Região agrícola nos subúrbios de Damasco é o último grande bastião dos rebeldes sírios. Ela foi alvo de um ataque de gás sarin em 2013 e está sitiada há quase cinco anos pelo regime de Assad.
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Nas palavras do secretário-geral das Nações Unidas, Ghouta Oriental é o inferno na terra. Esta região agrícola e fornecedora de alimentos no subúrbio de Damasco é o último grande bastião dos rebeldes sírios e, desde 17 de fevereiro, alvo de uma ofensiva das forças pró-regime sírio, que tentam reconquistá-la. Elas cercam toda a região de Ghouta Oriental, fazendo com que, na prática, ela seja um enclave rebelde.
Antes da guerra, a região de Ghouta abrigava em torno de 2 milhões de pessoas. Hoje permanecem por lá cerca de 400 mil, a metade delas crianças, segundo estimativas. Elas estão sitiadas pelo governo sírio desde 2013. Ghouta Oriental foi uma das primeiras áreas a se rebelar contra o presidente Bashar al-Assad, já em 2011.
Ghouta Oriental também foi alvo de um ataque com gás sarin em 2013, que matou quase 1.500 pessoas e que é atribuído às forças que apoiam o regime de Assad. A reação internacional ao ataque forçou o regime a concordar com a eliminação de seu arsenal de armas químicas, ainda que haja indícios de que nem todas tenham sido destruídas.
Há várias cidades e vilarejos na região de Ghouta Oriental, cuja maior cidade é Douma, no norte do enclave. É nela que estão baseados os três principais grupos rebeldes na região, que lutam contra o governo de Assad e, em parte, também entre si.
O maior deles é o Jaysh al-Islam, ou Exército do Islã. Ele defende um governo baseado na sharia e teria recebido recursos da Arábia Saudita. Os outros dois grupos são o Faylaq al-Rahman, que é tido como moderado e ligado ao Exército Livre da Síria, e o Ahrar al-Sham, um grupo salafista e jihadista. Ambos são apoiados pela Turquia. Eles controlam territórios mais próximos de Damasco, que atacam com mísseis, matando também civis.
Cessar-fogo fracassado
Os três grupos se mostraram dispostos a respeitar o – nesse meio tempo – fracassado cessar-fogo pedido pelas Nações Unidas e a expulsar de Ghouta Oriental os combatentes da antiga Frente al-Nusra, que hoje atende pelo nome de Hayat Tahrir al-Sham e é ligada à rede terrorista Al Qaeda.
O anúncio foi uma referência à concessão feita à Rússia, de que o cessar-fogo não valeria para grupos terroristas, como a Frente al-Nusra. A Rússia e o governo de Assad, porém, classificam todos os principais grupos atuantes em Ghouta Oriental de terroristas.
O anúncio de um cessar-fogo unilateral pela Rússia em Ghouta Oriental, logo após o – ou até mesmo concomitantemente ao – fracasso da resolução do Conselho de Segurança pedindo uma trégua de 30 dias nos combates evidenciou tanto a primazia de Moscou como a impotência das Nações Unidas e do Ocidente nas questões relacionadas à Síria.
No sábado, o Conselho de Segurança aprovou por unanimidade a resolução pedindo o cessar-fogo na Síria. Sucessivamente retardada pela Rússia, a resolução só saiu depois de diversas concessões feitas para impedir o veto de Moscou, que é membro permanente do órgão mais poderoso da ONU.
Diplomatas ocidentais viram no atraso causado pela Rússia uma manobra para dar tempo ao regime de Assad, que tenta recuperar Ghouta Oriental das mãos dos rebeldes.
Nesta segunda-feira, depois de os combates continuarem em Ghouta Oriental, a Rússia praticamente transformou o documento da ONU em letra morta ao anunciar o seu próprio cessar-fogo, em seus próprios termos: cinco horas por dia de trégua para retirada de civis, começando nesta terça-feira.
Segundo Moscou, a população será informada com panfletos jogados de avião, mensagens de texto e vídeos e ônibus e ambulâncias estarão esperando num local pré-determinado para a retirada de doentes e feridos. Mas também o cessar-fogo da Rússia não conseguiu conter a violência.
A coluna Zeitgeist oferece informações de fundo com o objetivo de contextualizar temas da atualidade, permitindo ao leitor uma compreensão mais aprofundada das notícias que recebe no dia a dia.
Cronologia da guerra na Síria
O que se iniciou com protestos pacíficos em 2011 virou uma guerra civil brutal que já matou centenas de milhares de pessoas e fez milhões de refugiados. Reveja os principais acontecimentos.
Foto: Reuters/Stringer
2011: O início
Em 15 de março de 2011, protestos pacíficos contra a detenção de jovens acusados de fazer pichações antigoverno em sua escola, na cidade de Daraa, são reprimidos por forças de segurança, que abrem fogo contra manifestantes desarmados, matando quatro. Os protestos continuam por vários dias, fazendo 60 mortos e se espalham por todo o país. Segue-se um período de repressão violenta.
Foto: Anwar Amro/AFP/Getty Images
2011/2012: Isolamento internacional
O ex-presidente Barack Obama insta o presidente Bashar al-Assad a renunciar, e os EUA anunciam sanções a Assad em maio e congelam bens do governo sírio nos EUA em agosto de 2011. A União Europeia também anuncia sanções, em setembro. Em novembro, a Liga Árabe suspende a Síria e impõe sanções ao regime. Também a Turquia anuncia uma série de medidas, incluindo sanções, em dezembro.
Foto: AP
2012: Observadores internacionais desistem
Em dezembro de 2011, a Síria permite a entrada de observadores da Liga Árabe para monitorar a retirada de tropas e armas de áreas civis. A missão é suspensa em janeiro de 2012. Em fevereiro, os EUA fecham sua embaixada em Damasco. Em abril de 2012, chegam observadores da ONU, que partem dois meses depois por falta de segurança.
Foto: REUTERS
2013: Ataque com gás
Em março, um ataque com gás mata 26 pessoas, ao menos a metade deles soldados do governo, na cidade de Khan al-Assal. Investigação da ONU conclui que foi usado gás sarin. Em agosto, outro ataque com gás mata centenas em Ghouta Oriental, um subúrbio de Damasco controlado pelos rebeldes. A ONU afirma que mísseis com gás sarin foram lançados em áreas civis. Os EUA e outros países culpam regime sírio.
Foto: picture-alliance/AP Photo
2013: Destruição de armas químicas
Em agosto, investigadores da ONU chegam à Síria para averiguar o uso de armas químicas, em meio a denúncias de médicos e ativistas. EUA afirmam que 1.429 pessoas morreram num ataque, e Obama pede ao Congresso autorização para ação militar. Em setembro, o Conselho de Segurança da ONU ameaça usar a força e, em outubro, Damasco inicia a destruição de seu arsenal declarado de armas químicas.
Foto: AFP/Getty Images
2014: EUA atacam "Estado Islâmico"
Em setembro, os EUA iniciam ataques aéreos a alvos do "Estado Islâmico" na Síria. Em outubro, o mediador da ONU, Staffan de Mistura, começa a negociar uma trégua ao redor de Aleppo, mas o plano fracassa meses depois.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Ghirda
2015: Rússia entra no conflito
Em setembro, a Rússia, que desde o início fornecera ajuda militar ao governo sírio nos bastidores, entra ativamente no conflito, bombardeando opositores do regime. A ajuda se mostra decisiva, e a guerra civil passa a pender para o lado de Assad, que nos meses seguintes recupera território perdido para os rebeldes.
Foto: Reuters/Rurtr
2016: Governo controla Aleppo
A ONU e a Opac afirmam que tanto militares sírios quanto o "Estado Islâmico" usaram gás em ataques a opositores. O ano é marcado por várias tentativas de tréguas. Em setembro, a cidade de Aleppo é alvo de 200 ataques aéreos por forças pró-Assad num fim de semana. Em dezembro, as forças governamentais assumem controle de Aleppo, encerrando quatro anos de domínio dos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/G. Ourfalian
2017: Ataque em Idlib
Em fevereiro, Rússia e China vetam resolução do Conselho de Segurança da ONU pedindo sanções ao governo sírio pelo uso de armas químicas. Em abril, ao menos 58 pessoas morrem na província de Idlib, dominada pelos rebeldes, no que aparenta ser um ataque com gás. Testemunhas afirmam que o ataque foi executado por jatos sírios e russos, mas tanto Moscou quanto Damasco negam bombardeio.
Foto: Getty Images/AFP/O. H. Kadour
2017: Resposta dos EUA
Em abril, os EUA lançam dezenas de mísseis sobre a base militar de onde se acredita ter saído o ataque em Idlib. Em maio, o presidente Donald Trump aprova planos para armar combatentes das milícias curdas YPG na luta contra o "Estado Islâmico". A medida enfurece a Turquia, que vê as YPG como um grupo terrorista. Em outubro, o "Estado Islâmico" perde o controle de Raqqa, sua autoproclamada capital.
Em janeiro, aviões turcos bombardeiam a região curda de Afrin, dando início à operação contra as YPG intitulada "Ramo de Oliveira". A Turquia anuncia a morte de centenas de "terroristas", mas entre os mortos estão dezenas de civis, dizem ativistas. Em fevereiro, as milícias YPG chegam a acordo com o regime sírio para o envio de tropas pró-governo para auxiliar no combate aos turcos em Afrin.
Foto: picture alliance/AA/E. Sansar
2018: Ofensiva em Ghouta Oriental
Em 21 de fevereiro, tropas pró-regime executam ofensiva em larga escala contra enclave rebelde localizado ao leste de Damasco. Em torno de 400 mil civis ficam sitiados, com acesso limitado a alimentos e cuidados médicos. Os ataques matam centenas de pessoas. No dia 24 de fevereiro, o Conselho de Segurança da ONU aprova trégua humanitária de 30 dias vigente em todo o território sírio. Ela fracassa.
Foto: Reuters/B. Khabieh
2018: O bombardeio ocidental
Após dias de ameaça, em 14 de abril Trump anuncia o lançamento de mais de cem mísseis, em conjunto com França e Reino Unido, na Síria. O ataque é uma retaliação ao ataque químico na cidade de Duma, que matou dezenas de civis e que o Ocidente atribui ao regime de Bashar al-Assad.
Foto: picture-alliance/AP Photo/L. Matthews
2019: Estados Unidos começam a se retirar da Síria
Em janeiro de 2019, os Estados Unidos começaram a se retirar da Síria. O presidente americano afirmou que o Estado Islâmico havia sido derrotado e, por isso, a presença dos EUA não seria mais necessária. A decisão foi contestada dentro do próprio governo e também pelas milícias curdas na Síria, aliadas dos EUA, que temiam enfraquecer-se.
Foto: Getty Images/AFP/D. Souleiman
2019: fim do autoproclamado califado do EI
Em março de 2019, as Forças Democráticas Sírias (FDS), aliança liderada por curdos, anunciaram que o autoproclamado califado do Estado Islâmico foi totalmente eliminado, após combates em Baghouz, considerado o último reduto jihadista na Síria. Militantes curdos e árabes das FDS, apoiados pela coalizão internacional liderada pelos EUA, combatiam há várias semanas os jihadistas.