Iniciativas no Congresso pretendem enfraquecer medidas do pacote anticorrupção e contrabandear emendas para distorcer texto de modo a beneficiar políticos envolvidos no escândalo da Petrobras.
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Parlamentares estão articulando medidas para enfraquecer o pacote de medidas anticorrupção proposto pelo Ministério Público e até mesmo abrir caminho para uma espécie de anistia para políticos envolvidos no escândalo de corrupção investigado pela Operação Lava Jato. Entre as medidas estão exclusão de pontos importantes do texto e a inclusão de emendas para mudar a natureza do pacote, que chegou ao Congresso em março com o apoio de 2 milhões de assinaturas.
Várias propostas elencadas no pacote encontram resistência entre os membros da comissão parlamentar responsável por analisar o texto. Entre elas, estão a sugestão de que provas obtidas de modo ilícito sejam consideradas aceitas, desde que forem coletadas de boa-fé, além do uso de prisão preventiva para ajudar na recuperação de recursos desviados e a criminalização do caixa 2. De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo, entre os parlamentares que tentam enfraquecer o pacote estão vários membros da comissão que discute a proposta do Ministério Público.
O caixa 2
A questão envolvendo o caixa 2 é uma mais controversas. A proposta de criminalização é considerada um ponto central pelos procuradores que redigiram o pacote. Atualmente, o caixa 2 – dinheiro gasto em campanha, mas ocultado dos órgãos de fiscalização – é um crime previsto no Código Eleitoral, cujas penas são consideradas brandas. Mas o texto atual também tem muitas brechas, que foram exploradas nos últimos dois anos por procuradores da Lava Jato para combinar investigações de caixa 2 com acusações de pagamento de propina. A proposta de criminalização pretende justamente reforçar essa linha.
Só que segundo uma reportagem do jornal Valor, alguns deputados pretendem usar o pacote para contrabandear um "jabuti" no texto e desvirtuar a proposta de criminalização. Na linguagem do mundo político, um "jabuti" é a prática de inserir em uma proposta de lei uma emenda que não tem nenhuma relação com o texto.
Essa emenda teria como objetivo usar o pacote para criar uma distinção mais clara entre caixa 2 e propina. Com essa distinção, estaria aberta a porta para que muitos parlamentares já citados em delações sobre caixa 2 sejam poupados de investigações mais severas na Lava Jato, fechando as brechas exploradas pelos procuradores. Na prática, a medida funcionaria como uma anistia, permitindo que os políticos envolvidos sofram apenas as punições leves atualmente previstas na legislação eleitoral.
Repercussão
As discussões ocorrem justamente em um momento em que as delações de empreiteiros continuam a atingir membros do governo do presidente interino Michel Temer, como o ministro José Serra (PSDB), que foi citado na delação da Odebrecht como beneficiário de uma doação de 23 milhões de reais em forma de caixa 2.
Em entrevista ao Estado de S. Paulo, o deputado Carlos Marun (PMDB-MS), membro da comissão e aliado de Eduardo Cunha, avaliou que a proposta de criminalização só deve ser aprovada se houver uma clara distinção entre caixa 2 e propina. "Se não houver essa diferenciação, tudo vira propina", disse Marun.
Para o jurista Luiz Flávio Gomes, presidente do Instituto Avante Brasil, a reação de parte do mundo político para lançar uma espécie de anistia é comparável à reação à operação Mãos Limpas na Itália, que investigou o mundo político do país europeu no início dos anos 1990.
"Lá as elites políticas se uniram para massacrar a operação. Elas se reorganizaram. Algo similar pode acontecer no Brasil. O PMDB está cumprindo no Brasil o papel que o Silvio Berlusconi cumpriu na Itália. Se o PMDB em torno de Temer, Renan, Jucá, Sarney etc. começar a ganhar força e se juntar às forças econômicas e financeiras, aí eles podem tentar aprovar uma lei de anistia. As forças se unem quando o poder delas está em jogo, e a Lava Jato está colocando esse poder em jogo. Mas tudo depende de a sociedade civil ser negligente ou ativa e vigilante."
Entenda a Operação Lava Jato
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.