Ernesto Araújo vai tirar férias na semana da posse de Biden
12 de janeiro de 2021
Admirador de Trump, ministro das Relações Exteriores não tem disfarçado contrariedade com vitória democrata nas eleições nos EUA. Em outubro, Bolsonaro disse que esperava comparecer à posse de um Trump reeleito.
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O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, vai tirar cinco dias de férias entre 18 e 22 de janeiro. O período de afastamento coincide com o dia da posse do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden. A cerimônia está prevista para 20 de janeiro.
A informação sobre o pequeno período de férias de Araújo consta no Diário Oficial.
Embora não seja uma tradição do Itamaraty enviar seus ministros para cerimônias de posse de presidentes americanos, a semana da posse promete ser delicada para a diplomacia mundial. É nesse período que são oficializadas as nomeações de alto escalão do novo governo americano e quando o novo presidente americano explicita os objetivos imediatos do seu governo.
Em 20 de janeiro de 2009, por exemplo, o então ministro das Relações Exteriores do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, Celso Amorim, acompanhou a cerimônia pela TV ao lado do presidente petista.
Ministro minimiza invasão do Capitólio
Fã declarado de Donald Trump e executor da política que alinhou o Brasil incondicionalmente ao governo do republicano, Araújo não vem disfarçando sua contrariedade com a derrota do republicano nas eleições de novembro. Recentemente, ele chegou a minimizar o episódio da invasão do Capitólio por uma turba de apoiadores de Trump, no que foi encarado como uma tentativa de golpe por boa parte do meio político dos EUA.
Embora tenha classificado a ação como "lamentável", Araújo aproveitou a ocasião para endossar teorias conspiratórias sobre "infiltrados" de esquerda e disse ser legítimo questionar o processo eleitoral americano, mesmo que nenhuma das acusações de fraude tenha sido comprovada.
Araújo ainda classificou os invasores de "cidadãos de bem" e reclamou das pessoas que chamaram os manifestantes de "fascistas", mesmo com a presença explícita de neonazistas e supremacistas brancos na invasão.
O comportamento pró-Trump de Araújo antecede o período da sua chefia no Itamaraty. Em 2017, o atual ministro escreveu um artigo intitulado Trump e o Ocidente, no qual teceu loas ao mandatário americano, apontando que o via como uma espécie de cruzado que poderia resgatar o Ocidente.
Demora em reconhecer vitória de Biden
Sob Araújo, a diplomacia brasileira demorou mais de um mês para reconhecer a vitória de Biden no pleito presidencial, em contraste com dezenas de outras nações, inclusive vários aliados próximos dos EUA, que felicitaram o democrata quando os resultados ficaram claros. Sem disfarçar muito, o Itamaraty e o governo brasileiro ainda torciam para que Trump conseguisse reverter o resultado nos tribunais.
O presidente Bolsonaro endossou acusações sem provas de Trump de que a eleição foi marcada por fraudes. "Tenho minhas fontes", disse Bolsonaro em novembro. Pouco depois, a imprensa revelou qual seria essa "fonte": o embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster. Em vez de fornecer informações precisas sobre o que se passava nos EUA – algo que se espera de qualquer diplomata –, Forster simplesmente repassou o discurso repleto de fake news do líder republicano, mesmo diante da vitória incontestável do democrata Biden.
Em outubro, antes do pleito americano, Bolsonaro afirmou que gostaria de comparecer à posse de um segundo mandato de Trump, ignorando que o protocolo americano da cerimônia não inclui a presença de líderes estrangeiros.
"Espero comparecer à posse do presidente brevemente reeleito nos EUA", disse Bolsonaro, duas semanas antes do pleito, com Biden à frente nas pesquisas.
Até o momento, Biden e o presidente brasileiro não trocaram nenhum telefonema, em contraste com governos anteriores. O ex-presidente Michel Temer, por exemplo, conversou com Trump no final de 2016, antes mesmo da posse do republicano. A atitude pró-Trump de Bolsonaro contrastou com as de seus antecessores, que evitaram se posicionar sobre assuntos internos dos EUA.
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Problemas externos pela frente
Tal comportamento ainda fiel a Trump mesmo depois da derrota do republicano também tem sido externado pelo filho "03" do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, que preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara e que foi um dos principais responsáveis pela indicação de Araújo no Itamaraty.
Após o banimento de Trump do Twitter, Eduardo passou a exibir em seu perfil na rede uma foto do líder republicano, como gesto de solidariedade. Ativistas bolsonaristas também seguiram o exemplo e colocaram a foto do republicano em seus perfis.
A vitória democrata não marcou apenas uma decepção pessoal para Bolsonaro e Araújo. Também vem sinalizando mais problemas externos para o Brasil. Biden, que prometeu adotar uma política ambiental oposta à de Trump, chegou a mencionar em setembro a possibilidade de impor sanções ao Brasil por causa da má gestão do país na questão do desmatamento. Em resposta, Bolsonaro insinuou a possibilidade de um conflito militar entre o Brasil e o novo governo americano em relação à Amazônia.
JPS/ots
As visitas de presidentes brasileiros aos Estados Unidos
Relembre como foram as principais visitas de presidentes do Brasil aos Estados Unidos após a redemocratização do Brasil nos anos 1980.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
Setembro de 1986: Sarney visita Reagan
Além de se reunir com Ronald Reagan, José Sarney proferiu um discurso ao Congresso. Os líderes discutiram a crise do endividamento internacional e a recusa do Brasil em assinar um acordo formal com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Outro tema foi a manutenção pelo Brasil da reserva de mercado para produtos de informática, mesmo com possíveis sanções pelos EUA. Pelé também estava na comitiva.
Foto: Public Domain/Ronald Reagan Presidential Library & Museum/White House
1990-1992: visitas entre Collor e Bush
Os dois presidentes se encontraram duas vezes em 1990: em setembro, Fernando Collor esteve com George H. W. Bush durante a Assembleia Geral da ONU e, em dezembro, o americano visitou Collor e ainda discursou ao Congresso brasileiro. Em junho de 1991, o brasileiro visitou Bush nos EUA e, em junho de 1992, Bush teve um encontro com o brasileiro durante a Conferência Rio-92.
Abril de 1995: FHC visita Clinton
Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton abordaram um dos principais atritos entre os países: a aprovação da Lei de Patentes. Os EUA ameaçavam com sanções se o projeto não passasse. O texto chegou a ser aprovado em fevereiro de 1996, mas nos moldes como queriam os americanos. FHC repetiu ainda uma demanda brasileira existente até hoje: ser membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
FHC participou de uma reunião nas Nações Unidas sobre o combate ao tráfico de drogas e ficou hospedado em Camp David, a casa de campo da Presidência americana. Ele teve um encontro informal com Clinton, que cumprimentou FHC pela boa resposta brasileira à turbulência financeira asiática. Os dois líderes conversaram ainda sobre a paz no Oriente Médio e a estratégia de combate às drogas.
Foto: Imago/Zumapress/S. Farmer
Maio de 1999: FHC visita Clinton
Em Washington, FHC participou de vários encontros com governantes e empresários para convencê-los de que o pior da crise econômica já havia passado e afirmou que seu governo tentaria impedir outras no futuro. Com Clinton, FHC insistiu que era necessário buscar mecanismos financeiros que protegessem o país de ataques especulativos e de prejuízos provocados pela volatilidade de capitais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Walsh
Abril de 2001: FHC visita Bush
Na visita, o país desistiu de selar um acordo com os EUA sobre o início da Área de Livre Comércio das Américas (Alca. O revés de última hora ocorreu após o Departamento de Estado enviar a alguns países um memorando defendendo o ano de 2003 – em contraponto ao acordo fechado entre Brasília e Washington de começar a Alca em 2005. O documento esvaziou a visita de FHC.
Foto: Getty Images/M. Wilson
Novembro de 2001: FHC visita Bush
FHC e George W. Bush tiveram na Casa Branca uma conversa amigável, porém, morna. Ambos falaram sobre terrorismo, prejuízo do protecionismo às nações em desenvolvimento, economia da Argentina e a criação de um Estado palestino. FHC reforçou ainda o desejo do Brasil de ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Depois, o brasileiro foi para Nova York abrir a Assembleia Geral da ONU.
Foto: Getty Images/AFP/S. Thew
Junho de 2003: Lula visita Bush
O encontro terminou sem resultados concretos. O Brasil chegou a prometer que cooperaria para concluir com êxito a Alca até 2005 e a pedir o apoio de Washington para ter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU – dois assuntos que não avançaram. Eles também discutiram a paz no mundo e Lula disse que ela só seria alcançada se os países ricos ajudassem os mais pobres a se desenvolverem.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
Março de 2007: visitas entre Lula e Bush
No início do mês, Bush e Lula assinaram em Guarulhos/SP um memorando para a cooperação no desenvolvimento da tecnologia de biocombustíveis e prometeram diminuir a dependência do petróleo e de outros combustíveis fósseis não renováveis em seus países. No final de março, Lula foi recebido em Camp David (foto) para discutir o etanol como commodity mundial e a retomada da Rodada Doha, da OMC.
Foto: Getty Images/R. Sachs-Pool
Março de 2009: Lula visita Obama
No seu primeiro encontro, os dois presidentes anunciaram a criação de um grupo de trabalho para a reunião do G20, que aconteceu no mês seguinte em Londres, para buscar uma estratégia comum para enfrentar, na época, a crise econômica mundial, aumentar a confiança no sistema financeiro e recuperar as economias afetadas pelo maior crash vivido pelo mundo desde a década de 1930.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Reynolds
Abril de 2012: Dilma visita Obama
Dilma Rousseff mostrou preocupação com a depreciação das moedas dos países ricos em consequência das políticas monetárias deles para conter a crise, dizendo que esse desequilíbrio afeta todas as nações, principalmente as emergentes. Barack Obama disse que a relação dos dois países "nunca esteve mais forte" e discutiu com a brasileira temas como narcotráfico, intercâmbio estudantil e combustíveis.
Foto: Carolyn Kaster/AP Photo/picture alliance
Junho de 2015: Dilma visita Obama
A reunião marcou a superação de um imbróglio diplomático depois de documentos da Agência de Segurança Nacional (NSA) vazados por Edward Snowden mostrarem que os EUA também espionavam Dilma. Por causa do escândalo, ela chegara a cancelar uma visita de Estado a Obama em outubro de 2013. No encontro de 2015, Dilma tentou atrair investimentos, prometeu reduzir a poluição e aumentar o reflorestamento.
Foto: Getty Images/C. Somodevilla
Março de 2019: Bolsonaro visita Trump
Foi a primeira visita de Estado de Jair Bolsonaro – e a viagem foi bem-sucedida para o então presidente brasileiro. O fato de ele ter se encontrado com fiéis foi bem recebido entre seus eleitores evangélicos. Para militares e para a economia, ele conseguiu a promessa de Trump de apoiar o status de aliado preferencial na Otan e a entrada do Brasil na OCDE.
Foto: Allen Eyestone/ZUMAPRESS.com/picture alliance