que muito é focado nos machos heterossexuais, e não é porque eles sejam especiais ou deva haver um foco exclusivo sobre eles. Mas o fato é que simplesmente não existe um corpo de pesquisa muito robusto sobre os homens homossexuais ou com outras identidades sexuais. E isso é algo que precisa ser abordado.

Também há gente que se submete a uma redefinição do sexo. Isso teria um efeito evolutivo?

O fato de dispormos da tecnologia e da possibilidade de redefinir o sexo e que temos uma comunidade crescente de indivíduos transexuais, é muito importante e que merece atenção. Numa escala cronológica evolutiva, contudo, é um fenômeno muito recente.

Mesmo antes de entrarmos num mundo da redefinição sexual e dos transexuais, estava claro que existe um amplo espectro de identidades sexuais para os machos humanos. O problema é que não temos um corpo científico volumoso sobre esses indivíduos, o que é uma pena e precisa ser corrigido. E estamos fazendo isso: nós reconhecemos que há mais de um modo de ser homem. Muito disso é específico das sociedades ocidentais industrializadas, e o fenômeno dos machos transexuais é muito recente, mas definitivamente merece mais atenção.

Zulfikar Abbany Ciência, com interesse especial por inteligência artificial e a relação entre tecnologia e pessoas.
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