"Era um mundo pós-apocalíptico", diz fotógrafo de Chernobyl
Ulrike Sommer (av)26 de abril de 2016
Trabalho do alemão Gerd Ludwig define até hoje a imagem que a comunidade mundial tem do desastre nuclear de 30 anos atrás. Em entrevista à DW, ele afirma que tragédia é uma séria advertência à arrogância humana.
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30 anos depois, reator de Chernobyl receberá outra cobertura
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Em 26 de abril de 1986, o fotojornalista alemão Gerd Ludwig documentou as imagens da catástrofe da usina nuclear de Chernobyl. Mais tarde, ele retornou várias vezes ao local, geralmente a serviço da revista americana National Geographic, a fim de registrar as consequências.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 4 mil pessoas morreram imediatamente em consequência do acidente nuclear em solo ucraniano, outras 4 mil, de efeitos posteriores. O trabalho do fotógrafo, de 69 anos, define até hoje a imagem que a comunidade mundial tem de Chernobyl.
DW: Como o senhor se envolveu com o tema Chernobyl?
Gerd Ludwig: Na verdade, eu cheguei por acaso a Chernobyl, no contexto de um artigo sobre o meio ambiente na antiga União Soviética. Eu estava no país havia cinco meses, e Chernobyl também fazia parte da reportagem. Depois que fui lá pela primeira vez, esse mundo pós-apocalíptico não me abandonou mais.
Como foram suas primeiras impressões do local do desastre?
Embora não se veja a radioatividade, não se ouça, não se sinta no gosto nem no tato, essa ameaça constante cria uma tensão na psique. Afinal, eu era o único fotógrafo ocidental a penetrar tão fundo no reator. A tensão de se mover rapidamente num espaço escuro, passando sobre fragmentos de metal, mais tropeçando do que caminhando, por cima de ruínas e destroços, sabendo que o perigo da radioatividade estava sempre à espreita, foi quase uma experiência traumática.
A tarefa dos operários era estabilizar gigantescos postes de aço, para isso tinham que abrir buracos no pavimento contaminado. De forma que eu, com a minha câmera, ficava exposto à poeira radioativa e também à chuva de fagulhas criada pela ação da broca.
Numa situação assim, pensa-se no perigo, ou só se quer tirar uma boa foto?
A pessoa tem que ignorar esse pensamento, se concentrar em fazer boas imagens. Já é uma pressão enorme só ter 15 minutos para tirar uma fotografia que seja relevante.
O senhor fotografou muitas vítimas, muitas crianças com malformações graves. O que um profissional pensa numa situação assim?
Como fotógrafo, tenho que dar algo de mim, pois também quero alguma coisa das pessoas. Então eu primeiro me sento com as crianças, falo com elas, brinco, e depois começo a fotografar. Aí eu consigo acesso às pessoas, elas confiam em mim. Aí nascem as imagens. Também é importante que eu, enquanto fotógrafo, primeiro sinta. Não posso nunca usar a câmera como escudo. Só sou capaz de fazer imagens emocionais, compassivas, se eu mesmo tiver sentido alguma coisa.
Como Chernobyl mudou no decorrer dos anos?
Na cidade-fantasma de Pripyat se vê a mudança decisiva. Nos primeiros anos, nos espaços fechados lá, a impressão era que as pessoas tinham largado tudo para trás, havia muitos objetos pessoais. Esses espaços internos contam sobre a vida das pessoas. Mas, ao longo dos anos, ladrões entraram na zona à noite, sob o manto da escuridão, e carregaram, roubaram tudo o que ainda pudesse ter algum valor, para vender aos desavisados nas feiras das vizinhanças. Hoje, esses espaços internos estão totalmente vazios. E o turismo se alastrou.
Um cientista na zona [de Chernobyl] me disse que se deveria levantar uma cerca dizendo: "Imprópria para assentamento humano por 24 mil anos!"
O senhor continuou voltando ao local do desastre. Como Chernobyl se tornou tema central da sua atuação profissional – mais ainda, da sua vida?
Em Chernobyl confluem duas vertentes do meu trabalho: por um lado, o envolvimento com a antiga União Soviética, por outro, os temas ecológicos. Chernobyl é a maior catástrofe atômica do mundo, até hoje. Em vejo meu trabalho lá como uma advertência contra a húbris humana. Sou da opinião que nem tudo o que é tecnologicamente viável faz necessariamente sentido.
A resistente fauna de Chernobyl
Trinta anos de contaminação radioativa não expulsaram os animais que habitam ao redor do antigo reator nuclear que explodiu em 1986. Um fotógrafo bielorrusso documentou a vida na região desabitada por humanos.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Quando os humanos se foram
Trinta anos após o desastre de Chernobyl, na antiga União Soviética, grandes áreas ao longo da usina nuclear, nos territórios que hoje são da Ucrânia e Belarus, ainda estão desertas por medo das consequências de longo prazo de um vazamento nuclear. Em vez de casas e edifícios, reaparecem águias, lobos, veados e outros animais.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Inóspito para humanos
Diferentes tipos de animais foram vistos no local, como esta raposa na foto tirada pelo fotógrafo bielorrusso da agência de notícias Reuters, Vasily Fedosenko, responsável por esta série de imagens. Segundo a agência, a ministra ucraniana do Meio Ambiente, Hanna Vronska, informou que "as pessoas não podem viver lá, é impossível, nem mesmo nos próximos 24 mil anos."
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Evacuados e realocados
O acidente ocorreu em 26 de abril de 1986, quando um experimento fracassado na usina nuclear na localidade de Pripyat levou a uma explosão no reator número 4, que fora construído somente três anos antes do desastre. Uma imensa quantidade de material radioativo foi liberada na atmosfera, espalhando-se para o resto da Europa. Mais de 350 mil pessoas foram evacuadas e realocadas entre 1986 e 2000.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Consequências pouco claras
Os pesquisadores continuam divididos sobre as implicações do desastre na flora e fauna da região, especialmente considerando a contradição entre os efeitos negativos da radiação e as conseqüências positivas da ausência humana. No entanto, parece que não se pode conter a natureza, como demonstra esta manada de bisões perto do vilarejo de Dronki, em Belarus.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Vilarejos abandonados
Reportagem de 2014 transmitida pelo programa "60 minutes", principal noticiário da emissora americana CBS, mostrou as ruínas quase intocadas de Pripyat, cidade abandonada na fronteira entre a Ucrânia e Belarus e que antes abrigava 50 mil pessoas. Aqui se veem restos de edifícios agrícolas perto do vilarejo bielorrusso de Pogonnoe, na declarada faixa de exclusão de 30 quilômetros.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Implicações de longo prazo
Muitas pessoas temem os efeitos de longo prazo para a saúde, provocados por tal ambiente radioativo. Em março, a Prêmio Nobel bielorrussa Svetlana Alexievich disse à DW: "todos os amigos que perdi nos últimos dez anos morreram de câncer. E não passa um dia em que eu não escuto de alguém que adoeceu ou morreu."
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Ninguém é imune
Um lobo olha para a câmera no vilarejo abandonado de Orevichi, em Belarus. Ainda que muitas espécies de plantas, flores e animais continuem a povoar a área em torno do reator nuclear, sabe-se que a taxa de mortalidade entre eles é maior que a média, e que eles sofrem de tumores e outras complicações. O impacto da radiação parece variar por espécie.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Perigo por séculos
"Foi bastante óbvio que padrões de deformação tenham prevalecido muito mais em áreas de alta contaminação", explicou o biólogo Timothy Mousseau à DW, após passar anos coletando insetos, aves e ratos mutantes da região de Chernobyl e Fukushima, no Japão. "Muitas áreas vão permanecer perigosas por séculos, ou até milênios", acrescentou. Aqui, alces são vistos perto de Dronki.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Efeitos em Belarus
Uma águia pousa sobre o telhado de uma escola no vilarejo abandonado de Tulgovichi, a cerca de 370 quilômetros ao sudeste de Minsk. A antiga república soviética de Belarus recebeu por volta de 70% da precipitação radioativa do acidente. Mais de 20% das terras agrícolas do país foram contaminadas.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Números pouco concludentes
Trinta anos depois, números precisos sobre casos de câncer causados pelo desastre de Chernobyl e pela contaminação indireta ainda não são concludentes. A quantidade de mortes atribuídas diretamente à explosão é de 31, mas até agora não há um quadro compreensível ou mesmo um consenso sobre o método usado para contabilizar os impactos na saúde.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
De uma geração a outra
O exame de animais, como este pica-pau visto perto do vilarejo de Babkhin, levou cientistas a acreditar que os efeitos da radiação são passados tanto através da cadeia alimentar quanto de uma geração a outra. Testes em animais provenientes da região de Chernobyl apontaram para um aumento das taxas de tumores, catarata e defeitos neurológicos, como tamanhos menores de cérebro.
Foto: Reuters/V. Fedosenko
Grande incerteza
Alguns pesquisadores acreditam que várias espécies encontradas hoje ao redor da área de Chernobyl não estavam lá antes do desastre. No entanto, essas suposições não foram confirmadas e, em sua maioria, os cientistas são cautelosos sobre tais declarações.