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ConflitosIêmen

Entenda por que milícia houthi ataca navios no Mar Vermelho

Publicado 17 de dezembro de 2023Última atualização 22 de dezembro de 2023

Grupo ligado ao Irã e que controla parte do Iêmen passou a bombardear cargueiros com partida ou destino em Israel em "solidariedade" ao Hamas. Tensão na região pode afetar comércio global.

Combatentes houthis fortemente armados em um grande barco. Um helicóptero sobrevoa o barco
Ataques enquadram-se na retórica antissemita e antiamericana dos houthisFoto: Houthi Media Center/AP/picture allaince

Em dezembro de 2023, pelo menos quinze grandes empresas de transporte naval suspenderam suas rotas pelo Mar Vermelho, temendo ataques da milícia houthi, que controla parte do Iêmene é apoiada pelo Irã. Várias embarcações, de diferentes bandeiras, foram atacadas na região, sobretudo por drones.

Na noite de quinta-feira (11/01), os Estados Unidos e seus aliados executaram uma série de ataques aéreos contra a milícia houthi. Os bombardeios são a resposta militar mais significativa à ofensiva persistente dos houthis no Mar Vermelho

Importante rota para o comércio mundial, é pelo Mar Vermelho que navegam cargueiros a caminho do Golfo de Áden e do Canal de Suez, que liga os mercados da Ásia e da Europa sem a necessidade de contornar a África.

A DW resume a seguir as consequências que esses ataques podem ter no comércio global. 

Por que as milícias houthis estão atacando navios?

A milícia houthi, sediada no Iêmen, intensificou os ataques a cargueiros no Mar Vermelho em apoio ao grupo fundamentalista islâmico Hamas no atual conflito contra Israel. O Hamas é considerado um grupo terrorista por vários países ocidentais, incluindo Israel, União Europeia e Estados Unidos.

A República Islâmica do Irã e Israel são inimigos que representam uma ameaça existencial mútua, competem pela hegemonia regional e mantêm uma guerra encoberta com ataques cibernéticos, assassinatos e sabotagens.

O Irã lidera o chamado "eixo da resistência", uma espécie de aliança informal composta pela Síria, pelo grupo xiita libanês Hisbolá, por facções palestinas, por milícias iraquianas e pelos rebeldes houthis do Iêmen, entre outros.

A guerra civil no Iêmen começou em 2014, quando a capital Sana foi tomada pelos rebeldes houthis, apoiados pelo Irã. Desde 2015, uma coalizão liderada pela Arábia Saudita, aliada do governo internacionalmente reconhecido do Iêmen, combate os houthis, temendo um conflito em seu território. Como parte dessa tensão, navios eram atacados esporadicamente na região, onde também atuam piratas da Somália.

Mas, com o início do atual conflito entre Israel e o Hamas, os ataques a cargueiros aumentaram de forma exponencial, gerando preocupação mundial.

Os rebeldes houthis declararam "solidariedade" ao Hamas e atacaram com drones e mísseis, lançados a partir do sul da Península Arábica, a cidade de Eilat, no sul de Israel. Também passaram a bombardear navios no Mar Vermelho, que banha parte da costa do Iêmen.

Os ataques enquadram-se na retórica antissemita e antiamericana dos houthis e na sua esperança de obter um reconhecimento mais amplo como parte do Eixo de Resistência liderado pelo Irã.

A milícia apresenta-se como vítimas de uma conspiração entre Israel, os EUA e a Arábia Saudita, motivo pelo qual é popular junto a parte da população iemenita.

Quais navios são alvos?

A milícia houthi tem como alvo todos os navios que acredita estarem chegando ou saindo de Israel. Os únicos cargueiros com passagem livre no Mar Vermelho são os que levam ajuda humanitária à Faixa de Gaza. Todos os outros são "alvos legítimos das nossas forças armadas", afirmou o grupo num comunicado.

Os rebeldes houthis têm um arsenal significativo de armas, além de drones e mísseis antinavio – até um helicóptero já foi usado para sequestrar um navio israelense.

No dia 15 de dezembro, dois navios cargueiros do Iêmen foram atacados e incendiados, incluindo o "Al-Jasrah", operado pela companhia marítima alemã Hapag-Lloyd.

Rebeldes houthis desfilaram em setembro com seu arsenal para marcar os nove anos da tomada da capital do Iêmen, SanaFoto: Mohammed Huwais/AFP/Getty Images

Qual a importância do Mar Vermelho?

Ao norte do Mar Vermelho fica o Canal de Suez e, ao sul, o Estreito de Bab al-Mandab, que leva ao Golfo de Áden. É uma rota marítima movimentada, onde os navios transitam rumo ao Canal de Suez para transportar mercadorias entre a Ásia e a Europa.

Cerca de 10% do comércio mundial passa pelo Canal de Suez. Uma grande parte do abastecimento energético da Europa provém do Mar Vermelho, além de alimentos como óleo de palma e grãos, bem como todos os tipos de produtos entregues em navios porta-contêineres.

Em 2021, um navio encalhado no Canal de Suez causou transtornos em todo o mundo durante vários dias, ao bloquear a passagem de outros cargueiros.

Como os ataques afetam o comércio?

Devido à escalada nos ataques, pelo menos 15 companhias marítimas – entre elas Mediterranean Shipping Company (MSC), CMA CGM, Hapag-Lloyd, Maersk e Evergreen – anunciaram a suspensão temporária de viagens pelo Mar Vermelho.

No caso da taiwanesa Evergreen, a empresa disse que, por enquanto, não aceitará mais nenhuma carga israelense.

Alguns navios adotaram uma rota alternativa, mais longa, contornando a África e passando pelo Cabo da Boa Esperança. Segundo especialistas, isso prolonga a viagem em até 31 dias, dependendo da velocidade – o que significa maiores custos e atrasos nas entregas.

A consequência imediata mais clara dos ataques, porém, foi um aumento nos custos de seguros: de acordo com a Lloyd's List Intelligence, os preços desses serviços dobraram para navios que viajam no Mar Vermelho – para companhias marítimas israelenses, o aumento chega a 250%.

Os transportadores também estão cobrando de seus clientes uma "sobretaxa de risco de guerra". É o caso, por exemplo, da alemã Hapag-Lloyd, que deverá cobrar entre 250 e 1000 dólares (R$ 1.213 a R$ 4.854) a mais por container a partir de 2024. A empresa informou que, até o fim de 2023, teria alterado a rota de 25 embarcações por causa da insegurança no Mar Vermelho. 

Pelos mesmos motivos, a dinamarquesa Maersk tem cobrado 200 dólares (R$ 971) a mais por container saído da Ásia em direção à Europa e à América do Norte, para compensar a rota mais longa pelo Cabo da Boa Esperança. A partir de 2024, outros 500 dólares adicionais (R$ 2.427) serão cobrados.

Além das sobretaxas, a redução da oferta e o aumento da demanda decorrentes dessas rotas mais longas podem impactar o comércio global.

A petrolífera BP também suspendeu temporariamente todos os transportes através do Mar Vermelho, aumentando os temores de que a crise – que até agora afetou principalmente o transporte de bens industriais – possa também se espalhar para o setor da energia e ter um efeito cascata sobre a economia, turbinando a inflação.

Apesar do arsenal da milícia houthi, especialistas consideram que ela não tem navios de guerra suficientes para bloquear completamente o Mar Vermelho e impor uma barreira. Navios de combate dos Estados Unidos, França e outros países também patrulham a área e mantêm a hidrovia aberta.

Nas últimas semanas, vários mísseis e drones foram abatidos por navios de guerra americanos, franceses e britânicos que patrulhavam a área.

Como a política internacional está reagindo aos ataques?

Em dezembro, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou para o fim "imediato" dos ataques, que não só impedem a liberdade de navegação, mas também podem causar um desastre ecológico se atingirem um navio petrolífero. 

No mesmo período, a União Europeia (UE) afirmou que os numerosos ataques ameaçam o transporte marítimo internacional e a segurança marítima e constituem uma grave violação do direito internacional.

A Ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, exigiu que "os ataques houthis a navios mercantes civis no Mar Vermelho parem imediatamente". Segundo ela, esses ataques mostram "que a ameaça à segurança de Israel não vem apenas do Hamas em Gaza, mas também dos houthis".

O Pentágono informou que o secretário de Defesa americano, Lloyd Austin, quer visitar o Bahrein para "formar coalizões multilaterais", em um esforço para "responder à agressão marítima que ameaça o transporte e a economia global".

O Irã alertou que a proposta dos Estados Unidos poderá não ser bem recebida.

"Se executarem uma medida tão irracional, enfrentarão problemas extraordinários", disse o ministro da Defesa iraniano, Mohammad Reza Ashtiani.

O secretário de Defesa britânico, Grant Shapps, também alertou que os ataques a navios mercantes na região representam uma ameaça direta ao comércio internacional e à segurança marítima.

le/rk/ra (Lusa, EFE, ots)