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Entidades de imprensa condenam censura do STF a reportagem

16 de abril de 2019

Organizações defensoras da liberdade de imprensa criticam decisão de retirar do ar texto que liga Dias Toffoli, presidente do STF, a Marcelo Odebrecht. Caso agora ameaça gerar queda de braço entre o Supremo e a PGR.

José Antonio Dias Toffoli, juiz do Supremo Tribunal Federal
José Antonio Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal FederalFoto: Getty Images/AFP/V. Silva

Associações que representam a imprensa criticaram a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes de retirar do ar uma reportagem que ligava o presidente da corte, José Antonio Dias Toffoli, ao empreiteiro e delator Marcelo Odebrecht.

Em nota conjunta, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) e a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) protestaram contra a decisão do ministro do STF de proibir a publicação da reportagem "O amigo do amigo do meu pai" na revista digital Crusoé e no site O Antagonista.

"A decisão configura claramente censura, vedada pela Constituição, cujos princípios cabem ser resguardados exatamente pelo STF", afirmaram as entidades no comunicado.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) afirmou que espera que o STF reveja essa decisão "teratológica" e restabeleça, de forma urgente, o direito à informação e à liberdade de imprensa "como determina a lei". "Como guardião da Constituição, não pode o Supremo advogar em causa própria, criando casuísmos jurídicos que violam princípios e direito que deveriam ser por ele protegidos", afirmou a ABI.

Em nota, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) afirmou que "causa alarme o fato de o STF adotar essa medida restritiva à liberdade de imprensa justamente em um caso que se refere ao presidente do tribunal". 

"É grave acusar quem faz jornalismo com base em fontes oficiais e documentos de difundir fake news, independentemente de o conteúdo estar correto ou não", escreveu a Abraji. "O precedente que se abre com essa medida é uma ameaça grave à liberdade de expressão, princípio constitucional que o STF afirma defender." 

A revista digital Crusoé repudiou a decisão e denunciou o caso como censura. O site O Antagonista comunicou que a reportagem tem como base um documento que consta dos autos da Operação Lava Jato. O Jornal Nacional, da Rede Globo, informou ter tido acesso ao documento e que ele consta do processo de delação de Odebrecht. A Folha também teve acesso ao documento, assinado por um advogado da Odebrecht.

De acordo com a reportagem publicada na semana passada pela Crusoé e O Antagonista, a defesa do ex-presidente da Odebrecht juntou em um dos processos contra ele na Justiça Federal um documento no qual afirma que o indivíduo mencionado num e-mail como "amigo do amigo do meu pai" era Dias Toffoli, que, na época, era advogado-geral da União. A explicação de Odebrecht se refere a um e-mail de julho de 2007.

Conforme a reportagem, Odebrecht tratava no e-mail com o advogado da empresa e com outro executivo sobre se tinham feito um acordo com o "amigo do amigo do meu pai". Não há menção de pagamentos. Ao ser questionado pela força-tarefa da Lava Jato, o empreiteiro respondeu que o e-mail "refere-se a tratativas que Adriano Maia [o advogado] tinha com a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira" e que "'amigo do amigo de meu pai' se refere a José Antonio Dias Toffoli".

Os autores da reportagem afirmaram que o conteúdo foi enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR), que, em nota oficial, negou ter recebido qualquer material.

"Ao contrário do que afirma o site O Antagonista, a PGR não recebeu nem da força tarefa da Lava Jato e nem do delegado que preside o inquérito 1365/2015 qualquer informação que teria sido entregue pelo colaborador Marcelo Odebrecht em que ele afirma que a descrição 'amigo do amigo de meu pai' refere-se ao presidente do STF, Dias Toffoli".

"Obviamente, o esclarecimento feito pela Procuradoria-Geral da República torna falsas as afirmações veiculadas na matéria 'O amigos do amigo de meu pai', em típico exemplo de fake news – o que exige a intervenção do Poder Judiciário", afirmou Moraes.

Além de decretar a obrigatoriedade de retirar a reportagem do ar, Moraes impôs uma multa de R$ 100 mil por dia caso houvesse descumprimento. Na segunda-feira, o STF aplicou uma multa de R$ 100 mil à revista digital Crusoé, por considerar que esta não cumpriu a ordem. A revista classificou a multa como "absurda" e alegou que retirou o texto do ar no menor tempo possível.  

Organizações que não são diretamente ligadas à imprensa também protestaram contra a decisão de Moraes, entre elas a Transparência Internacional e a Associação Nacional de Procuradores da República (Anpr).

"Como ficam o cidadão e a liberdade de imprensa se o próprio juiz, ademais da Suprema Corte, ao que tudo indica com provocação de outro juiz, e mais nada, decide os rumos de uma investigação e dá ordens de retiradas de conteúdo e de oitiva de jornalistas?, questionou José Robalinho Cavalcanti, presidente da Anpr.

O caso repercutiu também entre os partidos políticos. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do requerimento para instaurar a CPI da Lava Toga, que tem o objetivo de investigar o Poder Judiciário, também lamentou a decisão de Moraes. "É profundamente lamentável que justamente aqueles que deveriam ser os guardiões máximos da Constituição Federal usem do abuso de poder para inibir investigações e manter o status de impunidade", disse Vieira.

A deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que também é advogada e coautora da petição que iniciou o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, afirmou que a legislação prevê outras medidas. "A reportagem poderia ser contestada e criticada, até duramente, mas tirar a matéria do ar, sob pena de multa diária de 100 mil reais? O que está acontecendo com o nosso país?"

Desdobramentos

A decisão de Moraes foi tomada no âmbito de um controverso inquérito aberto pelo próprio STF em março para investigar supostas ofensas e ameaças contra membros da corte. Nesta terça-feira, Moraes ainda ampliou o escopo da investigação, ordenando o cumprimento de oito mandados de busca e apreensão contra usuários de redes sociais que haviam publicado conteúdos com críticas ao STF.

Agora, a iniciativa do STF ameaça se tornar uma briga com a Procuradoria-Geral da República, que já havia sugerido em março que o tribunal estava extrapolando suas atribuições. Após a censura aos sites e as buscas e apreensões, Dodge resolveu enfrentar o STF, enviando um ofício ao tribunal. No documento, ela afirmou ter arquivado o inquérito aberto pelo próprio tribunal.

Apesar de a PGR não ter participado da investigação, Dodge argumentou que o Ministério Público é o único órgão com legitimidade para conduzir as investigações. Dessa forma, ela teria poder para arquivar ou prosseguir com o caso. 

“O sistema penal acusatório é uma conquista antiga das principais nações civilizadas, foi adotado no Brasil há apenas trinta anos, em outros países de nossa região há menos tempo e muitos países almejam esta melhoria jurídica. Desta conquista histórica não podemos abrir mão, porque ela fortalece a justiça penal", disse Dodge. 

Em resposta, Moraes afirmou que a manifestação de Dodge não tem respaldo legal e manteve a investigação. "O pleito da Procuradora Geral da República não encontra qualquer respaldo legal (...) e, se baseando em premissas absolutamente equivocadas, pretender, inconstitucional e ilegalmente, interpretar o regimento da corte e anular decisões judiciais do Supremo Tribunal Federal", escreveu o ministro na decisão.

Moraes ainda informou que o inquérito foi prorrogado por mais 90 dias pela presidência do tribunal.

PV/JPS/efe/ots

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