Dois políticos conservadores foram acusados de lucrar na pandemia. Escândalo tem potencial de prejudicar chances da União Democrata-Cristã em eleições estaduais encaradas como termômetro para pleito federal de setembro.
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O escândalo envolvendo deputados que pertenciam ao bloco conservador da chanceler federal alemã, Angela Merkel, ocorre em um momento infeliz para os cristãos-democratas: no domingo, serão realizadas eleições estaduais em Baden-Württemberg e Renânia-Palatinado.
Acusados de atuarem como lobistas de fabricantes de máscaras que venderam itens ao governo ou intermediar negócios entre empresas, os parlamentares Georg Nüsslein, da União Social Cristã (CSU) da Baviera eNikolas Löbel, da União Democrata Cristã (CDU) , renunciaram aos blocos de seus respectivos partidos.
Há cerca de um ano, no início da pandemia, as máscaras eram escassas e valiosas, fazendo com que os preços disparassem rapidamente. Naquela altura, era possível fazer dinheiro rápido com a crise. Por isso, promotores alemães estão agora investigando os dois políticos.
Löbel, de Mannheim, deixou a CDU e também renunciou a seu assento no Bundestag. Em declarações ao jornal conservador alemão Die Welt, ele admitiu o erro.
"Como membro do Bundestag, e particularmente no contexto específico da pandemia, eu deveria ter conduzido minhas negociações comerciais com maior sensibilidade", disse Löbel. Ele é suspeito de ter recebido 250 mil euros (mais de R$ 1,7 milhão) em propinas.
Mas Nüsslein preferiu adotar uma postura diferente. Ele renunciou ao partido CSU, mas disse que, por enquanto, pretende manter sua cadeira no parlamento como político independente, para a fúria de alguns de seus correligionários.
Markus Blume, secretário-geral da CSU, disse à emissora ARD que ficou aliviado com a renúncia de Nüsslein. "Tratava-se de uma medida inevitável, também para limitar os danos ao próprio partido."
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Verdes mantêm pressão
A oposição não parece satisfeita com o afastamento dos dois parlamentares. Para o copresidente do Partido Verde, Robert Habeck, o escândalo está vinculado aos 15 longos anos de CDU/CSU no poder sob a liderança de Angela Merkel. Para Habeck, sobretudo há um ano, quando a pandemia se alastrava, o ministro da Saúde, Jens Spahn (CDU), era o principal contato de muitas empresas que tinham o intuito de ajudar.
E, logicamente, os políticos conservadores tendem a ter melhores contatos comerciais do que políticos de outros matizes.
"Em segundo lugar, porém, há simplesmente uma proximidade particular com a atividade econômica e uma falta de consciência sobre se determinadas transações financeiras talvez não sejam apropriadas", disse Habeck.
O escândalo das máscaras remete, entre outras coisas, às dificuldades enfrentadas por Philipp Amthor, parlamentar da CDU. Até maio de 2019, ele atuava na Augustus Intelligence, fazendo lobby com o ministro da Economia da CDU, Peter Altmaier, e outros políticos em nome da empresa americana.
Inicialmente, o político de 29 anos insistiu não ter recebido salário. Aos poucos, porém, ele teve que admitir que, sim, havia recebido ofertas de ações da empresa no valor de até 250 mil dólares. Ele também aceitou ajuda com despesas de viagem.
Apesar das acusações, Amthor foi nomeado o principal candidato da CDU no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental.
Combate à corrupção
Os sociais-democratas (SPD) também aumentaram a pressão com demandas por rivais conservadores e aliados da coalizão.
"Deve ser responsabilidade de todos os democratas que a ganância e o clientelismo não tenham chance em nosso parlamento", disse o copresidente do SPD, Norbert Walter-Borjans.
Um registro de transparência ou de ações de lobistas poderia, no futuro, ajudar a lançar luz sobre as áreas mais sombrias onde política e negócios colidem. Após um longo período de discussão sobre as especificidades, CDU/CSU e SPD parecem agora concordar fundamentalmente com esse plano.
No futuro, portanto, lobistas deverão assinar um registro e fornecer detalhes sobre seus empregadores ou sobre as empresas que os contrataram. Isso também se aplica a lobistas que buscam influenciar ministérios ou o governo federal. Anteriormente, essa etapa extra enfrentava resistência e, por isso, não fora incluída em um esboço anterior do plano.
Já a ONG anticorrupção Transparência Internacional defende a proibição total de certas formas de lobby.
"As regras de conduta no Bundestag precisam ser expandidas e têm que sancionar explicitamente certas formas de lobby, como nos casos de Nüsslein e Löbel", disse o presidente da entidade na Alemanha, Hartmut Bäumer, aos jornais do grupo midiático Funke.
Mas os liberais não estão satisfeitos com tais propostas. O líder do Partido Liberal Democrático (FDP), Christian Lindner, exige a convocação de uma pessoa independente para investigar as denúncias.
"Um investigador especial, portanto, um ex-juiz, deve verificar nos bastidores se tudo o que aconteceu foi legal – com acesso aos arquivos do caso", disse Lindner à ARD. "Só depois disso eles devem nos informar, e posteriormente, então, o público."
Nas últimas semanas, a crescente insatisfação com a forma pela qual o governo tem lidado com a pandemia, sobretudo com o início lento da vacinação, já havia causado perdas para a CDU em dois dos estados mais importantes da Alemanha.
Agora, os conservadores podem ter que se preparar para novas perdas nas eleições regionais de domingo como resultado dos escândalos.
Merkel, 15 anos como chefe de governo da Alemanha
Angela Merkel é chanceler federal desde 2005, já tendo liderado quatro governos desde então e enfrentado diversos desafios. Hoje ela é mais popular do que nunca. Veja alguns de seus momentos mais marcantes.
Adeus à "garota de Kohl"
O chanceler federal alemão Helmut Kohl costumava chamar Angela Merkel de "garota", paternalizando. Em 2001, há muito ela já havia saído de sua sombra, como líder da União Democrata Cristã (CDU), então na oposição. Mas a grande hora de Merkel só chegaria em 2005.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Altwein
Vitória eleitoral apertada
Nas eleições parlamentares federais de 2005, foi muito apertada a vitória das legendas irmãs CDU e CSU sobre o Partido Social-Democrata do então chanceler federal Gerhard Schröder. Além disso , a CDU, com sua candidata Angela Merkel, teve os piores resultados desde 1949. Portanto as condições para a nova chefe de governo não eram as melhores. Mas ela faz progressos rápidos.
Foto: dpa
Nova chanceler federal
No fim, CDU e CSU uniram forças para formar uma grande coalizão. Schröder felicitou a mais nova chanceler federal, Angela Merkel, que seria a primeira mulher, a mais jovem em exercício, a primeira alemã do Leste e a primeira cientista, eleita para o cargo pelo Bundestag câmara baixa do [Parlamento alemão], em 22 de novembro de 2005.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Reiss
Anfitriã descontraída
Merkel ganhou rapidamente autoconfiança. Na cúpula do G8 de 2007, ela recebeu os chefes de Estado e governo das sete nações industriais mais importantes e Rússia, no balneário báltico de Heiligendamm e brincou com o presidente dos EUA George Bush (esq.) e o presidente russo Vladimir Putin. Em termos geopolíticos, um mundo muito mais "perfeito" do que hoje em dia.
Foto: AP
Jogo de cores
As calças são geralmente escuras, mas baseados na cor do blazer, que varia, muitos creem poder dizer qual é o estado de ânimo de Angela Merkel, ou a mensagem que ela está tentando transmitir.
Foto: picture-alliance/AP Photo/M. Schreiber
Ah, esses garotões!
Política europeia no outono de 2008: Angela Merkel tem apenas um leve sorriso para dois machões do palco europeu: o presidente francês Nicolas Sarkozy (na frente) e o primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. No entanto, é ela que, aqui no início da crise financeira, está subindo rapidamente para se tornar a indiscutível número um da União Europeia.
Foto: Getty Images/AFP/G. Cerles
Assistência ou dominação?
As dívidas de muitos países europeus estão aumentando cada vez mais, o euro está em perigo. Merkel concorda com uma ampla ajuda, mas exige em troca medidas de austeridade nos países afetados. E isso desperta memórias amargas, principalmente na Grécia: os jornais gregos traçam paralelos com a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Panagiotou
Oradora talentosa
Merkel é uma oradora apenas moderadamente talentosa, que não gosta de estar cercada pela multidão. Muitas vezes, é seca e não explica suficientemente sua política. Porém seu jeito sóbrio, pragmático e modesto conquista muitos. Caso contrário, ela não estaria hoje à frente de seu quarto governo.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Gentsch
"Mutti"
Em algum momento ela passou a ser chamada de "Mutti" (mamãe). Não a "mãe", mas a "mamãe" da nação. É um pouco sarcástico, mas também afetuoso, talvez. E antiquado: hoje em dia, nenhuma criança alemã diz mais "Mutti". "Mamãe" cuida, e não é preciso ter medo dela. O outro lado da moeda é que com "mamãe" os filhos permanecem sempre crianças. Nem todo mundo gosta disso.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Anspach
"Vamos conseguir"
Talvez nenhuma outra frase dela tenha polarizado tanto quanto "Vamos conseguir". Quando manteve as fronteiras abertas para refugiados e migrantes em 2015 e 2016, Merkel foi quase venerada como uma santa por alguns, mas severamente criticada por outros. A discordância na avaliação de sua política para refugiados continua até hoje.
Foto: Getty Images/S. Gallup
"Pessoa do Ano"
Em 2015, a revista americana "Time" elegeu Angela Merkel "Pessoa do Ano" e até mesmo "Premiê do Mundo Livre", por sua liderança em situações difíceis – da dívida nacional à crise dos refugiados.
Foto: picture-alliance/AP Photo/Time Magazine
Mulheres entre si
Ela é a primeira mulher na chefia de governo da Alemanha. Embora nunca tenha feito disso um grande tema de sua política, algumas mulheres tiveram uma carreira vertiginosa graças ao apoio de Merkel, seja Annegret Kramp-Karrenbauer (presidente da CDU e ministra da Defesa, à esq.), Ursula von der Leyen (presidente da Comissão Europeia) ou Julia Klöckner (ministra da Agricultura).
Foto: picture-alliance/M. Schreiber
Nada pessoal
Merkel é discreta: ela não faz observações políticas ou pessoais sobre chefes de Estado e de governo difíceis. No máximo, expressa opiniões muito vagas. Ao lidar com eles, o que a orienta é a razão de Estado.
Foto: picture-alliance/C. Hartmann
Sem qualquer vaidade
Ela sabe quando custa um litro de leite: mesmo após anos como chefe de governo de uma potência europeia, Angela Merkel não se tornou vaidosa. Em 2014, visitou um supermercado de Berlim com o primeiro-ministro da China, Li Keqiang. Mas também é vista fazendo compras sozinha – como uma dona de casa qualquer, por assim dizer.
Foto: picture alliance/dpa/L.Schulze
Losango enigmático
Não está muito claro de onde Merkel tirou sua famosa postura de mãos. Ela própria diz que o sinal no formato de um losango a ajuda a manter a parte superior do corpo ereta e que não há nenhuma mensagem oculta. Mesmo assim, os estrategistas da CDU usaram o sinal na campanha das eleições gerais de 2013, para transmitir confiança e calma.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Simon
Merkel na privacidade
Pouco se sabe sobre a vida privada de Merkel. Ela não revela muito a respeito, ou talvez o interesse público não seja particularmente grande. É sabido, por exemplo, que ela e o marido Joachim Sauer, físico como ela, passam todos os anos a Páscoa na ilha italiana de Ísquia. Ou passavam, pois em 2020 isso não foi possível.
Foto: picture-alliance/ANSA/R. Olimpio
E aí veio a covid-19
A pandemia mudou muitas coisas na Alemanha, não apenas os rituais de férias da chanceler federal. O jeito sério e objetivo de Merkel foi em parte criticado, mas sua gestão da pandemia também lhe conferiu novos recordes de popularidade.
Foto: Johanna Geron/Reuters
A hora da despedida
Em 2018, Angela Merkel anunciou que não voltaria a concorrer nas eleições federais do outono alemão de 2021, mas que pretendia permanecer no cargo até lá. Ela terá então governado por quase 16 anos, e apenas pouco menos do que Helmut Kohl, detentor do recorde na Chancelaria Federal.