Enviado dos EUA para o clima pede ação imediata de Bolsonaro
17 de abril de 2021
John Kerry diz que Washington espera medidas rápidas contra o desmatamento e pede engajamento com indígenas e a sociedade civil. Em carta, senadores americanos acusam Bolsonaro de dar luz verde a criminosos na Amazônia.
Anúncio
John Kerry, enviado para o clima do governo do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu nesta sexta-feira (16/04) que o presidente Jair Bolsonaro tome "ações imediatas" contra o desmatamento, e disse esperar que o governo brasileiro atue ao lado das comunidades indígenas e da sociedade civil nas questões ambientais.
Em mensagem publicada no Twitter, o americano comentava uma carta enviada pelo presidente brasileiro a Biden, na qual ele prometeu eliminar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030 e pediu o apoio dos EUA para atingir esse objetivo.
Segundo Kerry, o comprometimento de Bolsonaro com o fim do desmatamento ilegal é "importante", mas Washington espera ver resultados.
"Esperamos ações imediatas e um engajamento com as populações indígenas e a sociedade civil para que esse anúncio possa gerar resultados tangíveis", escreveu o enviado para o clima.
Bolsonaro enviou a carta ao presidente americano na última quarta-feira, uma semana antes da chamada Cúpula dos Líderes sobre o Clima, organizada por Washington. O presidente brasileiro foi um dos 40 líderes mundiais convidados por Biden para a reunião, que ocorrerá online nos dias 22 e 23 de abril.
A carta de sete páginas afirma que, para o país alcançar a meta de eliminar o desmatamento ilegal até 2030, serão necessários "recursos vultuosos e políticas públicas abrangentes".
"A magnitude [destes] obriga-nos a querer contar com todo apoio possível, tanto da comunidade internacional, quanto de governos, do setor privado, da sociedade civil e de todos os que comungam desse nobre objetivo", diz o texto.
"Inspira-nos a crença de que o Brasil merece ser justamente remunerado pelos serviços ambientais que seus cidadãos têm prestado ao planeta", completa Bolsonaro.
Ele também admitiu a possibilidade de o Brasil antecipar para 2050 o objetivo de longo prazo de alcançar a neutralidade climática, dez anos antes da data anteriormente prometida.
Mudança de tom
Com a mensagem, o presidente pela primeira vez respondeu positivamente a um dos principais apelos do governo americano na questão ambiental, que é o combate ao desmatamento ilegal.
O tom, contudo, diverge da postura adotada até então por Bolsonaro, que chegou a atacar ONGs e ativistas ambientais e a trocar farpas com líderes internacionais que criticaram a política ambiental brasileira e denunciaram o desmatamento da Amazônia quando este atingiu níveis recordes.
Durante a campanha eleitoral, Biden propôs que países forneçam ao Brasil 20 bilhões de dólares para combater o desmatamento e disse que o país deve sofrer repercussões se falhar esse objetivo. Na época, Bolsonaro classificou os comentários de Biden como "lamentáveis" e "desastrosos".
Anúncio
Carta de senadores americanos
Também nesta sexta-feira, às vésperas da cúpula do clima de Biden, um grupo de senadores democratas enviou uma carta ao presidente americano criticando o péssimo histórico ambiental de Bolsonaro e pedindo a Washington que condicione qualquer ajuda financeira à redução do desmate na Amazônia.
"Dado o histórico de compromissos climáticos não cumpridos, achamos que devemos impor condições para enviar auxílio americano ao Brasil: progresso significativo e sustentado na redução do desmatamento e no fim da impunidade para crimes ambientais e da intimidação e violência contra defensores das florestas", diz o texto.
A carta foi assinada por 15 influentes parlamentares americanos, incluindo os ex-pré-candidatos à presidência dos EUA Bernie Sanders e Elizabeth Warren, e o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Robert Menendez.
Segundo os senadores, "a retórica e as políticas do presidente Bolsonaro efetivamente deram luz verde para os perigosos criminosos que atuam na Amazônia, permitindo-lhes expandir dramaticamente as suas atividades".
Eles continuam afirmando que uma parceria entre EUA e Brasil "só é possível se o governo Bolsonaro começar a levar a sério os compromissos climáticos do Brasil – e apenas se proteger, apoiar e envolver de forma significativa os muitos brasileiros que podem ajudar o país a cumpri-los".
ek (AP, Lusa, ots)
Desmatamento e fogo na Amazônia
Focos de incêndio na Floresta Amazônica atingem seu pior agosto em quase uma década. Em Rondônia, fogo é a última etapa de uma cadeia criminosa que inclui invasão de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Chamas em agosto
Com 30.901 focos de queimadas registrados por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a 45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Foto: Flávio Forner
Prejuízos à saúde
Na região de Porto Velho, capital de Rondônia, a fumaça das queimadas causa problemas sérios de saúde. Em um estudo realizado no estado, a Fiocruz analisou dados de 1998 a 2005 e concluiu que o número de mortes de idosos acima de 65 anos por doenças respiratórias aumenta durante os meses de queimadas. Até 80% das mortes estão relacionadas aos incêndios florestais.
Foto: Flávio Forner
O futuro da floresta nacional
A Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho, foi criada em 1988 para proteger originalmente 280 mil hectares da Floresta Amazônica. Em 2010, um decreto reduziu a área para 98 mil hectares por conta da ocupação da região. A Flona (floresta nacional) é uma das mais ameaçadas no bioma, com histórico de invasões, desmatamento e queimadas.
Foto: Flávio Forner
Plantão na floresta
Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ficam de plantão na região da Floresta Nacional do Bom Futuro 24 horas por dia na época das queimadas, de julho a outubro. Eles fazem rondas diárias para evitar crimes e, quando identificam fogo, usam bombas costais e abafador para apagar as chamas.
Foto: Flávio Forner
Solo mais pobre
O primeiro efeito da queimada é a perda de nutrientes e da biota do solo, alerta o biólogo Marcelo Ferronato, da ONG Ecoporé. Com o passar dos anos, os nutrientes que estavam ali sendo depositados pelas florestas desaparecem, como folhas e galhos. "O solo vai se enfraquecendo, a área começa a ser degradada, a produtividade cai, e novas áreas são abertas, alimentando o ciclo do desmatamento."
Foto: Flávio Forner
Lote ilegal
O capim cresce na área já desmatada dentro da Floresta Nacional do Bom Futuro. A estaca fixada no chão serve para demarcar o lote que, mais para frente, será vendido de forma ilegal. A área onde o crime ocorreu fica a menos de um quilômetro da estrada de terra que corta a unidade de conservação.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento antes do fogo
Esta clareira na Floresta Nacional do Bom Futuro foi aberta cinco dias antes de a equipe da DW Brasil visitar o local. Algumas árvores mais antigas ainda estão de pé, como uma da espécie tauari de 200 anos, de cerca de 40 metros de altura, que também é um porta-sementes. Segundo brigadistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de colocar fogo.
Foto: Flávio Forner
Reflorestamento em risco
Alguns projetos de compensação ambiental de outros empreendimentos são revertidos para a Floresta Nacional do Bom Futuro. Na foto, árvores nativas da Amazônia crescem numa área do tamanho de 70 campos de futebol que foi desmatada. Se elas sobreviverem aos crimes cometidos na região, precisarão de 50 anos para voltar a ganhar o aspecto de uma floresta densa.
Foto: Flávio Forner
Pressão em terras indígenas
No estado de Rondônia, 21 reservas são destinadas a povos indígenas. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, tem sete aldeias e comunidades que escolheram viver isoladas na Floresta Amazônica. Criado em 1985, o território de uso exclusivo dos indígenas sofre ameaças constantes de madeireiros e grileiros.
Foto: Flávio Forner
Preocupação com a floresta
Segundo os indígenas, a destruição da floresta é muito rápida. Eles acreditam que a "empreitada" para desmatar e queimar a mata, que conta com entre 10 e 15 pessoas, seja custeada por quem tem muito dinheiro. Depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim, conta Taroba Uru-Eu-Wau-Wau (foto).
Foto: Flávio Forner
Desmatamento e pastagem
Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Dados oficiais estimam que o rebanho no estado ultrapasse 14 milhões de cabeças. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir.