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Era pós-Fidel

1 de setembro de 2011

Novamente correm boatos sobre o estado de saúde de Fidel Castro. Não é a primeira vez que o ex-governante cubano é tido equivocadamente como morto. E repetidamente paira no ar a pergunta sobre o futuro do país sem ele.

Fidel completou 84 anos em agostoFoto: AP

"Esta semana Castro teve uma nova recaída", escreveu em seu blog runrunes.es o jornalista venezuelano Nelson Bocaranda. "Fidel está na UTI da sua casa, passando por um tratamento rigoroso, sob vigilância permanente dos familiares mais próximos", acrescenta. Esse registro, com data da última segunda-feira (29/08), foi a fonte dos rumores de que o ex-governante cubano poderia estar em coma ou até mesmo morto.

 

"Não há motivo para acreditar que essa informação esteja correta", adverte Bernt Hoffmann, cientista político do Instituto Alemão de Estudos Globais de Hamburgo (Giga), "mas, por outro lado, é evidente que Castro está muito doente e que algo do gênero pode acontecer a qualquer momento", diz o especialista em América Latina.

 

A notícia não foi confirmada e, como indica o próprio Bocaranda, "Fidel já esteve à beira da morte várias vezes, mas não tantas como os rumores que circularam nestes 50 anos em que ele esteve no poder".  E agora, de novo, comenta-se na internet a esse respeito, em mais uma tentativa de vislumbrar o futuro de Cuba após a morte de seu mítico líder.  

 

De olho na China e no Vietnã 

 

"Se Fidel morresse agora, não haveria grandes mudanças no país. Sua despedida começou há muito tempo. Foi uma despedida por etapas, muito gradual, e está concluída. Tanto as pessoas quanto os funcionários do sistema já estão acostumados, todos sabem que não vivem na época de Fidel, que ele pertence ao passado. A era pós-Castro começou há cinco anos", afirma Hoffmann.

 

A morte do "líder máximo", com seu rosto destacado entre "os barbudos", seria um golpe emocional para Cuba, aponta o especialista alemão, mas não um golpe político. A transição de poder já aconteceu. E Fidel Castro já não se envolve há muito com os assuntos governamentais, afirma Hoffmann, lembrando que Raúl Castro volta seu olhar para a China e para o Vietnã.

 

Segundo o cientista político, uma nova geração de personagens anônimos está preparada para deixar para trás um regime personificado e abrir as portas de outro sem uma figura central, no qual o pragmatismo reina sobre o dogmatismo, como aconteceu gradualmente na China depois de Mao. 

Fidel e Raúl Castro em abril deste anoFoto: picture-alliance/dpa

 

No entanto, parte importante deste boom chinês de hoje está calcada nas longuíssimas jornadas de trabalho de alguns operários, cujos salários, em muitos casos, não garantem nem mesmo uma assistência médica decente. Seria possível algo semelhante acontecer em Cuba, tão orgulhosa de seus êxitos sociais? 

 

"O sistema de saúde cubano deixou, há tempos, de ser o que era: a assistência médica básica está garantida, mas se o cidadão necessita de óculos, por exemplo, tem que comprar no mercado negro, já que por vias oficiais é praticamente impossível conseguir. O mesmo acontece com a educação. As questões sociais passaram por uma erosão significativa e Raúl Castro não nega que isso faça parte do programa de reformas. O fato de que uma das profissões legalizadas seja a de professor particular é prova disso. Hoje, as crianças cubanas recebem, na escola, uma formação relativamente fraca. Os pais que podem, pagam para que seus filhos tenham aulas particulares depois da escola", diz Hoffmann. 

 

As medidas econômicas adotadas nos últimos anos para tornar o socialismo "sustentável", como a controversa decisão de despedir mais de um milhão de funcionários públicos, representa uma ruptura significativa com os princípios do modelo cubano – princípios que em outros tempos eram imutáveis, lembra o cientista político do Giga.

 

Mas, mesmo assim, diz ele, "copiar o modelo chinês ou vietnamita não será fácil. Pensar que uma dinâmica econômica como essa possa se reproduzir sem maiores problemas é uma visão muito otimista da situação. Isso não impede, porém, que, enquanto ainda puder, Havana  continuará trilhando esse caminho".

 

Da morte de Fidel à democracia? 

 

"O núcleo do sistema", descreve Hoffmann, "é composto por certa integração social e aquilo que se vai tentar manter como tese nacional: a legitimação baseada no medo de que se venda o país para os Estados Unidos, ou seja, 'ou o socialismo ou os ianques'. A apresentação destes dois polos como os únicos possíveis exclui as opções de qualquer outro modelo", resume o cientista político alemão.

 

Sem dúvida, o fato de que exemplos de organização política alternativa estejam visíveis a poucos quilômetros de distância também diferencia a situação de Cuba daquela da China ou do Vietnã. Isso fará com que a elite cubana, opina Hoffmann, seja mais cuidadosa com as mudanças, que serão implementadas "com um passo adiante e outro para trás". E os conflitos serão consequentemente maiores: "a tensão social vai crescer, isso já estamos vivenciando. O regime pode responder a isso com maior repressão, mas também com maior abertura", analisa o especialista. 

 

Imagem de Fidel: onipresente nas paredes cubanasFoto: AP

A tensão vivida em Cuba também é registrada por Joel García, um dos exilados cubanos que, há alguns meses, convocou, via internet, um levante contra o regime. Ele atribui as recentes manifestações em Cuba ao "desaparecimento de Fidel Castro há mais ou menos um mês e meio. E é possível que os boatos sobre sua morte, que chegam agora até nós, já estejam circulando pelo país há muito tempo", especula. 

 

Como muitos outros cubanos que vivem no exílio, García confia que o fim da era do ditador seja o estopim que irá desencadear a tão esperada reação civil: "Fidel Castro é o centro de tudo em Cuba. Em termos de carisma, Raúl Castro não chega nem a seus pés, mas ele também não incute o mesmo medo na população. Fidel é uma pessoa que incutiu muito medo na sociedade cubana. Se o cubano é capaz de calar esse medo com a morte de Fidel, acho que será possível uma explosão social que leve a uma democratização do país", diz o cubano residente na Espanha.

 

"Desde 1989, há especulações a respeito da possibilidade de que Cuba seja a próxima peça do dominó a cair", lembra Hoffmann. "E essas esperanças foram sempre frustradas, o que não quer dizer que vai ser sempre assim. Mas, no momento, não creio que se trate de uma questão de horas, nem que dependa da morte de Fidel Castro", conclui o especialista.  

 

Autora: Luna Bolívar Manaut (sv)
Revisão: Roselaine Wandscheer

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