Erdogan volta atrás e desiste de expulsar dez embaixadores
26 de outubro de 2021
Presidente turco havia declarado diplomatas "persona non grata" por defenderem libertação de ativista preso desde 2017 sem julgamento. Nessa segunda-feira, porém, Erdogan interpretou mensagens de embaixadas como recuo.
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O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, recuou nesta segunda-feira (25/10) da decisão de expulsar dez embaixadores ocidentais, ao interpretar como pedidos de desculpas postagens feitas pelas representações diplomáticas no Twitter.
Em 18 de outubro, embaixadores de Alemanha, Dinamarca, França, Finlândia, Holanda, Suécia, Noruega, Nova Zelândia, Canadá e Estados Unidos haviam divulgado texto em favor da "resolução justa e rápida do caso" do empresário e ativista turco Osman Kavala, preso desde 2017 sem julgamento.
O documento afirmava que "os repetidos atrasos" no julgamento "levantam dúvidas sobre o respeito à democracia, o estado de Direito e a transparência no sistema judiciário turco".
Nesta segunda-feira, porém, a embaixada dos Estados Unidos publicou no Twitter mensagem dizendo que age em "conformidade com a Convenção de Viena e o seu artigo 41", que enquadra as relações diplomáticas e proíbe qualquer ingerência nos assuntos internos de um país anfitrião. A Alemanha e os outros oito países envolvidos na polêmica retuitaram a postagem ou publicaram textos semelhantes.
"O comunicado dos embaixadores atacava diretamente o nosso sistema judicial. Era um insulto aos nossos juízes e procuradores do Ministério Público. Não podemos aceitá-lo. Era meu dever, enquanto chefe de Estado, dar a resposta necessária", declarou Erdogan nesta segunda-feira, sublinhando que "a justiça turca não recebe ordens de ninguém".
"Hoje [segunda-feira], o novo comunicado dos mesmos embaixadores mostra que eles recuaram. Confiamos que, no futuro, serão mais prudentes", acrescentou.
No sábado, Erdogan havia declarado os 10 embaixadores persona non grata, designação diplomática que é o primeiro passo para a expulsão. No entanto, nenhuma embaixada havia sido formalmente comunicada.
"A nossa intenção não era provocar uma crise, mas proteger os direitos soberanos da Turquia", afirmou Erdogan.
Na semana passada, o ministro do Exterior da Turquia, Süleyman Soylu, já havia convocado os embaixadores desses países a prestar esclarecimentos. Em sua página no Twitter, ele afirmou que não considerava aceitável que embaixadores fizessem recomendações e sugestões ao Judiciário de seu país sobre um processo em andamento. "Suas recomendações e sugestões levantam dúvidas sobre seu entendimento sobre lei e democracia", escreveu.
Quem é Osman Kavala
Osman Kavala, de 64 anos, é um empresário e ativista turco que financia projetos artísticos e de promoção de diversidade cultural e de direitos de minorias. Ele está preso sem julgamento desde o final de 2017, acusado de envolvimento nos protestos de 2013 na Turquia e de uma tentativa de golpe contra Erdogan em 2016, o que ele nega.
No ano passado, ele havia sido inocentado da acusação sobre os protestos de 2013 e libertado, mas foi preso novamente algumas horas depois, acusado de espionagem e de ter tentado derrubar o governo turco.
Uma decisão da Corte Europeia de Direitos Humanos, da qual a Turquia é membro, já determinou que Kavala seja colocado em liberdade, mas não foi cumprida.
Erdogan acusa Kavala de ser um "braço turco" do bilionário e filantropo americano George Soros, que segundo o líder turco estaria por trás de insurreições em diversos países.
Soros é considerado um inimigo por diversos líderes mundiais populistas e de ultradireita, como Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria.
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Prazo para Ancara
A Corte Europeia de Direitos Humanos concluiu em 2018 que os direitos de Kavala foram violados e determinou a sua soltura imediata. O tribunal afirma que a prisão do empresário se baseia em motivos políticos e que não há provas razoáveis que sustentem a acusação contra ele.
Contudo, as autoridades turcas não implementaram a decisão e disseram que o julgamento da Corte Europeia de Direitos Humanos não era final.
Em 17 de setembro, o Conselho da Europa enviou a Ancara um último aviso para que coloque Kavala em liberdade, e que iniciará procedimentos de punição à Turquia em 30 de novembro se o empresário não for solto até a data. A próxima audiência judicial na Turquia sobre o caso será em 26 de novembro.
O Conselho da Europa é uma organização internacional fundada em 1949 da qual fazem parte 47 países, inclusive a Turquia, ao qual é vinculada a Corte Europeia de Direitos Humanos.
le (Lusa, ots)
Por que as relações turco-alemãs são tão tensas?
Desde o golpe militar fracassado contra o presidente Erdogan, em julho de 2016, relações entre Ancara e Berlim têm se deteriorado constantemente. Mas o processo já começara antes, e não há fim à vista.
Foto: picture-alliance/POP-EYE/B. Kriemann
Caso Böhmermann
31 de março de 2016: O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, apresenta queixa contra o humorista alemão Jan Böhmermann por seu "poema difamatório" a respeito dele, envolvendo bestialidade, entre outras acusações. Em 4 de outubro, os promotores encerraram o caso, mas um conflito diplomático entre Ancara e Berlim estava desencadeado.
2 de junho de 2016: Parlamento alemão aprova quase unanimemente resolução classificando como genocídio o massacre de centenas de milhares de armênios pelo Império Otomano, em 1915. Ancara retira seu embaixador de Berlim, a comunidade turca promove protestos em várias cidades alemãs. Segundo a Turquia, o número de mortes seria exagerado, e também havia muçulmanos turcos entre as vítimas.
Foto: Getty Images/AFP/S. Gallup
Tensões após golpe fracassado
15 de julho de 2016: Uma facção das Forças Armadas turcas tenta derrubar o presidente turco, mas fracassa. Ancara acusa Berlim de não se posicionar contra a tentativa de putsch nem fazer algo contra a organização do pregador exilado Fethullah Gülen, acusado por Erdogan de orquestrar o golpe militar.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Suna
Alemanha critica purgação pós-golpe
Logo em seguida à tentativa de golpe, as autoridades turcas fizeram uma devassa no Exército e no Judiciário, detendo milhares de pessoas. Logo em seguida, a purgação foi expandida, incluindo funcionários públicos civis, diretores e professores universitários. Políticos alemães criticaram as detenções. Diplomatas, acadêmicos e militares turcos fugiram do país e pediram asilo na Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Suna
Manifestações curdas em Colônia
A devassa de Erdogan pós-golpe foi também condenada por ativistas curdos em manifestações na cidade de Colônia, no oeste alemão. Em muitas delas se exigia a libertação de Abdullah Öcalan, líder encarcerado do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Ancara Turquia acusa Berlim de não fazer esforços suficientes para sustar as atividades do grupo. que classifica de terrorista.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Meissner
Prisões de cidadãos alemães na Turquia
14 de fevereiro de 2017: Deniz Yücel, correspondente do jornal "Die Welt", é colocado sob custódia policial na Turquia. Outros cidadãos alemães, como a jornalista Mesale Tolu e o ativista de direitos humanos Peter Steudtner, são detidos pelo que Berlim define como "razões políticas". Todos os três foram acusados pelas autoridades turcas de apoiar organizações terroristas.
Março de 2017: Municipalidades alemãs proíbem ministros turcos de realizarem comícios a favor do referendo de abril na Turquia, para ampliar os poderes presidenciais de Erdogan. Este acusa a Alemanha de empregar "táticas nazistas" contra cidadãos turcos em seu território e deputados turcos em visita. Dirigentes alemães condenam severamente o líder turco, acusando-o de ter ido longe demais.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Berg
Espionagem
30 de março de 2017: A Alemanha acusa a Turquia de espionar centenas de adeptos de Gülen, assim como mais de 200 associações e escolas ligadas ao movimento do pregador na Alemanha. Paralelamente, requerentes de asilo turcos acusam o departamento de imigração BAMF de repassar as informações deles para veículos de imprensa ligados ao governo turco.
Foto: Imago/Chromeorange/M. Schroeder
Erdogan insta turco-alemães a não votarem em "inimigos"
18 de agosto de 2017: O presidente chama três dos principais partidos políticos da Alemanha de inimigos da Turquia e insta os alemães de origem turca a não votarem neles na eleição geral de setembro. Seus alvos são a União Democrata Cristã (CDU), da chanceler federal Angela Merkel, o Partido Social-Democrata (SPD) e o Partido Verde. A chefe de governo acusa Erdogan de se imiscuir na eleição.
Foto: picture-alliance/abaca/AA/M. Ali Ozcan
Merkel contra Turquia na UE
4 de setembro de 2017: A chanceler federal alemã, Angela Merkel, afirma, durante debate eleitoral, ser contra a Turquia se tornar membro da União Europeia e promete conversar com outros líderes da UE sobre o fim das negociações com Ancara nesse sentido. Em outubro, ela apoia a iniciativa de cortar os fundos pré-filiação da Turquia.
Foto: Reuters/F. Bensch
Ofensiva militar turca em Afrin
20 de janeiro de 2018: Forças Armadas turcas e seus aliados rebeldes sírios lançam a Operação Ramo de Oliveira contra o enclave curdo de Afrin, no norte da Síria. A ofensiva é criticada por políticos alemães e desencadeia protestos de comunidades curdas na Alemanha.
Foto: Getty Images/AFP/O. Kose
Deniz Yücel é libertado da prisão
16 de fevereiro de 2018: A Turquia liberta o jornalista turco-alemão Deniz Yücel, depois de mantê-lo preso por mais de um ano sem acusações formais. Segunda a mídia estatal turca, o turco-alemão foi libertado da detenção pré-julgamento sob fiança. A promotoria exige para ele pena de 18 anos de prisão, por "propaganda terrorista" e incitação popular.